Francisco Félix de Sousa

FRANCISCO FÉLIX DE SOUSA
(94 anos)
Comerciante e Traficante de Escravos

☼ Salvador, BA (04/10/1754)
┼ Uidá, Benim (08/05/1849)

Francisco Félix de Sousa, apelidado de Chachá, foi o maior traficante de escravos brasileiro. Ele foi uma figura histórica controvertida, tanto pelo poder e riqueza que obteve, quanto pelas suas origens, pois era, provavelmente, um mulato ou mestiço indefinido.

Seus descendentes registraram em seu túmulo que ele nasceu em 04/10/1754. Entretanto, outros dizem que ele nasceu em 1771. Certa somente é a data de sua morte, 08/05/1849.

Era filho de um português traficante de escravos e de uma escrava. Aos 17 anos foi alforriado. Entretanto, seus descendentes o retratam atualmente como se fosse muito branco e louro. O mais provável é que tenha sido um mestiço indefinido.

Conforme contado pela sua família, Francisco Félix estabeleceu-se em 1788 no atual Benim. Entretanto, é mais provável que ele tenha se estabelecido definitivamente na África em 1800, depois de várias viagens, a primeira entre 1792 e 1795.

O litoral da baía de Benin e seus arredores era, nesta época, uma das regiões mais densamente povoadas da África e conhecida internacionalmente como "Costa dos Escravos", devido ser este o seu principal produto de exportação. O rei da cidade de Abomey, também chamada de Abomé, localizada no interior, dominava a região da baía de Benim, embora lá houvesse vários fortes de feitorias europeias, entre os quais a já antiga fortaleza portuguesa de São João Baptista de Ajudá, localizada na atual cidade de Uidá.

Pela estrutura econômica do reino de Daomé, o rei era dono de toda a terra e detinha o monopólio de todo o comércio podendo conceder concessões aos comerciantes. Nesta época, praticamente o único produtos exportado era escravos, o que também acontecia nos reinos vizinhos.

Francisco Félix começou a negociar na região atuando como traficante de escravos, a mesma profissão que tinha sido exercida por seu pai. Entretanto, como chegou na África praticamente em estado de miséria, alguns relatos dizem que entrou no negócio de tráfico de escravos levado pelo seu sogro Comalangã, régulo da ilha de Glidji, na localidade de Popó, e pai de sua primeira esposa, Jijibu ou Djidgiabu.

Tudo indica que não teve inicialmente sucesso nos negócios, pois em 1803 empregou-se na Fortaleza de São João Baptista de Ajudá como escrivão e contador.

Em 1804, seu irmão Jacinto José de Sousa partiu do Brasil para assumir o cargo de Comandante desta mesma fortaleza em que ele trabalhava, mas isto foi apenas coincidência.

Em 1805, seu irmão morreu e ele assumiu, sem autorização do governo português, o cargo de 16º Diretor da Fortaleza de São João Baptista de Ajudá, em exercício até 1818 e em definitivo até 1844, e desde 07/09/1822 até esse ano sob a soberania do Império do Brasil.

Depois de algum tempo abandonou a função, pois obteve autorização real para comerciar, incluindo traficar escravos que eram comprados diretamente do rei de Daomé, Adandozan. Os escravos eram pagos com búzios, uma forma de moeda local, ou, como ficou comum depois de certa época, com mercadorias importadas da Europa (tecidos de algodão, veludos, damascos, lãs e sedas, armas de fogo, pólvora, contaria, facas, catanas, manilhas, vasilhame de cobre e latão) ou das Américas (tabaco baiano, cachaça, rum).

Mesmo depois da Independência do Brasil, os produtos manufaturados europeus eram contrabandeados do Brasil, uma vez que a Coroa portuguesa não permitia que tais itens fossem transportados em navios brasileiros.

Quando já estava muito rico, Francisco Félix afrontou o rei Adandozan por não ter recebido os escravos pelos quais pagara adiantadamente com mercadorias. Caiu em desgraça perante o rei e foi preso quando visitava a cidade de Abomei, capital de Daomé. O poder do rei de Daomé sobre os súditos era total: era comum a morte em sacrifícios humanos, a execução de centenas de prisioneiros de guerra ou a venda de milhares como escravos para as Américas. Entretanto, a tradição de sua família conta que o branco era a cor da morte e matar um branco, mesmo um mulato, era tabu. O rei Adandozan ordenou então que Francisco Félix fosse imergido em tonéis de índigo para que ficasse azul-escuro e nunca mais usasse a cor da pele para afrontar o rei.

Planta do forte francês de Ajudá (1747)

Nesta época, conheceu Guapê, um meio-irmão do rei Adandozan, tornou-se seu amigo e, com sua influência, conseguiu ser libertado ou fugiu de Abomei para Popó Pequeno, terra de seu primeiro sogro, Comalangã.

Francisco Félix e Guapê fizeram um pacto vodu de sangue e começaram a conspirar para depor o rei Adandozan. Francisco Félix contrabandeou armas e munições para Guapê que, em 1820, derrubou Adandozan do poder e tornou-se rei de Daomé, assumindo o nome de Guezô.

