PATRÍCIA ARAÚJO
(37 anos)
Atriz, Modelo e Transexual
☼ Rio de Janeiro, RJ (11/03/1982)
┼ São Paulo, SP (04/07/2019)
Patrícia Araújo foi uma atriz, modelo e transexual nascida no Rio de Janeiro, RJ, no dia 11/03/1982. Patrícia ficou conhecida ao roubar a cena nos desfiles do Fashion Rio de 2009, quando desfilou pela grife Complexo B. No mesmo ano, ela já tinha sido eleita musa de um camarote da Marquês de Sapucaí.
Patrícia Araújo nasceu na Ilha do Governador, no Rio de Janeiro, em uma família de classe média-baixa e evangélica. Foi designada menino ao nascer, mas sempre teve a feminilidade como uma das maiores características. O que facilitou quando revelou ao mundo que era Patrícia e na vivência enquanto pessoa de identidade feminina na sociedade, mas que também a fez enfrentar muitas pelejas ainda na infância e adolescência.
"Sou mulher. Eu sempre me pareci com uma e nunca tive dúvidas sobre a minha sexualidade. Eu ainda era bebê e as pessoas falavam para a minha mãe: Nossa, como a sua filha é linda!"
(Declaração à revista Contigo! em 2013)
Na escola, poucos entendiam quem era aquele "garoto tão garota". E, enquanto os meninos tentavam abusar dela na ida ao banheiro, a diretora da escola a chamava para conversar regularmente por não entender sua feminilidade tão aparente.
Aos 12 anos, deu o primeiro beijo em um colega que se apaixonara por ela. Aos 13 anos, depois de tanto ser pressionada, revelou para a diretora que gostava de garotos. Resultado: Foi expulsa da escola por "mal comportamento". Não havia nessa época nem completado a sétima série.
Em entrevista à revista Marie Claire, Patrícia Araújo disse que a expulsão motivada pelo preconceito institucional foi o seu maior trauma, mas que impulsionou a dar um grande passo em sua vida: Contou tudo para os pais, o segurança Severino Araújo e a dona de casa Terezinha Araújo. Disse com todas as letras que gostava de rapazes e que se sentia na verdade uma mulher.
Ela contou que os pais, apesar de ficarem assustados num primeiro momento, não discriminaram. O irmão mais velho não aceitou, mas na mesma hora o pai interveio, dizendo que independente de qualquer coisa Patrícia era filha dele e que contaria com o apoio.
Aos 13 anos, passou a tomar os primeiros hormônios, por intermédio de uma travesti que morava perto de sua casa. Ela disse que os anticoncepcionais lhe dariam formas delicadas, como de qualquer mulher cisgênera. Apesar de fazer o uso sem acompanhamento médico, o que já era bastante visto como feminino passou a ficar cada vez mais. Com os hormônios, Patrícia também evitou que caracteres secundários atribuídos ao masculino, como barba e pomo de adão, por exemplo, se desenvolvessem em sua puberdade. Transformava-se em uma linda mulher.
Mas se cada vez mais ela fazia as pazes com o espelho e via seus pretendentes aumentarem, era só pisar fora de casa para sentir na pele o peso da transfobia. Patrícia era conhecida como "o travesti do bairro" e era alvo de apontamentos, piadas e chacotas de vizinhos. Tudo piorou quando passou a ser alvo de fofocas e mentiras cada vez mais frequentes. Ela afirmava que foi um período difícil e que tanto preconceito a deixava muito abalada, mas que suportava principalmente porque os pais a respeitavam.
O primeiro relacionamento sério de Patrícia ocorreu quando ela era menor de idade, de 14 para 15 anos. O pretendente era um homem 30 anos mais velho e muito rico, sobre o qual ela nunca gostou de comentar quem era ou o que fazia. Foi ele que a levou para São Paulo, pagou pelas cirurgias no nariz e nos seios e proporcionou a ela uma vida dos sonhos.
Com quatro anos de casada, o homem passou a ter crises de ciúme, começar a vê-la como uma de suas posses e o relacionamento começou a ficar extremamente abusivo. Após a situação ficar insustentável, Patrícia abandonou a vida que levava e voltou para o Rio de Janeiro.
