Aloysio Campos da Paz

ALOYSIO CAMPOS DA PAZ JÚNIOR
(80 anos)
Médico

* Rio de Janeiro, RJ (1934)
+ Brasília, DF (25/01/2015)

Aloysio Campos da Paz Júnior foi um médico brasileiro que idealizou e criou a Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação, hoje referência mundial em traumatologia e ortopedia. A vida e a luta desse homem são por ele mesmo narradas em "Repassando Memórias" (SarahLetras, 2010), leitura para todo estudante de Medicina e para o público em geral, como belo exemplo de idealismo, pertinácia e respeito à profissão.

Carioca de Copacabana, onde nasceu em 1934, herdou a vocação e a consciência social do avô e do tio médicos, presos como comunistas, juntamente com Graciliano Ramos, pela ditadura de Getúlio Vargas.

Aos 16 anos, aprendeu a tocar trompete e formou, com Luizinho Eça, um conjunto que animava festas e bailes no Fluminense. A formação profissional era vista com a franqueza que lhe era própria:

"Tinha entrado para a Faculdade de Medicina pensando no que ouvia nas conversas da mesa de domingo na casa de meu avô: amor, humanismo e dedicação ao próximo. Encontrei em aulas áridas professores na maioria indiferentes, quando não sádicos, que jogavam ossos do punho em cima da mesa de exame e rosnavam: 'Identifique-os!'"

Graduou-se em Medicina pela Universidade Federal do Rio de Janeiro em 1960. Recebeu o diploma e trocou o Rio de Janeiro pela recém inaugurada Brasília, pois em terras cariocas não aprenderia muito: nas arguições, os professores elogiavam os veteranos colegas, faziam uma pergunta besta e se davam por satisfeitos: "Vá embora, menino, 10! Você já aprendeu Medicina em casa..."

Chegada em Brasília

Em 1960, chegou à nova capital da República sem proteção política, sem experiência e sem saber que naquele fim de mundo sequer havia táxi. Num dia da primeira quinzena de maio de 1960, um ortopedista recém-formado saiu de casa, na 106 Sul, para se apresentar no primeiro emprego. Estava vestido de branco até os pés - "roupa que os médicos, os babalorixás e os atendentes de farmácia usavam na época". Afundando em poeira, caminhou até uma estrada por onde transitavam caminhões cheios de operários. Sem demora, um deles parou e perguntou aonde o candango vestido de branco avermelhado pretendia ir. "Vou ao Hospital Distrital de Brasília". Começou então uma discussão entre os peões de obra até que se chegou a um consenso. O caroneiro queria ir para a obra da Pederneiras. Naquele tempo, os endereços eram identificados pelo nome da construtora do prédio.

Em 1961, assumiu a Direção do então Centro de Reabilitação Sarah Kubitschek. Realizou Pós-Graduação em Ortopedia e Reabilitação na Oxford University, Inglaterra, em 1963/1964 e Doutorado em Ortopedia e Traumatologia na Universidade Federal de Minas Gerais em 1966.

O primeiro ortopedista da nova capital que havia se preparado para atuar em ortopedia infantil tinha caído no que parecia ser um hospital de campanha de um campo de batalha. "Foi uma loucura. Os caminhões chegavam e literalmente despejavam no pátio do barracão os candangos feridos em acidente de trabalho". O que salvou o recém-formado foi um livro, "Fraturas y Luxacones", que até os dias atuais ficava guardado na estante de sua sala no Sarah Kubitschek da 301 Sul.

"É todo cheio de diagramas, para tal coisa, faça tal coisa, e eu andava com aquele negócio debaixo do braço!"

O Motivo da Mudança Para Brasília

O que trouxe o casal para Brasília foi o desejo de fundar o próprio futuro.

"Eu era a quinta geração de médicos, praticamente todos eles professores de medicina. Minha mulher e eu vimos em Brasília a oportunidade de a gente se realizar não pelo nome. No Rio, meu nome era nome de praça, de rua. Na Faculdade de Medicina, eu ia fazer prova e o sujeito, em vez de me perguntar sobre a matéria em questão, começava a perguntar como vai o fulano, o beltrano e me mandava embora. Se eu ficasse lá, ia ser mais um por causa do nome, não por causa de uma realização pessoal!"

