Getúlio Vargas

GETÚLIO DORNELLES VARGAS
(72 anos)
Advogado, Político e Presidente do Brasil

* São Borja, RS (19/04/1882)
+ Rio de Janeiro, RJ (24/08/1954)

Getúlio Dorneles Vargas foi um advogado e político brasileiro, líder civil da Revolução de 1930, que pôs fim à República Velha, depondo seu 13º e último presidente Washington Luís e impedindo a posse do presidente eleito em 1 de março de 1930, Júlio Prestes.

Getúlio Vargas foi presidente do Brasil em dois períodos. O primeiro de 15 anos ininterruptos, de 1930 a 1945, e dividiu-se em 3 fases:

  • De 1930 a 1934, como chefe do Governo Provisório.
  • De 1934 a 1937, Getúlio governou o país como presidente da república do Governo Constitucional, tendo sido eleito presidente da república pela Assembleia Nacional Constituinte de 1934.
  • De 1937 a 1945, enquanto durou o Estado Novo implantado após um golpe de estado.

No segundo período, em que foi eleito por voto direto, Getúlio Vargas governou o Brasil como presidente da república, por 3 anos e meio: de 31 de janeiro de 1951 até 24 de agosto de 1954, quando se matou.

Getúlio Vargas era chamado pelos seus simpatizantes de "O Pai dos Pobres", frase bíblica (livro de Jó-29:16) e título criado pelo seu Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), enfatizando o fato de Getúlio ter criado muitas das leis sociais e trabalhistas brasileiras. Existiu, na história do Brasil, um outro "Pai dos Pobres", foi o governador da Capitania de Minas Gerais Luís Diogo Lobo da Silva.

A sua doutrina e seu estilo político foram denominados de getulismo ou varguismo. Os seus seguidores, até hoje existentes, são denominados getulistas.

As pessoas próximas o tratavam por Doutor Getúlio, e as pessoas do povo o chamavam de O Getúlio, e não de Vargas.

Suicidou-se em 1954 com um tiro no coração, em seu quarto, no Palácio do Catete, na cidade do Rio de Janeiro, então capital federal. Getúlio Vargas foi um dos mais controvertidos políticos brasileiros do século XX. Sua influência se estende até hoje. A sua herança política é invocada por pelo menos dois partidos políticos atuais: o Partido Democrático Trabalhista (PDT) e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB).

Getúlio Vargas foi inscrito no Livro dos Heróis da Pátria, em 15 de setembro de 2010, pela lei nº 12.326.

Getúlio Vargas e seu pai
Vida Antes da Presidência

Origem

Getúlio Vargas nasceu em 19 de abril de 1882, no interior do Rio Grande do Sul, no município de São Borja, fronteira com a Argentina, filho de Manuel do Nascimento Vargas e de Cândida Francisca Dorneles Vargas. Na juventude, alterou alguns documentos, para fazer constar o ano de nascimento como 1883. Este fato somente foi descoberto nas comemorações do centenário de nascimento, quando, verificando-se os livros de registros de batismos da Paróquia de São Francisco de Borja, descobriu-se que Getúlio Vargas nasceu em 1882, constando, no seu assento de batismo.

A Revista do Globo que fez uma série de entrevistas com Getúlio Vargas, em 1950, antes da campanha eleitoral, contou que Getúlio corrigiu os repórteres dizendo que nasceu em 1883.

Getúlio Vargas provém de uma tradicional família da zona rural da fronteira com a Argentina. Os Vargas são originários do Arquipélago dos Açores, como a maioria das famílias povoadoras do Rio Grande do Sul que emigraram para o Brasil em busca de melhores condições de vida. Uma genealogia detalhada de Getúlio Vargas foi escrita pelo genealogista Aurélio Porto. "Getúlio Vargas À luz Da Genealogia" foi publicada pelo Instituto Genealógico Brasileiro, em 1943.

Pelo lado paterno, seu pai é também descendente de famílias paulistas tradicionais: era descendente, por exemplo, de Amador Bueno, personagem de destaque na história de São Paulo e patriarca de muitas famílias não apenas de São Paulo, mas também Minas Gerais, Goiás e Sul do Brasil.

Getúlio Vargas manteve-se sempre ligado à principal atividade econômica dos pampas, a pecuária, e assim iniciou o seu discurso, em Uberaba, durante a campanha presidencial de 1950:

"Quero que saibam que lhes vou dizer as coisas na linguagem simples de companheiro! Nossa conversa será no jeito e estilo daqueles que os fazendeiros costumam fazer de pé, junto á porteira do curral."
(Getúlio Vargas)

Getúlio Vargas possuía, em 1950, três estâncias: Itu e Espinalho, em Itaqui, e a estância Santos Reis, em São Borja.

O líder político gaúcho Pinheiro Machado foi um dos primeiros a perceber que Getúlio Vargas tinha aptidão para a política.

Estudou em sua terra natal, depois em Ouro Preto, em Minas Gerais. Quando Getúlio Vargas estudou em Ouro Preto, seus irmãos se envolveram numa briga que terminou com a morte do estudante paulistano Carlos de Almeida Prado Júnior em 7 de junho de 1897. O acontecimento precipitou a volta de Getúlio Vargas e de seus irmãos para o Rio Grande do Sul. Voltando ao Rio Grande do Sul, inicialmente tentou a carreira militar, tornando-se, em 1898, soldado na guarnição de seu município natal. Soldado, com apenas 16 anos, já que nascera em 1882, constatou a citada Revista do Globo, em 1950.

Em 1900, matriculou-se na Escola Preparatória e de Tática de Rio Pardo, onde não permaneceu por muito tempo, sendo transferido para Porto Alegre, a fim de terminar o serviço militar, onde conheceu os cadetes da Escola Militar Eurico Gaspar Dutra e Pedro Aurélio de Góis Monteiro. Com a patente de sargento, Getúlio Vargas participou da Coluna Expedicionária do Sul, que se deslocou para Corumbá, em 1902, durante a disputa entre a Bolívia e o Brasil pela posse do Acre.

Sua passagem pelo exército e a origem militar, o seu pai lutou na Guerra do Paraguai, seriam decisivos na formação de sua compreensão dos problemas das forças armadas, e no seu empenho em modernizá-las, reequipá-las, mantê-las disciplinadas e afastá-las da política, quando chegou à presidência da república.

Matriculou-se, em 1904, na Faculdade Livre de Direito de Porto Alegre, atual da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Bacharelou-se em direito em 1907. Trabalhou inicialmente como promotor público junto ao fórum de Porto Alegre, mas decidiu retornar à sua cidade natal para exercer a advocacia. A orientação filosófica, como muitos de seu estado e de sua época, era o positivismo e o castilhismo, a doutrina e o estilo político de Júlio Prates de Castilhos.

Coube a Getúlio Vargas, que se destacara como orador, fazer o discurso, em 1903, nos funerais de Júlio Prates de Castilhos. Na Juventude Castilhista, fez amizade com vários jovens da elite do estado, que se destacariam na Revolução de 1930, entre eles João Neves da Fontoura e Joaquim Maurício Cardoso.

Como castilhista, Getúlio Vargas vê a vida pública como missão, e assim sintetizou o seu governo em 1950:

"A missão social e política de meu governo não foi ideada pelo arbítrio de um homem, nem por interesses de um grupo; foi-me imposta, a mim e aos que comigo colaboram, pelos interesses da vida nacional, e pelos próprios anseios da consciência coletiva!"
(Getúlio Vargas)

Sob a maneira de ver o serviço público, Luís Vergara, secretário particular de Getúlio Vargas de 1928 a 1945, conta, no livro "Eu Fui Secretário de Getúlio", de 1960, reeditado, em 2000, pela AG Editora, sob o título "Getúlio Vargas, Passo a Passo, 1928-1945":

"Em 1951, quando ele voltou ao governo, vi os serviços da Presidência providos por uma legião de funcionários, me disseram atingir a número superior a duzentos. Ora, o Presidente não gostava de ver no Palácio muita gente. Quando se tornava indispensável trazer mais algum (no período de 1930 a 1945), ele objetava:  - Para que mais funcionários, nós já temos tantos!"
(Luís Vergara)

E sobre o dinheiro público, Luís Vergara conta, a respeito de uma pequena sobra de dinheiro, no final de um exercício financeiro, que “nenhuma despesa era feita sem a sua aprovação e autorização”, tendo Getúlio Vargas dito:

"Esse dinheirinho não é meu, nem teu. É do Tesouro, Manda recolher."
(Getúlio Vargas)

Ainda sobre a personalidade de Getúlio Vargas, Luís Vergara, relatou também um depoimento do escritor Menotti Del Picchia:

"O escritor Menotti Del Picchia depois de uma ligeira conversa (com Getúlio) veio dizer-me que a sua impressão pessoal nesse primeiro contato era de quase perplexidade. Não pudera formar um juízo definitivo sobre o homem, mas sentira que (Getúlio) lhe havia 'tirado o retrato': - Senhor Vergara, para conhecer Getúlio, precisarei vê-lo muitas e muitas vezes. O que mais me impressionou foi o seu olhar. Aparentemente abstrato, parecia estar vendo tudo perto e longe. Possuía o olhar periférico da mosca e mais uma supervisão das distâncias."
(Luís Vergara)


Vida Pessoal

Getúlio Vargas teve quatro irmãos: Espártaco, Viriato, Protásio e Benjamim (O Bejo).

Casou-se, em São Borja, em 4 de março de 1910, com Darcy Lima Sarmanho, com quem teve cinco filhos: Lutero Vargas, Getulinho, que morreu cedo, Alzira Vargas, Jandira e Manuel Sarmanho Vargas, (o Maneco) que cometeu suicidio. Este casamento foi um ato de conciliação, pois as famílias dos noivos eram apoiadoras de partidos políticos rivais na Revolução Federalista de 1893. A família de Darcy Sarmanho era maragato (do Partido Federalista do Rio Grande do Sul) e a de Getúlio Vargas ximango (do Partido Republicano Rio-Grandense).