Concluiu os estudos por meio do supletivo, mas ainda assim encontrou dificuldades de inserir-se no mercado formal de trabalho. A esquina tornou-se sedutora, afinal era onde outras travestis estavam, e também a única opção.
A partir daí ela passou a pagar as contas como profissional do sexo, uma realidade para muitas pessoas trans e travestis do mundo. Segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), estima-se que 90% das travestis do Brasil trabalham como profissionais do sexo, cuja maioria não o faz por escolha, mas devido ao preconceito e imposição social.
"Não é prazer fazer parte de um grupo marginal. Ninguém que se prostitui é totalmente feliz. Olha, a prostituição é como uma droga, um vício, algo que absorve toda a sua energia e te faz escrava. Pode acabar com você. Mas criei um escudo que separa meu corpo da alma. O que vendo é meu corpo, nunca minha alma. E isso liberta!"
(Declaração à revista Marie Claire em 2008)
Com 17 anos, entrou para o cinema pornô, sendo conhecida e anunciada como Patricia Chantily ou Patricia Dollface. O primeiro filme foi "Rogue Adventures 5" (1999), em que fez uma cena dupla com Julio Vidal, que hoje é pastor evangélico, e Fábio Scorpion, ícone do pornô que morreu em 23/11/2004 após uma cirurgia para aplicar silicone na panturrilha. Ela protagonizou outros 11 filmes, sempre como destaque de capa. Chegou a gravar também com Camilla de Castro, travesti ícone de beleza e sua amiga que cometeu suicídio em 26/07/2005.
Após um ano trabalhando e juntando dinheiro, embarcou rumo a Itália. Conseguiu ganhar muito dinheiro e ajudar sua família com bens, como a casa que comprou para os pais. Patrícia revelou que, apesar de ter tido a sorte de não ter se deparado com clientes agressivos, conheceu o lado nada saudável da competição com outras travestis e mulheres trans que faziam programa.
"É um submundo podre e triste. Como todas já sofreram muito, encaram a vida de um jeito duro e predatório. Penei para me adequar!"
Dentre as revelações mais surpreendentes, Patrícia contou que chegou a trabalhar como acompanhante em Dubai, nos Emirados Árabes. Um sheik árabe ficou encantado com a beleza das travestis brasileiras e mandou contratar Camilla de Castro e Patrícia Araújo. Como Camilla de Castro estava passando por problemas pessoais, Patrícia teve que embarcar nessa aventura sozinha.
"Lá eu usava burca para não sofrer preconceito. Fui alertada para só andar com o olhar para baixo e não encarar ninguém!"
(Declarou Patrícia à revista Contigo!)
Beleza e Estrela
Patrícia Araújo já tinha inúmeras fotos e ensaios espalhados pela internet. Os temas variavam entre torcedora do Brasil, colegial e noiva.
Em 2009, foi a primeira modelo travesti a posar quase como veio ao mundo para a capa da revista carioca A Gata da Hora, espaço habituado geralmente por musas cisgêneras, como a Mulher Melão. Nos cliques, ela aparecia ao lado de Paloma Sanches. Um produtor declarou que a intenção é de que os leitores pudessem compará-las.
Em 2011, a modelo se preparava para o nosso ensaio do Virgula Girl, fotografado por Gabriel Quintão, clicado dentro da extinta Boate Glória, que anteriormente era uma igreja, na Rua 13 de Maio. Ela mesma escolheu o figurino em uma loja especializada em peças sensuais e dividiu com Neto Lucon os custos de uma peça de medalhas que não fazia parte da permuta do espaço. Enquanto provava, conversava com o TV Fama, da RedeTV!, que cobria o ensaio.
Nos bastidores, Neto Lucon sentiu que ela estava um tanto insegura de ser fotografada em algumas partes do corpo, resultado de algumas reações pontuais do silicone industrial - produto que não deve ser aplicado no corpo humano, mas que foi e ainda é frequente na construção da identidade travesti. Mas com um pouco de maquiagem no bumbum e nas pernas, algumas peças que favoreciam e lá estava ela, pronta para trabalhar em fotos sensuais, não eróticas e sem nudez.