O rei Guezô concedeu-lhe, em 1821, o cargo de primeiro conselheiro e o título de Chachá. A origem do nome do título é desconhecida. Possivelmente era seu apelido, originado do modo com que Francisco Félix costumava apressar os negócios dizendo "já, já".

Não é correto que o título de Chachá conferisse poderes de vice-rei e "chefe dos brancos". Estes poderes eram conferidos com o título de Yovogan que esteve com um daomeano chamado Dagba durante a maior parte da vida de Francisco Félix em Uidá. Um estrangeiro que chegasse na cidade tinha que falar com o Yovogan antes de se encontrar com o Chachá.

Francisco Félix, como todo traficante rico do reino, tinha o título de "cabeceira" do reino e a obrigação de fornecer soldados armados para o rei. Portanto, suas atividades eram mais comerciais do que políticas.

A Fortaleza de São João Baptista de Ajudá tinha sido abandonada pelos portugueses. Francisco Félix continuou a comandá-la e, por extensão, governava a cidade de Uidá que se desenvolveu nos seus arredores. A cidade transformou-se em um dos mais ativos entrepostos de embarque de escravos de toda a África para as Américas, principalmente para o Brasil e Cuba.

O rei Guezô concedeu-lhe também o total controle do comércio exterior do reino de Abomé. Atuava como agente do rei, gozando do privilégio real da primeira opção: "os outros comerciantes só podiam transacionar com aquilo que ele não desejava".

Devido ao grande crescimento do tráfico de escravos para o Brasil que ocorria na época, Francisco Félix acumulou uma fortuna gigantesca. Além do virtual monopólio do comércio de escravos sediado em Uidá, também exportava azeite de dendê, noz-cola e outros produtos do reino. Importava tecidos, tabaco, aguardente, armas de fogo, pólvora e utensílios de metal, produtos utilizados no escambo para aquisição de escravos.

Teve vários sócios no Brasil como o banqueiro Pereira Marinho, que recebeu os seus filhos que viajaram para estudar. O Conde de Joinville considerava-o um dos três homens mais ricos de seu tempo.

Depois da Independência do Brasil, ofereceu, em nome do rei Guezô, o protetorado do reino de Daomé e a posse da Fortaleza de São João Baptista de Ajudá ao imperador Dom Pedro I do Brasil. O acordo não prosperou e, a partir de então, Francisco Félix passou a dizer-se cidadão português, talvez porque isto lhe conferia vantagens jurídicas, oriundas de acordos internacionais, quando seus navios eram apresados pela frota britânica.

Quando os ex-escravos alforriados no Brasil ou seus descendentes voltavam para o Benim, encontravam em Francisco Félix um ponto de referência da cultura afro-brasileira na região. Ao mesmo tempo, Francisco Félix agia como um protetor local daqueles que, contraditoriamente, poderiam ter sido enviados por ele como escravos para o Brasil. Assim, em torno da rica residência do traficante de escravos formou-se um bairro de Agudás, descendentes de escravos do Brasil que retornaram para África, atualmente chamado Brasil, em francês, Brésil, em língua fon, Blezin.

Por volta de 1845, Francisco Félix estava arruinado e devendo dinheiro ao rei. A causa mais provável do seu declínio foram os enormes prejuízos que a frota britânica causava ao passar a apreender seus navios negreiros. Com seu empobrecimento, o rei Guezô deixou de considerá-lo como o único agente real para o comércio exterior, mas ainda o manteve como um funcionário coletor de taxas por escravo exportado e emprestava dinheiro para ele. Nesse mesmo ano foi o 2º Governador da Fortaleza de São João Baptista de Ajudá até à sua morte a 08/05/1849.

Seus descendentes contam que morreu com 94 anos. Deixou viúvas 53 mulheres, mais de 80 filhos do sexo masculino e 2 mil escravos. O rei Guezô concedeu-lhe um funeral de grande chefe daomeano, no qual, apesar dos protestos de seus filhos, houve até a oferenda de sacrifícios humanos, honra conferida somente aos enterros reais.

Francisco Félix de Sousa foi enterrado no mesmo quarto onde dormia e seu túmulo é até hoje reverenciado pelos seus descendentes e pelos Agudás.

Alguns de seus filhos mais velhos estudaram no Brasil, alguns dos mais novos em Portugal. Depois de uma disputa feroz entre os três filhos mais ricos, um deles, Isidoro Félix de Sousa, foi escolhido pelo rei Guezô para sucedê-lo com o título de Chachá II, que então passou a ser hereditário, o qual em 1851 foi o 26º Governador Subalterno da Fortaleza de São João Baptista de Ajudá, cargo que ocupou até 08/05/1858 tendo, nesse mesmo ano, seu filho Francisco Félix de Sousa, Chachá III, sido nomeado 29º Governador.