Sobre maragato não se casar com ximango, Glauco Carneiro, em "Lusardo, O Último Caudilho", conta que:

"Thadeo Onar, em entrevista ao autor, explica que a elite política do Rio Grande vem sendo dividida desde os primórdios... da República: "É a tradição política... O pai era libertador, o filho também. As famílias não deixavam casar com quem fosse republicano. Era a tradição, era uma espécie de aristocracia, pois um aristocrata não vai se casar com um plebeu."
(Glauco Carneiro)

Em relação a quem seria a muito comentada amante secreta de Getúlio Vargas na década de 1930, Juracy Magalhães, no livro-entrevista autobiográfico "Juraci, O Último Tenente", da Editora Record, 1996, na página 144, dá indicação segura de se tratar de Aimée Sotto Maior, que depois seria "a senhora De Heeren de fama internacional", dizendo que Simões Lopes lhe dissera que "a bela Aimée fizera boas referências ao meu nome junto ao presidente, mostrando sua gratidão pela maneira que a recebera no Palácio numa hora difícil."


Religião

Getúlio Vargas se declarava agnóstico e fora influenciado em sua formação pelo positivismo, do qual Júlio de Castilho, seu mentor na política gaúcha e seu irmão Protásio Vargas eram adeptos.

A ascensão de Getúlio Vargas à presidência em 1930, representa tanto sua ruptura com as diretrizes positivistas, ideologia que influenciou o Brasil durante a República Velha, quanto a volta da influência do catolicismo no estado laico. Por volta de 1930 o segundo cardeal do Brasil, Sebastião Leme pressionou Getúlio Vargas a reinserir o catolicismo na esfera pública brasileira, como evidencia a carta do cardeal a Getúlio Vargas "ou o Estado [...] reconhece o deus do povo ou o povo não reconhecerá o Estado". Tal atitude levou a Getúlio Vargas decretar a introdução do ensino religioso na educação pública.

Sobre a religiosidade de Getúlio Vargas, o jornal O Globo de 25 de fevereiro de 1996, seção "O País", página 3, na reportagem "Os Segredos de Alzira Vargas" informa:

"Embora se declarasse agnóstico, alguns santinhos que deixou numa carteira gasta de dinheiro, antes de cometer suicídio e que foram recolhidos para o acervo de Alzira revelam que Getúlio tinha fé. Há santinhos de Nossa Senhora e de São Francisco de Assis. Ele guardou com carinho, também, uma cruz de ouro que lhe foi presenteada em seu segundo governo pelo então presidente do Abrigo Cristo Redentor Levy Miranda."


Carreira Política - Primeiros Passos

Em 1909, elegeu-se deputado estadual pelo Partido Republicano Riograndense (PRR), sendo reeleito em 1913. Renunciou ao 2º mandato de deputado estadual, pouco tempo depois de empossado, em protesto às atitudes tomadas pelo então presidente, cargo hoje intitulado governador, do Rio Grande do Sul, Borges de Medeiros, o Velho Borges, nas eleições de Cachoeira do Sul.

Retornou à Assembleia Legislativa estadual, chamada, na época, Assembleia dos Representantes, em 1917, sendo novamente reeleito em 1919 e 1921. Na legislatura de 1922 a 1924, Getúlio Vargas foi líder do PRR na Assembleia dos Representantes, e, segundo o suplemento especial da Revista do Globo de agosto de 1950, na condição de líder da maioria, Getúlio Vargas se mostrou conciliador e dirimiu conflitos do PRR com a minoria do Partido Federalista do Rio Grande do Sul, o qual em 1928, tornou-se o Partido Libertador.

Em 1940, em uma conferência sobre a política externa do Brasil sob o governo de Getúlio Vargas, o ministro José Roberto de Macedo Soares relatou que a atuação de   Getúlio Vargas como deputado estadual foi fundamental para a concretização do Tratado Brasil-Uruguai, definindo as fronteiras entre os dois países. Macedo Soares leu o telegrama de agradecimento do Barão do Rio Branco a Getúlio Vargas e outros deputados gaúchos e diz:

"Certo é que o deputado estadual, sr. Getúlio Vargas, prestou valioso apoio ao Barão do Rio Branco quando pronunciou o discurso de 9 de outubro de 1909 em prol do Tratado Brasil-Uruguai, para modificar suas fronteiras, e do qual resultou a concessão feita, espontaneamente por nosso país, à República Oriental, do condomínio da Lagoa Mirím e do Rio Jaguarão, estabelecendo princípios gerais para o comércio e nagevação nestas paragens!"
(José Roberto de Macedo Soares)

Quando se preparava para combater a favor do governo do estado do Rio Grande do Sul na Revolução de 1923, no interior do estado, foi chamado para concorrer a uma cadeira de deputado federal, pelo Partido Republicano Riograndense (PRR), na vaga aberta pelo falecimento do deputado federal gaúcho Rafael Cabeda. Eleito, tornou-se líder da bancada gaúcha na Câmara dos Deputados, no Rio de Janeiro.

Completou o mandato de Rafael Cabeda em 1923, e foi eleito deputado federal na legislatura de 1924 a 1926, sendo líder da bancada gaúcha na Câmara dos Deputados neste período. Em 1924, apoiou o envio de tropas gaúchas ao estado de São Paulo, em apoio ao governo de Arthur Bernardes contra a Revolta Paulista de 1924 e, em um discurso na Câmara dos Deputados, criticou os revoltosos, alegando que:

"Já passou a época dos motins de quartéis e das empreitadas caudilhescas, venham de onde vierem!"
(Getúlio Vargas)

Porém, coube a Getúlio Vargas, em 1930, conceder anistia a todos os envolvidos em movimentos revolucionários da década de 1920.

Assumiu o ministério da Fazenda em 15 de novembro de 1926, permanecendo ministro da fazenda até 17 de dezembro de 1927, durante o governo de Washington Luís, implantando neste período a reforma monetária e cambial do presidente da república, através do decreto nº 5.108, de 18 de dezembro de 1926. Washington Luís escolhera líderes de bancadas estaduais para serem seus ministros.

Em dezembro de 1926, foi criado o Instituto de Previdência dos Funcionários Públicos da União. Deixou o cargo de ministro da fazenda, em 17 de dezembro de 1927, para candidatar-se às eleições para presidente do Rio Grande do Sul, sendo eleito, em dezembro de 1927, para o mandato de 25 de janeiro de 1928 a 25 de janeiro de 1933, tendo como seu vice-presidente João Neves da Fontoura.

Quando Getúlio Vargas deixou o ministério, o presidente Washington Luís proferiu um longo discurso, elogiando a competência e dedicação ao trabalho de Getúlio Vargas, no qual dizia:

"A honestidade de vossos propósitos, a probidade de vossa conduta, a retidão de vossos desígnios, fazem esperar que, de vossa parte e de vosso governo, o Rio Grande do Sul continuará a prosperar, moral, intelectual e materialmente!"
(Washington Luís)

Sua eleição para presidente do Rio Grande do Sul encerrou os longos trinta anos de governo de Borges de Medeiros no Rio Grande do Sul. Tendo assumido o governo gaúcho em 25 de janeiro de 1928, exercendo, porém, o mandato somente até 9 de outubro de 1930.

Glauco Carneiro, no livro "Lusardo, o Último Caudilho", avalia assim o fim da Era Borges de Medeiros e a vitória de Getúlio Vargas, como candidato da conciliação entre Partido Republicano Riograndense e Partido Libertador:

"Elegia-se, Getúlio Vargas, como candidato da conciliação, presidente do Rio Grande do Sul. Em 25 de janeiro de 1928, ao completar trinta anos de domínio do sistema governamental gaúcho, Borges de Medeiros passava o cargo e encerrava sua carreira de ditador da política republicana!"
(Glauco Carneiro)

E neste livro "Lusardo, o Último Caudilho", volume I, João Batista Luzardo assim descreve o governo de Getúlio Vargas no Rio Grande do Sul:

"Quando assumiu a presidência do Estado (Getúlio) botou todo o pessoal da administração, da polícia, tudo para fora, porque – só para dar um exemplo – polícia aqui só dava bandido. Os capangas do Flores (da Cunha), os mais inocentes, tinham duas mortes nas costas. ... Bem, o finado Getúlio botou todos para fora, e empregou gente, sem se importar se era blanco ou colorado, desde que fosse competente. Foi aí que o povo obteve mais liberdade sem distinção de partido. Aí os coronéis blancos desapareceram quem não foi preso morreu de desgosto, e o banditismo que reinava foi desaparecendo, mas a situação foi se apaziguar mesmo em 1930, quando os dois partidos de juntaram para marchar contra o governo federal."
(Batista Luzardo)

Durante este mandato, quando se candidatou à presidência da República, Getúlio Vargas iniciou um forte movimento de oposição ao governo federal, exigindo o fim da corrupção eleitoral, a adoção do voto secreto e do voto feminino. Getúlio Vargas, porém, manteve bom relacionamento com o presidente Washington Luís, obtendo verbas federais para o Rio Grande do Sul e a autorização para melhoramentos no porto de Pelotas. Criou o Banco do Estado do Rio Grande do Sul e apoiou a criação da  Viação Aérea Riograndense (VARIG). Respeitou também a vitória da oposição gaúcha, o Partido Libertador, em vários municípios do estado.

O seu governo no Rio Grande do Sul foi elogiado por Assis Chateaubriand, o principal jornalista da época, da revista O Cruzeiro, que afirmou que seu governo era um governo de estadista, despertando a atenção do país. Quando presidente do estado, continuou a se destacar como conciliador, conseguindo unir os partidos políticos do Rio Grande do Sul, o Partido Republicano Riograndense e o Partido Libertador, antes fortemente divididos. Getúlio Vargas foi candidato único a presidente do Rio Grande do Sul, tendo sido apoiado pelo Partido Republicano Riograndense e pelo Partido Libertador.


A Revolução de 1930

A Sucessão do Presidente Washington Luís

Na República Velha (1889-1930), as eleições para presidente da república ocorriam em 1 de março e a posse do presidente eleito ocorria em 15 de novembro, de quatro em quatro anos. Como não existiam partidos políticos organizados a nível nacional na República Velha, cabia ao presidente da república a condução de sua sucessão, conciliando os interesses dos partidos políticos de cada estado.

