Lima Barreto

AFONSO HENRIQUES LIMA BARRETO
(41 anos)
Escritor e Jornalista

* Rio de Janeiro, RJ (13/05/1881)
+ Rio de Janeiro, RJ (01/11/1922)

Afonso Henriques de Lima Barreto, mais conhecido como Lima Barreto, foi um jornalista e um dos mais importantes escritores libertários brasileiros.

Era filho de João Henriques de Lima Barreto, negro nascido escravo, e de Amália Augusta, filha de escrava agregada da família Pereira Carvalho. O seu pai foi tipógrafo. Aprendeu a profissão no Imperial Instituto Artístico, que imprimia o periódico "A Semana Ilustrada". A sua mãe foi educada com esmero, sendo professora da 1ª à 4ª séries. Ela faleceu quando ele tinha apenas 6 anos e João Henriques trabalhou muito para sustentar os quatro filhos do casal.

João Henriques era monarquista, ligado ao Visconde de Ouro Preto, padrinho do futuro escritor Lima Barreto. Talvez as lembranças saudosistas do fim do período imperial no Brasil, bem como as remotas lembranças da abolição da escravatura na infância tenham vindo a exercer influência sobre a visão crítica de Lima Barreto sobre o regime republicano.

Lima Barreto, mulato num Brasil que mal acabara de abolir oficialmente a escravatura, teve oportunidade de boa instrução escolar. Após a morte da mãe, passou a frequentar a escola pública de Dona Teresa Pimentel do Amaral. Em seguida, passou a cursar o Liceu Popular Niteroiense, após o seu padrinho, o Visconde de Ouro Preto, concordar em custear sua educação. Lá ficou até 1894, completando o curso secundário e parte do supletivo.

Em 1895, transferiu-se para a única instituição pública de ensino secundário da época, o conceituado Colégio Pedro II, cujos estudantes eram oriundos basicamente da elite econômica. No ano de 1895 foi admitido no curso da Escola Politécnica, no Rio de Janeiro. Porém, foi obrigado a abandoná-lo em 1904 para assumir o sustento dos irmãos, devido à loucura que afligiu o seu pai.

Tendo sido repetidamente reprovado por não se interessar muito pelas matérias - passava as tardes na Biblioteca Nacional -, deixou de graduar-se em Mecânica. Data dessa época a sua entrada no Ministério da Guerra como amanuense, por concurso. O cargo, somado às muitas colaborações em diversos órgãos da imprensa escrita, garantia-lhe algum sustento financeiro. Não obstante, o escritor, que só veio a ser reconhecido fundamental para a literatura brasileira após seu precoce falecimento, cada vez mais deixava-se consumir pelo alcoolismo e por estados emocionais caracterizados por crises de profunda depressão e morbidez.

Lima Barreto começou a sua colaboração na imprensa desde estudante, em 1902, no A Quinzena Alegre, depois no Tagarela, O Diabo, e na Revista da Época. Em jornais de maior circulação, começou em 1905, escrevendo no Correio da Manhã uma série de reportagens sobre a demolição do Morro do Castelo. Daí em diante, colaborou em vários jornais e revistas, Fon-Fon, Floreal, Gazeta da Tarde, Jornal do Commercio, Correio da Noite, A Noite (onde publicou, em folhetim, "Numa e a Ninfa"), Careta, ABC, um novo A Lanterna (vespertino), Brás Cubas (semanário), Hoje, Revista Souza Cruz e O Mundo Literário.

Em 1911 editou com amigos a revista Floreal, que conseguiu sobreviver apenas até à segunda edição, mas despertou a atenção de alguns poucos críticos. 1909 foi o ano de sua estreia como escritor de ficção, publicando, em Portugal, o romance "Recordações do Escrivão Isaías Caminha". A narrativa de Lima Barreto nesse primeiro livro, pincelada com indisfarçáveis traços autobiográficos, mostra uma contundente crítica à sociedade brasileira, por ele considerada preconceituosa e profundamente hipócrita, até mesmo os bastidores da imprensa opinativa são alvo de sua narrativa mordaz, inspirados na redação do "Cartas da Tarde".

Em 1911 começou a publicação, em formato de folhetins no Jornal do Commercio do Rio de Janeiro, de sua mais importante obra, "Triste Fim de Policarpo Quaresma", que anos mais tarde, em 1915, foi editado em brochura e considerado pela crítica especializada como basilar no período do Pré-Modernismo.