Assim que as fotos iniciaram, Patrícia Araújo se transformou totalmente. Era uma modelo que sabia seus melhores ângulos, caras, bocas e uma pessoa que era dona e apaixonada pelo seu corpo. Quase não precisou de direção e em menos de uma tarde tudo estava pronto. Sim, a travesti mais bonita do Brasil não se considerava perfeita, mas tinha algo que fazia questão de pontuar: "Tenho estrela e isso faz a diferença!". De fato brilhava.
A jornalista Mônica Apor, que trabalhava na RedeTV!, esteve lá para uma matéria sobre Patrícia e o título de mais bela do Brasil. A jornalista perguntou ainda se ela não seria uma bela candidata para ser Panicat, num momento em que Nicole Bahls e Juju Salimeni haviam sido afastadas do programa Pânico na TV, da RedeTV!. Patrícia ironizou que era tímida e semanas depois realmente foi cotada. Em seguida, a jornalista quis saber se Patrícia realmente havia ficado com o jogador Adriano Imperador. Ela desconversou: "Minha boca é um túmulo!".
Modelo e Atriz
Com muitos títulos de beleza, fama pelos filmes adultos e frisson pelos ensaios, Patrícia Araújo poderia se manter como uma musa entre as travestis e seus admiradores. Mas foi além. O mais surpreendente é que conseguiu estourar a bolha, driblando o preconceito por ser travesti, o preconceito por ter trabalhado como profissional do sexo e o preconceito por falar sobre todas essas questões abertamente. Tudo conquistado por meio da beleza, da simpatia e da tal estrela que ela sempre mencionava.
Em 2009 caiu nas graças do estilista Beto Neves, da grife Complexo B, que a chamou para desfilar no badalado Fashion Rio. O convite surgiu porque Beto Neves trazia em sua coleção uma homenagem à malandragem e à boemia da Lapa, que reunia muitas tribos, dentre elas as travestis. A presença da modelo new face, que ocorreu um ano antes do fenômeno Lea T, repercutiu na imprensa e rendeu a comparação com Gisele Bündchen.
Graças ao desfile, Patrícia passou a dar entrevistas para programas de televisão, tirar registro para trabalhar como atriz e teve portas abertas para fazer algumas pontas. No mesmo ano, esteve na série "A Lei e O Crime" (2009), da TV Record, em que viveu uma travesti profissional do sexo que se envolve com um galã de novelas e que aparece assassinada. O episódio gira em torno deste assassinato.
Em entrevista ao site NLUCON, em 2011, Patrícia Araújo disse que toda a repercussão do desfile e participações foram realizações, mas que a deixaram assustada. Ela revelou que tentou entrar em uma agência de modelos, mas teve as portas fechadas logo na primeira conversa. O dono da agência declarou que era impossível colocá-la no casting, pois era uma agência de família e muitos pais não gostariam de ver uma travesti ao lado de suas filhas.
"Fora do Brasil é diferente. Em Roma, uma menina me chamou para um trabalho de biquíni. Acho que o preconceito é quebrado quando a gente consegue a oportunidade!"
(Patrícia Araújo)
Outro convite ocorreu em 2013. Patrícia entrou no elenco da novela "Salve Jorge", da TV Globo, escrita por Gloria Perez. Era a Priscila, uma travesti que havia sido enganada por Wanda (Totia Meirelles) e que foi traficada para a Turquia para se prostituir. Foi ali que Patrícia conseguiu mostrar o lado atriz, com fala, atuação e troca de figurinhas com artistas como Adriano Garib, Nanda Costa e Roberta Rodrigues em pleno horário nobre da TV. Por fim, fez uma ponta no filme "O Vendedor de Passados", com Lázaro Ramos.
Carnaval e Cinzas
Outro ponto alto na trajetória de Patrícia Araújo foi a presença marcante nos carnavais cariocas. Lembrando que as travestis sempre foram ressaltadas no período carnavalesco, seja com bailes voltados para travestis ou com a presença de travestis nos desfiles tradicionais. Vale lembrar que a primeira rainha de bateria na história uma travesti: Eloína dos Leopardos, pela Beija-Flor, em 1976. Já Patrícia Araújo desfilou desde os anos 2000 para a Caprichosos de Pilares, Portela e Grande Rio. Patrícia Araújo chegou a ser musa da Porto da Pedra e destaque da Mocidade.