A eleição para escolha do sucessor do presidente Washington Luís, que governava desde 1926, estava marcada para 1 de março de 1930. A posse do seu sucessor deveria ocorrer em 15 de novembro de 1930.

Na República Velha vigorava a chamada "política do café-com-leite", em que os presidentes dos estados, nome que recebiam, à época, os governadores de estado, de São Paulo e de Minas Gerais alternavam-se na presidência da república.

Assim, de acordo com esta "política do café-com-leite", Washington Luís deveria indicar, para ser seu sucessor, o presidente de Minas Gerais Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, ou o vice-presidente da República, que era o mineiro Fernando de Melo Viana, que já fora presidente de Minas Gerais, ou outro líder político mineiro. O nome do ex-presidente Arthur Bernardes foi lembrado, mas não era aceito por muitos, especialmente por Antônio Carlos. O nome de   Fernando de Melo Viana foi vetado por Arthur Bernardes e por Antônio Carlos.

Porém, no início de 1929, o presidente da República, Washington Luís, fluminense, da cidade de Macaé, radicado em São Paulo desde sua juventude, tendia a apoiar o presidente de São Paulo, Júlio Prestes, que pertencia ao Partido Republicano Paulista, ao qual também pertencia Washington Luís.

Em 29 de março de 1929, o jornal norte-americano The New York Times informa que os cafeicultores de São Paulo darão um banquete a Júlio Prestes em Ribeirão Preto e o apoiarão para a presidência, e esperavam o apoio dos demais estados produtores de café. O jornal informava ainda que Minas Gerais estava politicamente dividida.

O presidente de Minas Gerais, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, quebrando o compromisso assumido com Washington Luís de só tratar da questão sucessória a partir de setembro de 1929, enviou uma carta, datada de 20 de julho de 1929, a Washington Luís, na qual indica Getúlio Vargas como o preferido para candidato à presidência da república para o mandato de 1930 a 1934. Dizia Antônio Carlos na carta:

"Com o objetivo sincero de colaborar para uma solução conciliatória e de justiça, julguei acertado orientar-me na direção do nome do doutor Getúlio Vargas, por ser o de um político que se tem destacado no apoio firme e na completa solidariedade à política e à administração de V. Ex.!"
(Antônio Carlos)

O termo "solução conciliatória" significa um candidato não paulista e não mineiro, como havia ocorrido em 1918, com a escolha do paraibano Epitácio Pessoa como candidato à presidência da República. Washington Luís, então, devido ao lançamento da candidatura Getúlio Vargas feita por Antônio Carlos, iniciou o processo sucessório consultando os presidentes dos estados (naquela época havia 20 estados no Brasil), e indicou o nome do presidente do estado de São Paulo, Júlio Prestes de Albuquerque, paulista, como o seu sucessor, no que foi apoiado pelos presidentes de dezessete estados. Os três estados que negaram apoio a Júlio Prestes foram: Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba.

Até hoje, lê-se na bandeira da Paraíba a palavra NÉGO (do verbo "negar"). O telegrama do presidente da Paraíba, João Pessoa, conhecido como o "Telegrama do Négo" (antigamente era grafado Nego), é datado de 29 de julho de 1929, nove dias após Antônio Carlos lançar Getúlio Vargas candidato à presidência da república. No telegrama, João Pessoa, relatando a decisão tomada pelo Partido Republicano Paraibano, dizia:

"Reunido o diretório do partido, sob minha presidência política, resolveu unanimemente não apoiar a candidatura do eminente dr. Júlio Prestes à sucessão presidencial da República."
(João Pessoa)

Era comum, naquela época, as negociações políticas, chamadas démarches, se fazerem, especialmente, através de longas cartas. Washington Luís divulgou pela imprensa várias cartas que recebeu de Getúlio Vargas e de Antônio Carlos de Andrada para provar que não impusera o nome de Júlio Prestes como candidato à sua sucessão.

Antônio Carlos chegou a ser considerado pré-candidato à presidência da república, como mostra uma marchinha da época, de autoria de Freire Júnior, cantada por Francisco de Morais Alves e que se tornou uma profecia:

"Se o mineiro lá de cima se descuidar,
Seu Julinho vem, vem mas custa,
Muita gente há de chorar!"
(Freire Júnior)

Os políticos de Minas Gerais apoiadores da política carlista ficaram insatisfeitos com a indicação de Júlio Prestes, pois esperavam que Antônio Carlos, presidente do estado, fosse o indicado, por Washington Luís, seguindo a tradição, ou, pelo menos, que o presidente indicasse um terceiro nome, no caso, Getúlio Vargas. Os carlistas lançaram, então, Getúlio Vargas como candidato de oposição à candidatura de Júlio Prestes. Antônio Carlos ficaria conhecido como o "Arquiteto da Revolução de 1930".

Minas Gerais, então, se dividiu: Os políticos ligados ao vice-presidente da república Melo Viana e ao ministro da Justiça Augusto Viana do Castelo, pertencentes à "Concentração Conservadora", mantiveram o apoio a Júlio Prestes e fizeram oposição à política carlista e ao Partido Republicano Mineiro.

Com a indicação de Júlio Prestes como candidato oficial à presidência da república e o consequente apoio do Partido Republicano Mineiro à candidatura de Getúlio Vargas, terminava a "política do café-com-leite", que vigorou na República Velha, quebrando o equilíbrio político nacional criado por Campos Sales na sua chamada Política dos Estados conhecida popularmente como "política dos governadores" e jogando o Brasil numa instabilidade política.

O perigo da instabilidade política já chamava, em 1929, a atenção de Monteiro Lobato, na época representante comercial do Brasil nos Estados Unidos. Em 28 de agosto de 1929, em carta a Júlio Prestes, Monteiro Lobato transmite-lhe votos pela "vitória na campanha em perspectiva", afirmando que:

"Sua política na presidência significará o que de mais precisa o Brasil: continuidade administrativa!"
(Monteiro Lobato)

Os três estados dissidentes, iniciaram a articulação de uma frente ampla de oposição, chamada de Aliança Liberal, que tinha o objetivo de se opor ao intento do presidente da república e dos dezessete estados de eleger Júlio Prestes. Washington Luís era por natureza um conciliador (por exemplo, assim que assumiu a presidência libertou todos os presos políticos, civis e militares), porém, em outubro de 1929, três meses depois da indicação de Júlio Prestes, ocorreu a queda dos preços do café, em decorrência da crise de 1929. Isto fez com que Washington Luís mantivesse a candidatura de um paulista, Júlio Prestes, oficializada em 12 de outubro, como queriam os cafeicultores de São Paulo, apesar das pressões de Minas Gerais, Paraíba e do Rio Grande do Sul. Por seu lado, Antônio Carlos não aceitou retirar a candidatura Getúlio Vargas.

Júlio Prestes se destacara no governo de São Paulo pela defesa do café. Entre outras medidas tomadas reformou o Banespa, para ser um banco de hipotecas dos estoques de café, harmonizando os interesses dos cafeicultores com os dos exportadores de Santos. O café representava 70% das exportações brasileiras. Além disso, havia uma superprodução de café nas fazendas e um grande estoque nas mãos do governo paulista. Pela lógica, Minas Gerais, como segundo maior produtor de café do Brasil, deveria apoiar São Paulo, mas terminou por apoiar o Rio Grande do Sul.


A Aliança Liberal e o Tenentismo

A Aliança Liberal foi criada em agosto de 1929 para fazer oposição à candidatura de Júlio Prestes à presidência da república. Formavam a Aliança Liberal: Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba e partidos políticos de oposição de diversos estados, inclusive do Partido Democrático (1930) de São Paulo.

O Partido Democrático surgiu, em 1926, de uma dissidência do Partido Republicano Paulista (PRP), o partido de Júlio Prestes e Washington Luís. Sendo que um dos líderes do Partido Democrático, Paulo Nogueira Filho, participou do "Congresso Libertador", realizado em Bagé, em 1928. Em contrapartida, em Minas Gerais, a aliança política denominada "Concentração Conservadora" apoiou Júlio Prestes.

No dia 5 de agosto, os líderes das bancadas mineira e gaúcha na Câmara dos Deputados declaram que não faziam mais parte da maioria parlamentar governista.

A formalização da Aliança Liberal foi feita em 20 de setembro de 1929, numa convenção dos estados e partidos oposicionistas, no Rio de Janeiro, presidida por Antônio Carlos de Andrada, lançando os candidatos da Aliança Liberal às eleições presidenciais: Getúlio Dorneles Vargas para presidente da República e João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, presidente da Paraíba, para a vice-presidência da República.

Washington Luís tentou convencer os presidentes gaúcho e mineiro de desistirem dessa iniciativa. Em carta dirigida a Antônio Carlos de Andrada, argumentava que dezessete estados apoiavam a candidatura oficial. Não obteve êxito.

Em 12 de outubro de 1929, realizou-se, no Rio de Janeiro, uma convenção dos 17 estados governistas, que indicou Júlio Prestes de Albuquerque como candidato à presidência da República e o presidente da Bahia, Vital Soares, presidente da Bahia e pertencente ao Partido Republicano Baiano, a vice-presidente.

Getúlio Vargas enviou o senador Firmino Paim Filho para dialogar em seu nome com Washington Luís e Júlio Prestes.

Em dezembro de 1929, formalizou-se um acordo, no qual Getúlio Vargas comprometia-se a aceitar os resultados das eleições e, em caso de derrota da Aliança Liberal, se comprometia a apoiar Júlio Prestes. Em troca, Washington Luís comprometia-se a não ajudar a oposição gaúcha a Getúlio Vargas, a qual praticamente não existia, pois Getúlio unira o Rio Grande do Sul.