Ficha de Lima Barreto tirada em agosto de 1914, quando ele se encontrava internado no antigo Hospital Nacional de Alienados, RJ.
Diagnóstico: Alcoolismo
Entre os leitores, as duas obras anteriormente citadas alcançaram algum êxito, o que não impediu que o autor sofresse severas críticas de outros escritores da época. Baseavam-se elas no fato de Lima Barreto fugir, conscientemente, do padrão empolado de escrever que à época vigorava. Chamavam-no "relaxado" por não usar o português castiço e utilizar uma linguagem mais coloquial, muito própria de quem militava na imprensa. Incomodava também o fato de seus personagens não seguirem o "molde" vigente, que impunha limites à criação e exaltava determinadas características psicológicas. Não à toa viu frustradas suas tentativas de ingressar na Academia Brasileira de Letras.

A respeito de seus impiedosos críticos e inimigos, Lima Barreto acusava-os de fazerem da literatura não uma arte e sim algo mecânico, uma espécie de "continuação do exame de português jurídico".

Simpático ao anarquismo, passou a militar na imprensa socialista.

Sua vida foi atribulada pelo alcoolismo e por internações psiquiátricas, ocorridas durante suas crises severas de depressão - à época era um dos sintomas pertencentes ao diagnóstico de "neurastenia", constante de sua ficha médica - vindo a falecer aos 41 anos de idade.

Em 1993, retomando as pesquisas realizadas por Francisco de Assis Barbosa, biógrafo do autor e principal gestor da publicação póstuma de sua obra, Bernardo de Mendonça reuniu no livro "Um Longo Sonho do Futuro" os seus principais textos confessionais, o "Diário Íntimo" e o "Diário do Hospício", a artigos de jornal e a correspondência ativa, para compor um grande painel autobiográfico deste escritor que, na interpretação de muitos de seus leitores, encarna um dos maiores e inquietantes exemplos, não só do desencontro entre arte e mercado, mas das iniquidades sociais na história brasileira.


Crítica de Daniela Birman e Beatriz Resend publicada na coluna Prosa & Verso do jornal O Globo (25/09/2010)

Características

Lima Barreto foi o crítico mais agudo da época da República Velha no Brasil, rompendo com o nacionalismo ufanista e pondo a nu a roupagem da República, que manteve os privilégios de famílias aristocráticas e dos militares.

Em sua obra, de temática social, privilegiou os pobres, os boêmios e os arruinados. Foi severamente criticado pelos seus contemporâneos parnasianos por seu estilo despojado, fluente e coloquial, que acabou influenciando os escritores modernistas. É um escritor de transição: fiel ao modelo do romance realista e naturalista do final do século XIX, procurou entretanto desenvolvê-lo, resgatando as tradições cômicas, carnavalescas e picarescas da cultura popular, ao mesmo tempo em que manteve "uma visão neo-romântica e elegíaca da natureza, da cidade e do ser humano".

Também queria que a sua literatura fosse militante. Escrever tinha finalidade de criticar o mundo circundante para despertar alternativas renovadoras dos costumes e de práticas que, na sociedade, privilegiavam pessoas e grupos. Para ele, o escritor tinha uma função social.


Homenagens

O escritor foi homenageado, no Carnaval carioca de 1982, pela Escola de Samba GRES Unidos da Tijuca, com o samba-enredo "Lima Barreto, Mulato Pobre Mas Livre".

Obras

  • 1905 - O Subterrâneo do Morro do Castelo
  • 1909 - Recordações do Escrivão Isaías Caminha
  • 1911 - O Homem Que Sabia Javanês
  • 1912 - As Aventuras do Doutor Bogóloff
  • 1915 - Triste Fim de Policarpo Quaresma
  • 1915 - Numa e a Ninfa
  • 1919 - Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá
  • 1920 - Histórias e Sonhos
  • 1922 - Os Bruzundangas
  • 1923 - Bagatelas
  • 1948 - Clara dos Anjos (Póstumo)
  • 1953 - Diário Íntimo
  • 1953 - Feiras e Mafuás
  • 1953 - Marginália
  • 1956 - Cemitério dos Vivos (Póstumo e Inacabado)
  • 1956 - Coisas do Reino de Jambom
  • 1956 - Impressões de Leitura
  • 1956 - Vida Urbana
  • 1956 - Correspondência, Ativa e Passiva 2 Tomos