Os seus descentes, a família Souza, têm até hoje uma grande importância política e social em Benim, sendo líderes da comunidade de Agudás. Também podem ser encontrados descendentes em toda a região do centro-oeste africano, especialmente no país vizinho Togo. Um descendente direto, Honoré Feliciano Julião Francisco de Souza, é o oitavo Chachá, um título de nobreza sem poder político, mas que confere grande prestígio social.

Nos dias de festas da comunidade dos Agudás, Chachá VIII comparece paramentado com vestes reais e acompanhado de nobres e rainhas locais. Cada novo Chachá assume o título com uma visita obrigatória ao rei de Daomé, hoje sem poder político, mas ainda reverenciado como líder religioso. Nesta visita são reforçados os antigos laços de união entre a família Souza e a família real do Daomé.

Fortaleza de Ajudá, Benim
Fortaleza de São João Baptista de Ajudá

A Fortaleza de São João Baptista de Ajudá, também conhecida como Feitoria de Ajudá ou simplesmente Ajudá, localiza-se na cidade de Uidá, na costa ocidental africana, atual República de Benim.

As costas da Mina e a da Guiné foram percorridas por navegadores portugueses desde o século XV, que, com o tempo, aí passaram a desenvolver importante comércio, principalmente de escravos africanos. É desse período que data a ascensão do antigo reino de Daomé e a importância de sua capital, Abomei, ou Abomé.

Ao final do século XVIII, o rei Dom Pedro II de Portugal (1667-1705) determinou ao Governador de São Tomé e Príncipe, Jacinto de Figueiredo e Abreu, erguer uma fortificação na povoação de Ouidah, para proteger os embarques de escravos (1680 ou 1681). Posteriormente abandonado em data incerta, foi sucedido entre 1721 e 1730 por uma nova estrutura, com as obras a cargo do comerciante brasileiro de escravos José de Torres. Sob a invocação de São João Baptista, a construção do forte de Ouidah (Ajudá) foi financiada por capitais levantados pelos comerciantes da capitania da Bahia, mediante a cobrança de um imposto sobre os escravos africanos desembarcados na cidade de Salvador.

Concluído, funcionou como centro comercial para a região, trocando tabaco, búzios e aguardente brasileiros, e mais tarde, quando o esquema do tráfico se alterou, oferecendo produtos manufaturados europeus, contrabandeados do Brasil, uma vez que a Coroa portuguesa não permitia que tais itens fossem transportados em navios provenientes do Brasil.

Bartholomew Roberts captura embarcações no porto de Ajudá (1722)
Em janeiro de 1722 o pirata Bartholomew Roberts, "Black Bart", penetrou no seu porto e capturou todas as onze embarcações ali fundeadas.

No final do século XIX a costa ocidental africana foi ocupada pelos ingleses, que ali estabeleceram importantes entrepostos, que passaram a ser defendidos pelas guarnições das fortificações antes pertencentes a Portugal, entre as quais a Fortaleza de São João Baptista de Ajudá.

Em 1911, após a Proclamação da República Portuguesa, o novo governo mandou retirar permanentemente a guarnição militar destacada para a Fortaleza de São João Baptista, substituindo-a pela presença de dois funcionários coloniais.

O Daomé tornou-se uma colônia francesa a partir de 1892, obtendo independência em 01/08/1960, quando se transformou em República do Benim. No ano seguinte, tropas do Benim invadiram Ouidah, então uma dependência da colônia portuguesa de São Tomé e Príncipe, intimando os ocupantes portugueses do forte a abandoná-lo até 31/07/1961. Sem condições para oferecer resistência, o governo de Oliveira Salazar ordenou ao último residente da praça que a incendiasse antes de a abandonar, o que foi cumprido na data-limite.

Em 1965 foi promovido o encerramento simbólico da fortaleza pelas autoridades do Daomé, vindo as suas dependências a sediar o Museu de História de Ouidah, sob administração da República do Benim (1967).

A anexação foi reconhecida por Portugal em 1985, tendo os trabalhos de recuperação e restauro sido desenvolvidos em 1987, com orientação e recursos da Fundação Calouste Gulbenkian.

A grande descendência deixada por um dos escrivães da fortaleza no século XIX, Francisco Félix de Sousa, inspirou um romance do escritor britânico Bruce Chatwin intitulado "O Vice Rei de Ajudá". Espalhados atualmente por toda a África, os De Sousa têm dado várias figuras de destaque ao Benim. Uma das grandes avenidas de Cotonou, a capital econômica, chama-se Avenida Monsenhor De Sousa.

Trivia
  • Francisco Félix de Sousa foi personagem do romance "O Vice-Rei de Uidá", de Bruce Chatwin, que propagou, falsamente, que ele fora um vice-rei;
  • Foi tema do romance "O Último Negreiro" de Miguel Real;
  • Inspirou o personagem do filme "Cobra Verde" de Werner Herzog;
  • Foi tema de um documentário de Joana Cunha Ferreira, "Filmes do Tejo, Portugal", que se debruça essencialmente sobre a forma como sua memória é ainda vivida por seus descendentes em Benim;
  • É personagem do romance "Escravos", do togolense Kangni Alem, traduzido para o português e publicado em 2011.

Fonte: Wikipédia