Em 2007, chegou a passar no tradicional Aviãozinho da Globo e conta que William Bonner ofereceu o elogio, ainda que não a conhecesse: "Bela sois vós entre as mulheres!", ressaltando que era uma das mais belas mulheres do Brasil.
Mas foi em 2014, quando Patrícia representou Alamoa (Uma criatura feminina que seduz marinheiros e pescadores desavisados nas praias de Fernando de Noronha) pela Mocidade, na ala de Fernando de Noronha, que um episódio controverso e trágico aconteceu. Ela estava com os seios à mostra e em lugar de destaque no momento em que um paparazzo começou a tirar fotos estrategicamente de baixo, que mostravam parte de seu genital. A imprensa explorou o flagrante, ressaltou algumas partes do corpo em posições que não a favoreciam, e Patrícia Araújo foi duramente criticada, ofendida e alvo de chacota nas redes sociais.
Diversas pessoas tentaram defendê-la, dizendo que era óbvio que veriam um genital debaixo de seu biquíni ("Esperavam ver um papagaio azul?", como sugeriu Sayonara Nogueira) mas as agressões verbais, críticas e xingamentos - inclusive de pessoas que diziam apoiá-la - foram fortes demais para Patrícia. Houve quem disse que ela fez de propósito para ter mídia e aparecer. Mas todo aquele bafafá e exposição fez Patrícia chorar, querer se recolher e tentar uma vida reclusa.
Vida Pacata e Depressão
Querendo se apoiar no anonimato, Patrícia chegou a ficar um tempo loira, viajou novamente para a Europa e até tentou abrir um salão de beleza no Rio de Janeiro. Em 2016, ela topou falar com o site NLUCON:
"Estou vivendo a vida, cuidando de mim, preferindo ficar mais anônima. Depois de toda a exposição que tive, precisava dar uma sumida, me recolher e pensar em tudo. Tinha muita gente falsa se aproximando, muita energia negativa. E eu sou da paz, do amor e gosto de energias positivas!"
(Patrícia Araújo)
Ao ser questionada se teria desistido da carreira artística, ela declarou:
"Boas oportunidades para travestis aparecem uma a cada década. Então não dá para contar apenas com esse trabalho e nem dá para pensar só nessa carreira. Não é como as atrizes que emendam novelas inteiras e já estão escaladas para as próximas. Para as atrizes travestis e transexuais falta oportunidade de trabalho, da gente mostrar de fato o nosso talento!"
(Patrícia Araújo)
Em 2017, Patrícia Araújo começou a sentir forte depressão, tentou suicídio e conseguiu ser salva a tempo. Ela relatou que uma briga familiar a teria deixado ainda pior, pois nada seria pior que ver balançado este laço.
Morte
Patrícia Araújo faleceu na quinta-feira, 04/07/2019, aos 37 anos, após ter ficado 10 dias internada com problemas de saúde decorrentes de um quadro de depressão no Hospital Municipal Doutor Arthur Ribeiro de Saboya, em São Paulo, SP.
O corpo de Patrícia foi levado para o Rio de Janeiro no sábado, 06/07/2019, e sepultado no domingo, 07/07/2019, na Ilha do Governador, onde nasceu.
Patrícia Araújo tinha apenas 37 anos quando faleceu, fazendo parte da baixíssima expectativa de vida de uma pessoa transexual no Brasil, que é de 35 anos. A morte precoce também alerta para a depressão e a falta de acolhimento às quais pessoas LGBT estão submetidas.
Carreira
Televisão
- 2007 - Luz do Sol
- 2009 - A Lei e o Crime
- 2012 - Salve Jorge
- 2013 - Amor à Vida
Cinema
- 2015 - O Vendedor de Passados
Filme Adulto
- 1999 - Rogue Adventures 5
- 2002 - Hidden Secrets
- 2002 - Shemale Yum Takes On Brazilian Transsexuals 3
- 2003 - Gia Darling's Shemale Slumber Party
- 2003 - Big-Ass She-Male All-Stars
- 2003 - She-Male Slumber Party
- 2003 - Trans X 2
- 2010 - 33 She Male 3-Ways
- 2010 - Shemales From Hell
- 2012 - Monsters Of She Male Cock 27
- 2013 - Transsexual Teens 10
- 2016 - Don't Tell My Parents I'm A Tranny 13
Fonte: Wikipédia e NLUCON
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