No dia 2 de janeiro de 1930, Getúlio Vargas leu, na Esplanada do Castelo, no Rio de Janeiro, a plataforma da Aliança Liberal, tratando dos principais problemas brasileiros, na qual, destaca as questões sociais:

"Não se pode negar a existência da Questão Social no Brasil como um dos problemas que terão de ser encarados com seriedade pelos poderes públicos. O pouco que possuímos em matéria de legislação social não é aplicada ou só o é em parte mínima, esporadicamente, apesar dos compromissos que assumimos a respeito, como signatários do Tratado de Versalhes!"
(Getúlio Vargas)

E criticou a política de valorização do café que vinha sendo feita até então:

"A valorização do café, com se fazia, teve tríplice efeito negativo: diminuiu o consumo, fez surgir sucedâneos e intensificou a concorrência, que, se era precária antes do plano brasileiro, este a converteu em opulenta fonte de ganho. Foram, com efeito, os produtores estrangeiros e não os nossos, paradoxalmente, os beneficiários da valorização que aqui se pôs em prática."
(Getúlio Vargas)

A Aliança Liberal teve o apoio de intelectuais como José Américo de Almeida, João Neves da Fontoura, Lindolfo Collor, Virgílio Alvim de Melo Franco, Afrânio de Melo Franco, Júlio de Mesquita Filho, Plínio Barreto e Pedro Ernesto, de membros das camadas médias urbanas, na época chamadas de Classes Liberais que se opunham às Classes Conservadoras formada pelas associações comerciais e fazendeiros. No Rio Grande do Sul, o grande articulador da Aliança Liberal foi Osvaldo Aranha.

A Aliança Liberal contou com o apoio, também, da corrente político-militar chamada "Tenentismo".

Destacavam-se, entre os tenentes: Cordeiro de Farias, Newton de Andrade Cavalcanti, Eduardo Gomes, Antônio de Siqueira Campos, João Alberto Lins de Barros, Juarez Távora, Luís Carlos Prestes, João Cabanas, Newton Estillac Leal, Filinto Müller e os três tenentes conhecidos como os "Tenentes de Juarez": Juracy Magalhães, Agildo Barata e Jurandir Bizarria Mamede.

E ainda na marinha do Brasil: Ernâni do Amaral Peixoto, Ari Parreiras, Augusto do Amaral Peixoto, Protógenes Pereira Guimarães. E o general reformado Isidoro Dias Lopes, o general honorário do exército brasileiro José Antônio Flores da Cunha e o major da Polícia Militar de São Paulo Miguel Costa.

O tenente Cordeiro de Farias, que chegou a marechal, afirmou, em suas memórias, que os tenentes estavam em minoria no exército brasileiro em 1930, mas que mesmo assim fizeram a revolução de 1930.

Os objetivos e os ideais da Aliança Liberal podem ser sintetizados pela frase do presidente de Minas Gerais, Antônio Carlos de Andrada, que afirmava, ainda em 1929, em um discurso interpretado como um presságio e uma demonstração do instinto de sobrevivência de um político experiente, ao implantar, em Belo Horizonte, pela primeira vez no Brasil, o voto secreto:

"Façamos serenamente a revolução, antes que o povo a faça pela violência!"
(Antônio Carlos de Andrada)


A Eleição de 1 de Março de 1930

A Aliança Liberal entrou na disputa eleitoral sabendo, de antemão, que seria dificílima a vitória, tendo apoio de apenas 3 estados. Uma marchinha da época mostra a certeza da vitória que tinham os apoiadores de Júlio Prestes:

"Paraibano com gaúcho e com mineiro,
Diz o Julinho,
É sopa, é sopa, é sopa!"
(Eduardo Souto)

A campanha eleitoral, no entanto, ocorreu relativamente calma, dentro dos padrões de violência da República Velha.

O episódio mais grave da campanha eleitoral foi o "Atentado de Montes Claros", quando, poucos dias antes da eleição de 1 de março, no dia 6 de fevereiro, uma passeata de adeptos de Júlio Prestes, chamados de prestistas, foi dissolvida a tiros de revólver e de carabina por elementos aliancistas daquela cidade. Os tiros partiram da residência do líder aliancista João Alves, quando a caravana prestista passava em frente à sua residência.

O ministro da Justiça Viana do Castelo reportou 5 mortos e 14 feridos. Alguns dos feridos morreram alguns dias depois. Saiu ferido, entre outros, o vice-presidente da república Fernando de Melo Viana, que levou três tiros no pescoço. Seu secretário particular, Dr. Rafael Fleury da Rocha, que morreu no local.

Porém, o presidente Antônio Carlos, em sua mensagem de governo de 1930 ao Congresso Estadual de Minas Gerais, na qual classificou o "Atentado de Montes Claros" como tendo sido um "morticínio", dá outra versão ao ocorrido, afirmando que prestistas e carlistas se encontraram frente a frente numa rua da cidade de Montes Claros, iniciando-se, então, um tiroteio.

Aconteceram outros dois casos, também graves, de ataques entre aliancistas e partidários de Júlio Prestes:

O primeiro ocorreu em 26 de dezembro de 1929, na Câmara dos Deputados: Depois de um comício nas escadarias do Palácio Tiradentes, o deputado federal prestista Manuel Francisco de Sousa Filho, de Pernambuco, foi assassinado, a tiros de revólver, no interior da Câmara dos Deputados, pelo deputado aliancista Ildefonso Simões Lopes, do Rio Grande do Sul. Na versão dos aliancistas, o deputado Idelfonso Simões Lopes teria agido em legítima defesa.

O segundo, em 20 de fevereiro, em Chapecó, na fronteira entre Santa Catarina e o Rio Grande do Sul, houve troca de tiros entre as polícias dos dois estados. No dia seguinte, casas de prestistas foram atacadas a tiros em Riacho dos Machados.

Em 23 de fevereiro de 1930, em um comício do Partido Democrático, na Vila Guilherme em São Paulo, um delegado de polícia foi morto a tiros de revólver.

A eleição para a presidência da república foi realizada no dia 1 de março de 1930, um sábado de carnaval, e foi vencida por Júlio Prestes, chamado, pela imprensa de "Candidato Nacional", com 1.091.709 votos contra 742.797 dados a Getúlio Vargas, candidato Liberal.

Getúlio Vargas, no entanto, obteve 100% dos votos do Rio Grande do Sul e um total de 610.000 votos nos três estados aliancistas. A votação de Getúlio Vargas nos 17 estados prestistas foi inexpressiva. No antigo Distrito Federal, a cidade do Rio de Janeiro, houve empate. O Rio Grande do Sul acabou sendo o único estado aliancista que chegou unido às eleições de 1 de março. Júlio Prestes  foi eleito para governar de 1930 a 1934. Sua posse na presidência deveria ocorrer no dia 15 de novembro de 1930.

A apuração dos resultados da eleição foi demorada e tensa, se estendendo até maio de 1930:

Em 19 de março é quebrada a unidade da Aliança Liberal, pois, numa surpreendente declaração aos jornais, o líder gaúcho Borges de Medeiros reconheceu a vitória de Júlio Prestes, alegando que fraude houve de ambos os lados:

"Fraude houve de norte a sul, inclusive aqui mesmo!"
(Borges de Medeiros)

O termo "aqui mesmo" se refere ao Rio Grande do Sul. Os líderes liberais se apressaram a desautorizar Borges de Medeiros. Sendo que o caso mais grave, durante a apuração dos votos, ocorreu em Belo Horizonte:

Em 3 de abril, no centro daquela cidade, partidários de Antônio Carlos foram dispersados a tiros por prestistas, havendo vários feridos. O episódio ficou conhecido como o "Atentado da Rua Espírito Santo". Os tiros partiram da residência do líder prestista Manuel Tomás de Carvalho Brito, que fora uma das vítimas do "Atentado de Montes Claros". Porém na sua versão apresentada ao governo federal, Carvalho de Brito garantiu que foi sua casa que foi alvejada por carlistas, no que foi desmentido por Antônio Carlos em sua mensagem de governo de 1930.

Durante semanas, o clima ficou tenso em Belo Horizonte, esperando-se um contra ataque dos carlistas. Tropas federais estacionadas em Ouro Preto seguiram para Belo Horizonte para garantirem a segurança pública.

Em 22 de maio de 1930, o Congresso Nacional proclamou eleitos para a presidência e vice-presidência da república, Júlio Prestes e Vital Soares.

Em seguida à proclamação final dos resultados, o presidente eleito Júlio Prestes viajou para os Estados Unidos, sendo recebido como presidente eleito pelo presidente dos Estados Unidos Herbert Hoover. Em Washington declarou que o Brasil nunca seria uma ditadura e se tornou o primeiro brasileiro a sair na capa da revista Time. Júlio Prestes só retornou à São Paulo em 6 de agosto, sendo recebido por uma multidão de adeptos, na atual Estação da Luz.

Houveram acusações de fraude eleitoral, de ambas as partes, como sempre houve, em todas as eleições brasileiras desde o Império do Brasil. A Aliança Liberal recusou-se a aceitar o resultado das urnas.

A Aliança Liberal denunciou que os deputados e senadores, eleitos em 1 de março de 1930, não obtiveram o reconhecimento dos mandatos na Comissão de Verificação de Poderes do Congresso Nacional do Brasil.

Os partidários de Washington Luís e Júlio Prestes se defendiam, dizendo que houve apenas um caso: a Paraíba, onde houve duplicidade de atas eleitorais, o que sempre ocorrera na República Velha. Em Minas Gerais não houve a diplomação dos eleitos. Os prestistas também desconfiavam do grande número de eleitores alistados no Rio Grande do Sul. Suspeitava-se que cidadãos uruguaios tinham sido alistados para votarem no Estado.


A Paraíba Conflagrada - A República de Princesa

A Aliança Liberal também acusava Washington Luís de estar por trás de uma revolução, liderada por um coronel do sertão, o senhor José Pereira Lima, desafeto de João Pessoa. Revolução esta de caráter estadual, ocorrida na cidade de Princesa Isabel, na Paraíba, iniciada em 15 de março, e que visava derrubar o presidente da Paraíba João Pessoa.