Fonte: Wikipédia

Bispo do Rosário

ARTHUR BISPO DO ROSÁRIO
(80 anos)
Artista Plástico

* Japaratuba, SE (14/05/1909)
+ Rio de Janeiro, RJ (05/07/1989)

Arthur Bispo do Rosário foi um artista plástico brasileiro que viveu por meio século recluso em um hospital psiquiátrico. Transitando entre a realidade e o delírio, acreditava estar encarregado de uma missão divina e utilizava materiais dispensados no hospital para produzir peças que mapeavam sua realidade. Valendo-se da palavra como elemento pulsante, manipulou signos e brincou com a construção e desconstrução de discursos para criar bordados, assemblages, estandartes e objetos que seriam, posteriormente, consagrados como obras referenciais da arte contemporânea brasileira.

Pouco se conhece de sua infância e adolescência. O que se sabe é que nasceu na cidade de Jarapatuba, em Sergipe. Uns dizem que em julho de 1909. Outros, em março de 1911. A data mais aceita é 14 de maio de 1909. Aos 16 anos, foi inscrito pelo pai na Escola de Aprendizes de Marinheiros de Sergipe e embarcou num navio como ajudante-geral. Ficou na instituição até 1933, viajando pelo País e colecionando advertências por comportamentos inadequados. Mas também se tornou um bom boxeador. Foi campeão sul-americano na categoria peso-leve.

Quando foi afastado da instituição, estava no litoral do Rio de Janeiro. Sua rotina era perambular pela cidade, fazendo pequenos bicos. Até ser aceito como lavador de bondes da Light. Um dia sofreu um acidente de trabalho e ao levar o caso à Justiça, conheceu o advogado  Humberto Magalhães Leoni, que, sensibilizado, convidou Bispo do Rosário para morar num quartinho em sua casa. O sergipano tornou-se ajudante geral da família. Tudo ia bem até que vozes mudaram seu destino.


Considerado louco por alguns e gênio por outros, a sua figura insere-se no debate sobre o pensamento eugênico, o preconceito e os limites entre a insanidade e a arte, no Brasil. A sua história liga-se também à da Colônia Juliano Moreira, instituição criada no Rio de Janeiro, na primeira metade do século XX, destinada a abrigar aqueles classificados como anormais ou indesejáveis - doentes psiquiátricos, alcoólatras e desviantes das mais diversas espécies.

Na noite 22 de dezembro de 1938, despertou com alucinações que o conduziram ao patrão, o advogado Humberto Magalhães Leoni, a quem disse que iria se apresentar à Igreja da Candelária. Saiu da casa e começou uma peregrinação por igrejas cariocas. Depois de peregrinar pela Rua Primeiro de Março e por várias igrejas do então Distrito Federal, terminou subindo ao Mosteiro de São Bento, onde anunciou a um grupo de monges que era um enviado de Deus, encarregado de julgar os vivos e os mortos. Dois dias depois foi detido e fichado pela polícia como "negro, sem documentos e indigente", e conduzido ao Hospício Pedro II, o hospício da Praia Vermelha, primeira instituição oficial desse tipo no país, inaugurada em 1852, onde anos antes havia sido internado o escritor Lima Barreto.

Um mês após a sua internação, foi transferido para a Colônia Juliano Moreira, localizada no subúrbio de Jacarepaguá, sob o diagnóstico de "esquizofrênico-paranoico". Na Colônia Juliano Moreira recebeu o número de paciente 01662, e permaneceu por mais de 50 anos e, dentro de um quartinho apertado, produziu um dos mais fantásticos conjuntos de obras do País. Tudo alheio ao que acontecia além dos limites do hospício. De forma absolutamente intuitiva, sem frequentar escolas de arte ou ler livros, Arthur Bispo do Rosário deixou acadêmicos abobados com sua expressividade e originalidade.

Na Colônia Juliano Moreira, Bispo do Rosário repetia a história para quem quisesse ouvir: "Vozes dizem para me trancar num quarto e começar a reconstruir o mundo". E assim fez.

Produzia sem parar, mesmo sob forte medicação e choques elétricos. Os companheiros de manicômio o ajudavam na missão, buscando entulhos e papelões que serviriam para seu trabalho. Às vezes ficava meses sem sair do quarto, numa jornada de 16, 18 horas por dia. Sete anos depois, a voz reapareceu: "A obra está concluída".