E foi pensando em Brasília que Campos da Paz percorreu 16 cidades da Grã-Bretanha em busca do conhecimento.

"Meu chefe sabia que eu ia voltar, tanto que ele investiu muito em mim pra que eu pudesse construir a base. O volume de informações que recebi, seja sob o ponto de vista técnico, seja de gestão, seja sob o ponto de vista filosófico, foi enorme para um garoto de 26 anos!"
E sem que soubesse, plantava naquele chão vermelho a semente do "Sarinha", o Centro de Reabilitação Sarah Kubitschek, hoje uma rede com unidades em Macapá, Belém, São Luís, Fortaleza, Salvador, Brasília, Belo Horizonte e Rio de Janeiro.

Para viabilizar-lhe a existência, protagonizou uma façanha que bem poderia entrar para a história não da Medicina, mas da Igreja, como o "Milagre de Campos da Paz": uma lei do Congresso Nacional que criou a primeira (e até agora única) instituição pública não estatal do Brasil, a salvo da burocracia, da incompetência e do corporativismo funcional que tornam péssimos os serviços a que tem direito o cidadão.

Em "Um Homem Diferente", escreveu o filósofo Leandro Konder, apresentador do livro:

"Com a criação da Rede Sarah, Aloysio desencadeou uma autêntica guinada histórica: a retomada de valores humanos que não se deixam liquidar pelo exclusivismo dos critérios comprometidos exclusivamente com o lucro ou o prejuízo."

Essa, a trajetória do médico que, cheio de clientes no consultório particular, resolveu fechá-lo quando enxergou em uma radiografia de joelho não a escolha do tratamento indicado, mas a intervenção cirúrgica com que pagaria uma promissória a vencer.

As Amizades

Da solidão do Planalto Central, Campos da Paz cultivou ao longo de meio século interlocutores de primeira grandeza. Cita alguns: Leandro Konder, Florestan Fernandes, Darcy Ribeiro e Lúcio Costa.

"Tive oportunidade de conhecer e conviver com figuras notáveis. Meu horizonte era o Oceano Atlântico, eu vivia de costas para o país. Passei a conhecer o Brasil. O significado de Brasília foi esse: o Brasil dava as costas para o Brasil. A relação era com o oceano e com o que estava do outro lado do oceano. Não era com o país. Brasília obrigou o Brasil a se interiorizar, foi esse o grande significado dela, a conquista do país."

Em 1975, criou o "Plano Para Desenvolvimento de um Programa Regional de Ortopedia e Reabilitação" que originou o Instituto Nacional de Medicina do Aparelho Locomotor - Sarah. Coordenou também o Comitê de Saúde da Assembléia pré-Contituinte Comissão Affonso Arinos.

Em 1982, iniciou a expansão do Centro de Reabilitação Sarah Kubitschek com a fundação de uma nova unidade hospitalar em Brasília. Participou também dos projetos de implantação das unidades Sarah em São Luís, Salvador, Belo Horizonte, Fortaleza, Macapá, Belém e Rio de Janeiro.

Morte

A diretoria da Rede Sarah informou que o médico Aloysio Campos da Paz Júnior, fundador da instituição, morreu em Brasília na tarde de domingo, 25/01/2015. Aloysio Campos tinha 80 anos e estava na direção do hospital desde 1960.

Segundo a diretoria, ele morreu às 14:30 hs, no Sarah Centro, vítima de insuficiência respiratória. Ele se sentiu mal e estava internado.

Aloysio Campos da Paz será sepultado na segunda-feira, 26/01/2015, em Brasília.

Ele era casado com a bibliotecária Elsita Campos, com quem tinha três filhos. Deixou também quatro netos. A atual presidente da Rede Sarah é a doutora Lúcia Willadino Braga.

A presidente Dilma Roussef divulgou nota de pesar após a divulgação da morte de da Aloysio Campos da Paz. Ela afirmou que a filosofia do médico era trabalhar para que cada paciente fosse tratado com base no seu potencial e não nas suas dificuldades.

"Foi com esta fé na potencialidade de cada paciente que ele e sua equipe ajudaram a melhorar a qualidade de vida de milhares de brasileiros. O Brasil e a medicina são devedores da sua dedicação e determinação. Nesta hora de dor, meus sentimentos aos familiares, amigos, colegas de trabalho e pacientes."

Indicação: Fadinha Veras e Miguel Sampaio