O governo federal recusou-se a decretar a intervenção federal na Paraíba. O episódio ficou conhecido como a "República de Princesa", que só foi dominada pelo governo da Paraíba em agosto de 1930. O combate à "República de Princesa" foi liderado por José Américo de Almeida, e encerrado quando as tropas de José Pereira entregaram suas armas ao Exército Brasileiro em 19 de agosto de 1930. A "República de Princesa" foi a última revolução de âmbito estadual da República Velha.

Getúlio Vargas em seu gabinete no Palácio Piratini (Foto: Sioma Breitman)
A Conspiração

A partir da recusa da maioria dos políticos e tenentes da Aliança Liberal de aceitar o resultado das urnas, iniciou-se uma conspiração, com base no Rio Grande do Sul e em Minas Gerais, com a intenção de não permitir que Júlio Prestes assumisse a presidência, o que deveria ocorrer em 15 de novembro. No nordeste do Brasil, o tenente Juarez Távora, que havia fugido da prisão em janeiro de 1930, organizava, na clandestinidade, a revolução.

Esta conspiração sofreu um revés em 10 de maio, quando morreu, em acidente aéreo, o tenente Antônio Siqueira Campos. Siqueira Campos era um bom articulador político e fazia o contato com militares estacionados em São Paulo. Com sua morte, praticamente acabou o ímpeto revolucionário entre militares estacionados em São Paulo.

Em 29 de maio de 1930, a conspiração sofreu outro revés, com o brado comunista de Luís Carlos Prestes, que deveria ter sido o comandante militar da revolução de 1930, mas desistiu do comando para apoiar o comunismo.

O comandante militar secreto da revolução ficou sendo então o tenente-coronel Pedro Aurélio de Góis Monteiro. Em 1 de junho, Getúlio Vargas lançou um manifesto acusando irregularidades nas eleições de 1 de março, porém não clamou por revolução. Em sua última mensagem anual, como presidente do Rio Grande do Sul, ao poder legislativo gaúcho, Getúlio também não clamou por revolução.

Em 18 de julho, foi destruído, na época se dizia empastelado, o jornal prestista e da Concentração Conservadora, Folha da Noite, em Belo Horizonte, por um grupo de aliancistas que chamavam o presidente de Minas Gerais Antônio Carlos de covarde, e que pediam abertamente a revolução. Começava-se, então, a se concretizar os temores de Antônio Carlos, de que haveria uma revolução violenta que fugiria ao controle dos políticos da Aliança Liberal.


O Assassinato de João Pessoa

No dia 26 de julho de 1930, João Pessoa, então presidente da Paraíba, foi assassinado por João Duarte Dantas, em Recife, por questões de ordem pessoal. João Duarte Dantas, cuja família era inimiga política de João Pessoa, tivera o escritório de advocacia saqueado.

Havia sido arrombado, no escritório de João Duarte Dantas, o cofre onde se encontravam cartas e poemas de amor da escritora Anayde Beiriz, que foram divulgados e considerados escabrosos. Alguns livros de história afirmam que a correspondência foi publicada no jornal oficial do governo estadual, A União. Outros dizem que as cartas apenas circularam de mão em mão. De qualquer forma, tornaram-se públicas. Foi um escândalo.

No dia 26 de julho, quando João Pessoa estava com amigos na Confeitaria Glória, em Recife, João Dantas vingou-se. Acompanhado de um cunhado, disparou dois tiros contra o peito do presidente da Paraíba, dizendo:

"Sou João Dantas, a quem tanto humilhaste e maltrataste!"
(João Dantas)

João Duarte Dantas foi preso e levado para a casa de detenção da Paraíba, onde foi espancado e morto. João Dantas dissera que matara João Pessoa para defender sua honra. Oficialmente, suicidou-se. Anayde Beiriz  foi encontrada morta em 22 de outubro, por envenenamento, em Recife. Outro suposto suicídio.

Apesar de totalmente desvinculado da eleição de Júlio Prestes, o episódio do assassinato de João Pessoa foi o estopim que deflagrou a mobilização armada dos partidários de Getúlio Vargas e da Aliança Liberal.

O corpo de João Pessoa foi embarcado em navio, no Recife, em 31 de julho de 1930, para ser enterrado, em 18 de agosto, no Rio de Janeiro. Tanto em Recife, como no Rio de Janeiro, houveram missas solenes e discursos inflamados, colocando a culpa no governo de Washington Luís pela morte de João Pessoa. No Recife ocorreu um enorme tiroteio. O Largo de São Francisco, em São Paulo, no dia 17 de agosto, foi palco de um conflito de estudantes, quando homenageavam João Pessoa, houve tiros, um morto e 20 feridos. Houve intervenção da polícia e do exército.

O Presidente da República não se defendia das acusações. Washington Luís fora avisado, repetidas vezes pelos seus assessores, de que havia um movimento subversivo em marcha visando derrubá-lo do poder. Washington Luís, porém, não tomou nenhuma medida preventiva para impedir a revolução.

Getúlio Vargas no Palácio do Catete, em 31 de outubro de 1930

A Revolução de 3 de Outubro de 1930

Em 7 de setembro de 1930, o movimento revolucionário tem um novo impulso. Neste dia, Antônio Carlos passou o governo de Minas Gerais a Olegário Maciel, sendo que este era muito mais decidido a fazer uma revolução do que Antônio Carlos. O Presidente Olegário Maciel  foi o único presidente de estado a continuar no cargo após a Revolução de 1930.

Sobre o sigilo da conspiração, Getúlio Vargas contou à Revista do Globo, edição especial de agosto de 1950, que sua filha Alzira Vargas só soube da revolução 2 dias antes dela ter início e afirmou:

"Em 1930, preparando a Revolução, fui obrigado a fazer um jogo duplo: de dia mantinha a ordem para o governo federal e à noite introduzia os conspiradores no Palácio (Piratini)."
(Getúlio Vargas)

Em 25 de setembro de 1930, foi determinado, pelo comando revolucionário, que a revolução começaria em 3 de outubro, as 17:00 horas. O início da revolução já havia sido adiado várias vezes, devido às hesitações e indecisões dos revolucionários.

Desta vez não houve adiamentos. Em 3 de outubro de 1930, no período da tarde, em Porto Alegre, iniciou-se a Revolução de 1930, com a tomada do quartel-general da 3ª Região Militar. Ataque este comandado por Osvaldo Aranha e Flores da Cunha. Neste ataque aconteceram as primeiras mortes da Revolução de 1930.

Um fato demonstra a importância que Getúlio Vargas dava à revolução: neste dia 3 de outubro, precisamente, ele começou a escrever o Diário, o qual encerrou em 1942. No início do Diário, Getúlio Vargas  registrou que o comandante da 3ª Região Militar, general Gil Dias de Almeida, pouco antes de ter seu quartel-general atacado, disse a Getúlio Vargas que queimaria sua biblioteca se Minas Gerais entrasse em um processo revolucionário. Washington Luís também jamais conseguiu acreditar que Minas Gerais fizesse uma revolução. Na abertura do Diário, meia hora antes do início da revolução, Getúlio Vargas  refletiu sobre sua responsabilidade na revolução e um eventual fracasso desta:

"Quatro e meia. A hora se aproxima. Examino-me e sinto-me com o espírito tranquilo de quem joga um lance decisivo porque não encontrou outra saída. A minha vida não me interessa e sim a responsabilidade de um ato que decide o destino da coletividade. Mas esta queria a luta, pelo menos nos seus elementos mais sadios, vigorosos e altivos. Não terei depois uma grande decepção? Como se torna revolucionário um governo cuja função é manter a lei e a ordem? E se perdermos? Eu serei depois apontado como o responsável, por despeito, por ambição, quem sabe? Sinto que só o sacrifício da vida poderá resgatar o erro de um fracasso!"
(Getúlio Vargas)

Em caso de fracasso da revolução, Getúlio Vargas, como um dos "cabeças" da revolução, pelas leis da época, estava sujeito a pena de até 20 anos de prisão e à pena de banimento. O antigo código penal brasileiro, baixado pelo decreto nº 847, 11 de outubro de 1890, previa: "Artigo 107: Tentar diretamente e por fatos, mudar por meios violentos a Constituição política da República ou a forma de governo estabelecida. Pena: de banimento aos 'cabeças'; e aos corréus a reclusão por 5 a 10 anos". A lei nº 1.062 de 29 de setembro de 1903, aplicava, aos "cabeças", a pena de reclusão de 10 a 20 anos. O Crime era inafiançável.

No Nordeste do Brasil, devido a um erro de interpretação das ordens dadas pelo comando revolucionário, a revolução só começou na madrugada de 4 de outubro. A revolução se alastrou por todo o país. As tropas gaúchas marcharam rumo a São Paulo, porém sem derrubar o governo catarinense, pois só conseguiram tomar a Ilha de Santa Catarina no dia 16. No dia 6 de outubro, o The New York Times noticiava que 80.000 homens estavam na luta. Em Minas Gerais, inesperadamente, houve resistência, pois o 12º Regimento de Infantaria de Belo Horizonte não aceitou o golpe.

Oito governos estaduais, no nordeste do Brasil, na época chamada de Norte, foram depostos pelos tenentes, sendo que os tenentes enfrentaram, na Bahia e em Pernambuco, resistência notável. Os revolucionários derrubaram o governo de Pernambuco em 8 de outubro, depois de um combate que resultou em 150 mortos.

No dia 10, Getúlio Vargas partiu, por ferrovia, rumo ao Rio de Janeiro, capital federal na época, deixando o governo do Rio Grande do Sul com Osvaldo Aranha e não ao vice-presidente gaúcho João Neves da Fontoura, fato que levou João Neves renunciar ao seu cargo de vice-presidente gaúcho.