Em determinado momento, Bispo do Rosário passou a produzir objetos com diversos tipos de materiais oriundos do lixo e da sucata que, após a sua descoberta, seriam classificados como arte vanguardista e comparados à obra de Marcel Duchamp, o francês que criou o conceito de que objetos do cotidiano poderiam ser levados para o campo das artes. Entre os temas, destacam-se navios (tema recorrente devido à sua relação com a Marinha na juventude), estandartes, faixas de misses e objetos domésticos. Tudo com beleza, ineditismo, múltiplos significados. Seguia uma linha convergente ao que se discutia sobre arte contemporânea mundial, mesmo sem ter nenhum contato com influências exteriores.

Os objetos recolhidos dos restos da sociedade de consumo foram reutilizados como forma de registrar o cotidiano dos indivíduos, preparados com preocupações estéticas, onde se percebem características dos conceitos das vanguardas artísticas e das produções elaboradas a partir de 1960.

Utilizava a palavra como elemento pulsante. Ao recorrer a essa linguagem manipula signos e brinca com a construção de discursos, fragmenta a comunicação em códigos privados.

Inserido em um contexto excludente, Bispo do Rosário driblava as instituições todo tempo. A instituição manicomial se recusando a receber tratamentos médicos e dela retirando subsídios para elaborar sua obra, e museus, quando sendo marginalizado e excluído, é consagrado como referência da Arte Contemporânea brasileira.


Cavalheiro e Solitário

A fama de Bispo do Rosário se alastrou pela cidade e, depois, pelo país. Bispo do Rosário recebia visitas de estudiosos, artistas, curiosos. Aos que queriam conhecer seu ateliê improvisado, fazia uma intrigante pergunta: "Qual é a cor do meu semblante?". Se não gostasse da resposta, encerrava a visita.

Para quem o chamava de artista, rebatia: "Não sou artista. Sou orientado pelas vozes para fazer desta maneira".

Tornou-se uma lenda, estudado por várias correntes do conhecimento. "É possível analisá-lo pela Psicanálise, pela Sociologia, pela História da Arte, pela Semiótica e pela Antropologia", avalia Jorge Anthonio e Silva, autor de "Arthur Bispo do Rosário – Arte e loucura" (Quaisquer, 2003).

Manto da Apresentação

Entre as suas obras de maior impacto, está o "Manto da Apresentação", que Bispo do Rosário deveria vestir no dia do Juízo Final. Com eles, Bispo do Rosário pretendia marcar a passagem de Deus na Terra. O "Manto da Apresentação" é uma veste com um emaranhado de pequenos símbolos e figuras, como tabuleiros de xadrez, mesas de pingue-pongue, ringues de boxe, crucifixos. Destaca-se também uma espécie de Arca de Noé, construída com papelão e pano, destinada a salvar o mundo. Além de uma nave que o levaria para o céu. Suas obras foram expostas em galerias de arte da cidade. Mas Bispo do Rosário não era muito favorável a que elas saíssem do ateliê. As tratava como filhas, perguntava até se estavam bem.

Bispo do Rosário era um homem sério, de poucas palavras. Um cavalheiro com as mulheres. Gostava de andar limpo e ficava semanas sem se alimentar. Sentia-se um enviado de Deus, uma espécie de Cristo. Gostava de concurso de misses e quase nunca era violento. Mas sempre solitário.

"Os doentes mentais são como beija-flores: nunca pousam, ficam sempre a dois metros do chão", costumava dizer.

Estátua de Bispo do Rosário em sua cidade natal, Japaratuba, Sergipe
Morte

Em 5 de junho de 1989, se sentiu mal e foi atendido no setor médico. Estava muito magro pelos jejuns. Morreu horas depois, vítima de infarto, aos 80 anos.

"Ele morreu na solidão de sua cela, sem ver seu império classificado como obra de arte, percorrendo o mundo",  disse a escritora Luciana Hidalgo, autora de "Arthur Bispo do Rosário - O Senhor do Labirinto" (Rocco, 1997). "Mas, aos olhos da crítica e do público, já era um artista".

Após várias exposições pelo país, a obra de Bispo do Rosário representou o Brasil na prestigiada Bienal de Veneza, na Itália, em 1995.

Hoje a Colônia Juliano Moreira não funciona mais como manicômio. O espaço abriga o Museu  Bispo do Rosário de Arte Contemporânea.