Em meados de outubro, a revolução dominava apenas parte do Nordeste do Brasil e parte do Sul do Brasil. Mantinham-se leais ao governo federal, os estados de Santa Catarina, Bahia, São Paulo, Rio de Janeiro e o Distrito Federal (Rio de Janeiro), toda a região norte do Brasil: Amazonas, Pará e o Território do Acre, e todo o Centro Oeste: Goiás e Mato Grosso. O governo de Santa Catarina foi derrubado em 16 de outubro, e os demais citados somente com o fim da revolução. Barbosa Lima Sobrinho narra, em seu livro "A Verdade Sobre a Revolução de 1930", a ocupação do Estado do Espírito Santo pelas tropas mineiras. O governo capixaba foi deposto em 16 de outubro de 1930.

No Nordeste do Brasil, os revolucionários marchavam em direção à Bahia. Pelo sul, os revolucionários, vindos do Rio Grande do Sul, estavam estacionados na região de Itararé, na divisa do Paraná com São Paulo, onde as forças do governo federal e tropas paulistas estavam acampadas para deter o avanço das tropas revolucionárias.

Esperava-se que ocorresse uma grande batalha em Itararé. Getúlio Vargas aguardava os acontecimentos, instalado em Curitiba. No Sul de Minas Gerais tropas federais ainda resistiam ao avanço das tropas mineiras rumo ao Rio de Janeiro.

Não houve a esperada batalha de Itararé, porque, em 24 de outubro, antes que ela ocorresse, os generais Tasso FragosoMena Barreto e o almirante Isaías de Noronha depuseram Washington Luís através de um golpe militar, e formaram uma Junta Militar Provisória. No mesmo dia, Osvaldo Aranha foi enviado ao Rio de Janeiro para negociar a entrega do poder a Getúlio Vargas. A Junta Militar Provisória governou o Brasil até passar o governo a Getúlio Vargas em 3 de novembro de 1930. Washington Luís foi deposto apenas 22 dias antes do término do mandato presidencial, que se encerraria em 15 de novembro de 1930.

Jornais que apoiavam o governo deposto foram destruídos, na época, se dizia empastelados, entre eles jornais influentes, como O Paiz, A Noite, Correio Paulistano, órgão oficial do Partido Republicano Paulista, A Plateia, Gazeta de Notícias, A Crítica e a Folha da Manhã, atual Folha de São Paulo. O edifício-sede de O Paiz foi totalmente incendiado.

As polícias do Rio de Janeiro, então capital federal, e de São Paulo se omitiram e nada fizeram para impedir os atos de vandalismo. Na cidade de São Paulo, as bancas do jogo do bicho foram atacadas por serem suspeitas de financiarem o Partido Republicano Paulista e o governo paulista deposto.

Washington LuísJúlio Prestes e vários outros próceres políticos da República Velha, como Manuel Tomás Carvalho de Brito, José Maria Belo, Átila Neves, Irineu Machado, Otávio Mangabeira, Melo Viana, Antônio Prado Júnior, entre outros, foram presos e exilados. Washington Luís só retornou ao Brasil em 1947, depois da deposição de Getúlio Vargas, em 1945.

Getúlio Vargas, depois de uma passagem por São Paulo, onde ocupou o Palácio dos Campos Elísios, sede do governo paulista deposto, rumou para o Rio de Janeiro. Foi uma cena que os paulistas não esqueceriam: Soldados mineiros e gaúchos, com fuzis nos ombros, montando guarda para Getúlio Vargas na sede do governo paulista. Getúlio Vargas chegou ao Rio de Janeiro, de trem, em 31 de outubro de 1930. Inteirou-se da situação política no Rio de Janeiro, para só depois assumir o governo.

A derrocada de Washington Luís e Júlio Prestes foi cantada assim, por Alvinho e a Orquestra Copacabana, com a marchinha de Osvaldo Santiago "Bico de Lacre Não Vem Mais":

"Quem disse que um dia ele ia lá no Catete se assentar, dê a mão a palmatória. Não vem mais 'Seu Julinho' porque o povo não quis, 'Bico de Lacre' coitadinho, como tu fostes infeliz... 'O Cavanhaque  deu o fora, deixou 'Seu Julinho' na mão, e este assim desempregado há de tomar um bom pimpão."
(Osvaldo Santiago)

"Bico de Lacre" era apelido de Júlio Prestes dado por José Carlos de Macedo Soares.


O Governo Provisório (1930 - 1934)

Uma República Nova

Às 3 horas da tarde de 3 de novembro de 1930, a Junta Militar Provisória passou o poder, no Palácio do Catete, a Getúlio Vargas, que vestia farda militar pela última vez na vida, encerrando a chamada República Velha. No discurso de posse, Getúlio Vargas estabeleceu 17 metas a serem cumpridas pelo Governo Provisório.

Na mesma hora, no centro da cidade do Rio de Janeiro, os soldados gaúchos cumpriam a promessa de amarrar os cavalos no obelisco da Avenida Central, atual Avenida Rio Branco, marcando simbolicamente o triunfo da Revolução de 1930. Dos principais tenentes de 1930, o único a estar presente ao ato foi o tenente João Cabanas que apareceu nas fotografias do evento. Esse gesto dos gaúchos foi cantado por Almirante, numa marchinha de Lamartine Babo chamada "O Barbado Foi-se":

"O Rio Grande sem correr o menor risco, amarrou, por telegrama, o cavalo no obelisco."
(Lamartine Babo)

E a letra dizia ainda:

"De sul a norte, todos viram a intrepidez de um Brasil Brasil heroico e forte a raiar no dia 3... A Paraíba terra santa, terra boa, finalmente está vingada, salve o grande João Pessoa..."Doutor Barbado" foi-se embora, não volta mais."
(Lamartine Babo)

Getúlio Vargas reconheceu, em um discurso agradecendo o apoio do povo mineiro a ele, em Belo Horizonte, em 23 de fevereiro de 1931, a primazia de Antônio Carlos Ribeiro de Andrada como o primeiro político a intuir que uma revolução se aproximava. Getúlio Vargas reconheceu também Antônio Carlos como o político que lançou sua candidatura a presidente:

"Queria expressar-vos, pessoalmente, o meu profundo reconhecimento pela espontaneidade e entusiasmo com que o povo mineiro aceitou minha candidatura sugerida pela palavra, nesse momento precursora, de Antônio Carlos, o primeiro que, numa clarividente certeza, vislumbrou na curva longínqua do horizonte, a borrasca revolucionária."
(Getúlio Vargas)

Getúlio Vargas tornou-se Chefe do Governo Provisório com amplos poderes. Os revolucionários não aceitavam o título "Presidente da República". Seu governo provisório foi o segundo da república. O primeiro governo provisório fora o de Deodoro da Fonseca.

Getúlio Vargas governava através de decretos que tinham força de lei. Esses decretos sempre começavam assim:

"- O Chefe do Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil, considerando que:"


No dia 11 de novembro de 1930 foi baixado o decreto nº 19.398 que instituiu e regulamentou o funcionamento do Governo Provisório. Este decreto:


  • Suspendeu as garantias constitucionais da Constituição de 1891, exceto o habeas corpus para crimes comuns.
  • Confirmava a dissolução do Congresso Nacional do Brasil, dos congressos estaduais e das câmaras municipais. Os deputados, senadores e presidentes de estados, eleitos em 1930, nunca chegaram a tomar posse dos seus mandatos.
  • Confirmava também todos os atos da Junta Militar Provisória.
  • Autorizou Getúlio Vargas nomear e exonerar, a seu livre critério, interventores para os governos estaduais, na maioria tenentes que participaram da Revolução de 1930.
  • Excluía de apreciação judicial os atos do Governo Provisório e os atos dos interventores federais nos estados. Assim, nenhum ato e nenhum decreto do Governo Provisório e dos interventores podia ser contestado na justiça brasileira.
  • A atuação dos interventores federais nos estados era disciplinada, no Governo Provisório, pelo "Código dos Interventores", nome pelo qual ficou conhecido o decreto nº 20.348, de 29 de agosto de 1931, que instituiu "conselhos consultivos nos Estados, no Distrito Federal e nos municípios e estabelece normas, sobre a administração local".


Os oficiais das forças armadas que permaneceram fiéis ao governo deposto, tiveram suas carreiras abortadas, sendo colocados, por decreto, na reserva militar. No Supremo Tribunal Federal, em fevereiro de 1931, 6 ministros, apoiadores do governo deposto, foram aposentados compulsoriamente, e o número de ministros reduzido de quinze para onze.

Mesmo na Marinha do Brasil, que não havia combatido os revolucionários de 1930, houve, por insistência de Getúlio Vargas,  aposentadorias forçadas, o que levou o ministro da Marinha, José Isaías de Noronha a pedir exoneração do seu cargo.

Foram investigadas minuciosamente as administrações e os políticos da República Velha, através de uma chamada "Justiça Revolucionária" e de um "Tribunal Especial", criados em 1930, pelo decreto que instituiu o Governo Provisório e organizado pelo decreto 19.440 de 28 de novembro de 1930, com o objetivo de: "processo e julgamento de crimes políticos, funcionais e outros que serão discriminados na lei de sua organização".

Entretanto, como o próprio Getúlio Vargas confirmou no Diário, no dia 4 de dezembro de 1932, nada foi encontrado de irregularidades e de corrupção naquele regime deposto em 1930, motivo pelo qual, mais tarde, surgiria a expressão: "os honrados políticos da República Velha". O "Tribunal Especial" foi dissolvido, em 1932, sem ter condenado ninguém.

Houve, no início do Governo Provisório, uma espécie do comando revolucionário, denominado oficialmente de Conselho Nacional Consultivo, criado pelo decreto que regulamentou o Governo Provisório, e que recebeu o apelido de "Gabinete Negro", do qual faziam parte Getúlio Vargas, Pedro Ernesto, o general José Fernandes Leite de Castro, Ari Parreiras, Osvaldo Aranha, Góes Monteiro, José Américo de Almeida, Juarez Távora e o tenente João Alberto Lins de Barros (quando este, que era interventor federal em São Paulo, ia ao Rio de Janeiro), entre outros. O "Gabinete Negro" se sobrepunha ao gabinete ministerial, tomava as decisões e definia os rumos da revolução.

Juarez Távora, além de ministro da Viação e depois da Agricultura, fora, através de decreto secreto, arquivado na secretaria do Ministério da Guerra, atual Comando do Exército, nomeado chefe de uma Delegacia do Norte, o que lhe dava o controle de todos os interventores do nordeste brasileiro, e lhe valeu o apelido de Vice-Rei do Norte.

A radicalização política dos tenentes representou o seu maior perigo para Getúlio Vargas em 25 de fevereiro de 1932, quando foi destruído, na cidade do Rio de Janeiro, (por empastelamento), um jornal da oposição ao Governo Provisório, o Diário Carioca.

A recusa de Getúlio Vargas de punir os tenentes envolvidos no caso fez com que o ministro do trabalho Lindolfo Collor, o ministro da justiça Joaquim Maurício Cardoso e o chefe de polícia do Rio de Janeiro, João Batista Luzardo pedissem exoneração de seus cargos. João Neves da Fontoura também rompeu com Getúlio VargasJoão Batista Luzardo denunciou, em carta, o envolvimento do Governo Provisório no atentado ao Diário Carioca. Os jornais do Rio de Janeiro ficaram 2 dias sem circular, em solidariedade ao Diário Carioca.

Sobre o atentado ao Diário CariocaGetúlio Vargas anotou no, Diário, na seção de 24 a 29 de fevereiro de 1932:

"Tenho que me decidir entre as forças militares que apoiam o governo e um jornalismo dissolvente, apoiado por políticos e instigado mesmo por estes contra o governo. Estou numa encruzilhada em que urge uma decisão. Foi aberto um inquérito militar e outro civil."
(Getúlio Vargas)

Os tenentes se encontravam e se organizavam nos Clubes 3 de Outubro, e só voltaram finalmente aos quartéis após promulgada a Constituição de 1934.

Porém, em meados de 1932, Getúlio Vargas já havia conseguido se livrar da influência dos tenentes sobre o comando da Revolução e governar somente com o ministério, prescindindo do "Gabinete Negro", embora os governos estaduais, na grande maioria, continuassem ainda nas mãos dos tenentes.

Luiz Vergara, no livro "Eu Fui Secretário De Getúlio", registrou o que Getúlio Vargas pensava das reuniões, tarde da noite, no Palácio Guanabara, do "Gabinete Negro":

"Eles me trazem sugestões, discutem medidas que lhes parecem úteis e oportunas. Eu escuto atentamente, demonstrando interessar-me, mas o que mais me interessa realmente é conhecê-los melhor para saber como tratá-los."
(Getúlio Vargas)

O general Góes Monteiro, no livro "O General Góes Depõe", assim descreve as reuniões do "Gabinete Negro":

"As discussões eram acesas, principalmente entre os srs. Oswaldo Aranha e Ari Parreiras. Todas elas estéreis e intermináveis, não raro entrando madrugada adentro, até depois das 2 horas."
(Góes Monteiro)

O gabinete ministerial do Governo Provisório, composto de apenas nove pessoas (7 civis e dois militares), foi cuidadosamente montado, para premiar e contentar todos os 3 estados, partidos políticos (Partido LibertadorPartido Republicano Rio-GrandensePartido Republicano MineiroPartido Republicano Paraibano e o Partido Democrático - 1930), tenentes e a Junta Militar Provisória, que, juntos, fizeram a Revolução de 1930.

A grande dificuldade que Getúlio Vargas tinha com os tenentes nos estados, além das rivalidades entre eles, era o despreparo deles para governar. Com poucas exceções como Juraci Magalhães, os tenentes fizeram administrações ruins, e o desempenho dos tenentes foi avaliado assim, em fevereiro de 1932, 4 meses antes da eclosão da Revolução de 1932, pelo tenente João Cabanas, um dos chefes da Revolução de 1924 e revolucionário de 1930, no seu livro "Fariseus Da Revolução", que escreveu, em fevereiro de 1932, pouco antes da Revolução de 1932, sobre o tenente João Alberto Lins de Barros, que governou São Paulo, entre 1930 e 1931, e sobre os demais tenentes interventores federais nos estados:

"João Alberto serve como exemplo: Se, como militar, merece respeito, como homem público não faz jus ao menor elogio. Colocado, por inexplicáveis manobras e por circunstâncias ainda não esclarecidas, na chefia do mais importante estado do Brasil, revelou-se de uma extraordinária, de uma admirável incompetência, criando, em um só ano de governo, um dos mais trágicos confusionismos de que há memória na vida política do Brasil, dando também origem a um grave impasse econômico (déficit de 100.000 contos), e a mais profunda impopularidade contra a "Revolução de Outubro".. e ter provocado no povo paulista, um estado de alma equívoco e perigoso. Nossa história não registra outro período de fracasso tão completo como o do 'Tenentismo Inexperiente'"
(João Cabanas)

O conflito com a esquerda revolucionária, da qual faziam parte muitos militares, e que se intensificaria posteriormente, começou logo no início do Governo Provisório: Em 22 de janeiro de 1931 foi descoberto um plano subversivo nos sindicatos em Santos e no Rio de Janeiro. Entre os presos estava o jovem Carlos Lacerda. Por causa desse caso, foi suspenso o desfile do dia do trabalhador de 1931.

Getúlio Vargas (Revolução de 1930)
A Consolidação de Getúlio Vargas Como Líder da Revolução de 1930

Dos principais líderes tenentistas e revolucionários de 1930, os que foram mais difíceis para Getúlio Vargas enquadrar, a fim de consolidar o seu poder, foram: o general José Antônio Flores da Cunha, interventor e depois governador do Rio Grande do Sul, e o ex-presidente de Minas Gerais Antônio Carlos Ribeiro de Andrada.

Flores da Cunha dispunha de uma poderosa polícia militar e do Corpo de Provisórios, uma milícia muito bem armada, que fora organizada para combater São Paulo na Revolução de 1932. Flores da Cunha interferia vigorosamente na política de outros estados e na política nacional, e que, somente próximo ao golpe do Estado Novo, em 1937, abandonou o cargo de governador gaúcho e se exilou no Uruguai.

Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, chamado por Getúlio Vargas, em seu Diário, de "A Velha Raposa", presidiu a assembleia nacional constituinte de 1933 a 1934, e presidiu a Câmara dos Deputados de 1934 a 1937. Neste ano Antônio Carlos não conseguiu se reeleger presidente da Câmara dos Deputados, sendo derrotado pelo candidato apoiado por Getúlio Vargas, Pedro Aleixo. Logo em seguida, com o advento do Estado Novo, Antônio Carlos abandonou a vida pública.

O major Miguel Costa foi cassado depois da Intentona Comunista; Juarez Távora, aos poucos ficou só em cargos burocráticos; Juraci Magalhães foi fiel, no início, a Getúlio Vargas,  mas não aceitou o Golpe de Estado de 1937, quando deixou o governo da Bahia e voltou para os quartéis. Carlos de Lima Cavalcanti, líder da Revolução de 1930 em Pernambuco, foi deposto do cargo de governador pelo golpe do Estado Novo, em 1937. Em maio de 1937, Lima Cavalcanti apoiou Antônio Carlos na sua tentativa de ser reeleito presidente da Câmara dos Deputados.

Os mais fiéis e influentes militares, durante os 15 anos de Getúlio Vargas no poder, foi o general Pedro Aurélio de Góis Monteiro, e, em seguida, o general Eurico Gaspar Dutra, ministro da Guerra de 1936 a 1945, o capitão Filinto Müller, por vários anos, fiel chefe de Polícia do Rio de Janeiro (1933 - 1942), e o coronel João Alberto Lins de Barros.

"Resumo: todos julgam que devo decidir, mas, se nomeio Capanema, renunciam os ministros da fazenda e exterior (Osvaldo Aranha e Afrânio de Melo Franco) e seus adendos; se nomeio Virgílio renuncia o Flores e desgosto a maioria da bancada mineira."
(Getúlio Vargas)

Em 12 de dezembro, Getúlio Vargas explicou no Diário, a escolha de Benedito Valadares:

"Porque escolhi o sr. Benedito Valadares? Porque todos tinham candidato e queriam apenas que eu adotasse as preferências alheias. Só eu não podia ter candidato, e pensei que deveria tê-lo. Escolhi esse rapaz tranquilo e modesto, que me procurou antes, sem nunca pensar que seu nome pudesse ser apontado como interventor."
(Getúlio Vargas)

Afrânio de Melo Franco, porém, deixou o ministério, logo em seguida, em 28 de dezembro de 1933.

Resolvido o problema da sucessão de Olegário Maciel, Minas Gerais retornou à sua estabilidade política, com Benedito Valadares governando até 1945. Minas Gerais, Goiás e o Paraná foram os estados que tiveram maior estabilidade política durante os 15 anos de Getúlio Vargas no poder. Goiás foi governado, de 1930 a 1945, pelo médico Pedro Ludovico Teixeira, que, em 1933, construiu a nova capital Goiânia. O Paraná, depois de uma séria crise com os tenentes daquele estado, conseguiu estabilidade política, com a nomeação, por Getúlio Vargas de Manuel Ribas como interventor federal, sendo que Manuel Ribas governou de 1932 a 1945.

Getúlio Vargas com Ministros (1931)
A Realização das Promessas da Aliança Liberal e da Revolução de 1930


Getúlio Vargas cumpriu as principais promessas da Revolução de 1930:

  • Anistiou, através do decreto nº 19.395, de 8 de novembro de 1930, "todos os civis e militares envolvidos nos movimentos revolucionários ocorridos no país", o que incluía todos os revolucionários dos anos 1920: Levante do Forte de Copacabana de 1922, Revolução de 1924 e da Coluna Prestes.
  • Criou, pelo decreto nº 19.433, de 26 de novembro de 1930, o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, (posteriormente desmembrado em Ministério do Trabalho e Ministério da Indústria e Comércio), e criou o Ministério da Educação e Saúde Pública, pelo decreto nº 19.402, de 14 de novembro de 1930, e que foi, posteriormente, desmembrado em Ministério da Saúde e Ministério da Educação e Cultura, o MEC.
  • Criou, em 24 de fevereiro de 1932, o primeiro Código Eleitoral do Brasil, pelo decreto nº 21.076, que estabelecia: o voto obrigatório, o voto secreto, o voto feminino e a Justiça Eleitoral e ordenava novo alistamento eleitoral. Esse Código Eleitoral fez diminuir muito a fraude eleitoral no Brasil. Ficou mantida, porém, a proibição do voto aos mendigos, aos analfabetos, aos menores de 21 anos de idade e aos praças das forças armadas.
  • Em 14 de maio de 1932, pelo decreto 21.402, foram marcadas eleições diretas e secretas para o dia 3 de maio de 1933, com o objetivo de eleger os membros de uma Assembleia Nacional Constituinte.
  • Ampliou os direitos trabalhistas, consolidando-os pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), instituída mais tarde em 1943.
  • Houve uma tentativa enérgica de cortes de gastos públicos, que fora promessa da Aliança Liberal, para eliminar o déficit público no orçamento federal. Esta tentativa que foi muito prejudicada pelos grandes gastos que o Governo Provisório foi obrigado a realizar por causa das compras dos estoques de café, ordenadas pelo decreto nº 19.688, de 11 de fevereiro de 1931, o qual foi modificado pelo decreto nº 20.003, de 16 de maio de 1931, por causa da guerra contra os paulistas em 1932, guerra esta que ocasionou grandes despesas, e, pela "Grande Seca", ocorrida no nordeste do Brasil, também em 1932, e que ocasionou queda da arrecadação de impostos e grandes gastos no socorro às vítimas da "Grande Seca" de 1932.


As Realizações do Governo Provisório

Durante o Governo Provisório, Getúlio Vargas deu início à modernização do Estado brasileiro.

  • Em 18 de novembro de 1930, criou, através do decreto nº 19.408, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)
  • Em 15 de dezembro de 1930, pelo decreto nº 19.488, reduziu o número de feriados nacionais de doze para seis. Este decreto nº 19.488 eliminou o feriado de Tiradentes, o qual foi restabelecido pelo decreto nº 22.647, de 17 de abril de 1933.
  • Em 1931, criou o Correio Aéreo Militar, depois denominado Correio Aéreo Nacional e o Departamento de Aviação Civil.
  • Em 11 de abril de 1931, o decreto nº 19.851 disciplina o ensino superior no Brasil dando preferência para o ensino superior ministrado em universidades.
  • Em 16 de maio de 1931, pelo decreto nº 20.003, foi criado o Conselho Nacional do Café, substituído, em 10 de fevereiro de 1933, pelo Departamento Nacional do Café, através do decreto nº 22.452.
  • Em 1 de outubro de 1931, pelo decreto nº 20.466, é estabelecido, pela primeira vez, o horário de verão no Brasil.
  • Em 26 de dezembro de 1931, criou, por meio do decreto nº 20.859, Departamento de Correios e Telégrafos, atual Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT).
  • Em 11 de janeiro de 1932, o decreto nº 20.931 regulamentou, no Brasil, o exercício da medicina, odontologia, medicina veterinária, da enfermagem e da profissão de farmacêutico.
  • Em 21 de março de 1932, instituiu, através do decreto nº 21.175, a carteira de trabalho, ou carteira profissional.
  • Em 22 de março de 1932, através do decreto nº 21.186, foi garantida, aos trabalhadores do comércio, a jornada de trabalho de 8 horas diárias e 48 horas semanais.
  • Em 4 de maio de 1932, através do decreto nº 21.364, essa duração da jornada de trabalho foi estendida aos trabalhadores da indústria.
  • Em 1 de junho de 1933, através do decreto nº 22.789, criou o Instituto Nacional do Açúcar e do Álcool.
  • Em 23 de janeiro de 1934, pelo decreto nº 23.793, criou o Código Florestal, (vigente até 1965).
  • Em 6 de julho de 1934, através do decreto nº 24.609, criou o Instituto Nacional de Estatística, atual Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
  • Em 10 de julho de 1934, pelo decreto nº 24.642, foi criado o Código de Minas que vigorou até 1940, quando foi substituído por outro do mesmo nome. Este Código de Minas de 1934 foi muito criticado por Monteiro Lobato, no livro "O Escândalo Do Petróleo", e, em cartas, que o considerava restritivo quanto à lavra de petróleo.
  • Em 10 de julho de 1934, pelo decreto nº 24.643, instituiu o Código das Águas, que com alterações, ainda está em vigor, segundo a Casa Civil da Presidência da República.

Em 12 de dezembro de 1930, através do decreto nº 19.482, é fortemente restringida a entrada de imigrantes no Brasil, medida que vigorou até 1933, para evitar o aumento do número de desempregados, na época, chamados de sem-trabalho, e também exigido, por este decreto, que todas as empresas brasileiras tenham, pelo menos, 2/3 de trabalhadores brasileiros em seus quadros, a "Lei dos 2/3", para proteger o trabalhador nacional.

A partir de 1931, se generalizou no brasil, o cargo de prefeito municipal, e, em definitivo, se concretizou a separação dos poderes na esfera municipal de governo. Na República Velha, somente poucos municípios tinham o cargo de prefeito e prefeitura municipal, outros eram governados por intendentes eleitos pela Câmara Municipal, e, a maioria dos municípios era governado pela Câmara Municipal.

Em 19 de março de 1931, pelo decreto nº 19.770, foi regulamentada a sindicalização das classes patronais e operárias, tornando-se obrigatória a aprovação dos estatutos dos sindicatos trabalhistas e patronais pelo Ministério do Trabalho.

O decreto nº 19.808, de 28 de março de 1931, suspendeu "a execução da lei nº 4.982, de 24 de dezembro de 1925, e do respectivo regulamento (que concedia férias anuais de 15 dias e que foi regulamentada pelo decreto 17.496 de 30 de outubro de 1926), e estabeleceu nova modalidade para a concessão de férias a operários e empregados". Este decreto foi depois alterado pelo decreto nº 23.103 de 19 de agosto de 1933, que regulava "a concessão de férias aos empregados em estabelecimentos comerciais e bancários e em instituições de assistência privada bem como em seções comerciais de estabelecimentos industriais", e pelo decreto nº 23.768, de 18 de janeiro de 1934, regulava a "concessão de férias aos empregados na indústria, sindicalizados".

Getúlio Vargas conseguiu o restabelecimento de relações amistosas entre o estado brasileiro e a Igreja Católica, muito influente naquela época, e que estava rompida com o governo desde o advento da república e do casamento civil. O restabelecimento do ensino religioso nas escolas públicas, em 30 de abril de 1931, pelo decreto nº 19.941, facilitou esta reconciliação com a Igreja Católica.

Em 1931, veio ao Brasil, a convite do Governo Provisório, o especialista em finanças Sir Otto Niemeyer, na chamada "Missão Niemeyer", para reestruturar as finanças do governo brasileiro, oportunidade que foi sugerida por Otto Niemeyer a criação de um banco central. Em agosto de 1931, foi declarada uma moratória e renegociada a dívida externa brasileira, com um "Funding Loan" de 3 anos, contado a partir de outubro de 1931, autorizado, em 2 de março de 1932, pelo decreto nº 21.113.

Foi permitido e regulamentado, pelo decreto nº 21.111, de 1 de março de 1932, a propaganda comercial nas emissoras de radiodifusão. Antes de se permitir anúncios comerciais nas rádios, estas eram financiadas por clubes de ouvintes. Foi, também, por aquele decreto, regulamentada as concessões de estações de rádio no Brasil, e vigorou até 1962, quando surgiu o Código Brasileiro de Telecomunicações.

O decreto nº 21.366, de 5 de maio de 1932, declarou que o segundo domingo de maio é consagrado às mães.

Em 12 de outubro de 1931, foi inaugurado a estátua do Cristo Redentor.

Foram abolidos e proibidos, em 17 de maio de 1932, pelo decreto nº 21.418, os antiquados impostos sobre o comércio interestadual e sobre o comércio intermunicipal, extinguindo-se as barreiras nas fronteiras interestaduais.

Também, no mesmo dia, o decreto nº 21.417-A, regulamentou as condições do trabalho das mulheres nos estabelecimentos industriais e comerciais, ordenando que se pagasse, a elas, salários iguais aos dos homens e proibindo o trabalho a gestantes, um mês antes e um mês após o parto.

Foi proibido, em 7 de abril de 1933, os juros bancários abusivos, através do decreto nº 22.626, conhecido como Lei da Usura, não revogado até hoje. Em 15 de janeiro de 1934, pelo decreto nº 23.746, foi revogado o decreto nº 4.743, de 1923, que era uma lei sobre crimes de imprensa muito repressiva, chamada de "Lei Infame", e são anistiados todos os condenados por aquele decreto. Em 1934, foi iniciada a construção do Aeroporto Santos Dumont no Rio de Janeiro. As obras foram concluídas em 1936.

Em 10 de julho de 1934, o decreto nº 24.645 estabeleceu medidas de proteção aos animais. Este decreto ficou conhecido como "Lei De Proteção Aos Animais". Está ainda em vigor.

Realizaram-se seguidas e grandes queimas de café, de 1931 até 1943, em um total estimado entre 50 a 70 milhões de sacas, em Santos, e em outros portos, para a valorização do preço do café, o qual tinha caído muito durante a Grande Depressão de 1929. O total de sacas de café queimadas equivalia a 4 anos da produção nacional.

Revolução Constitucionalista (1932)
A Revolução de 1932 ou Revolução Constitucionalista

Em 9 de julho de 1932, eclodiu a Revolução Constitucionalista em São Paulo estendendo-se até o dia 2 de outubro de 1932. Desde 1997, pela lei estadual paulista nº 9.497, o dia 9 de julho é feriado estadual em São Paulo, relembrando a data.

O Partido Republicano Paulista e o Partido Democrático de São Paulo, que antes apoiara a Revolução de 1930, uniram-se na Frente Única, chamada "Frente Única Por São Paulo Unido", em 16 de fevereiro de 1932, para exigir o fim da ditadura do Governo Provisório, a nomeação de um político "civil e paulista" para ser o interventor federal em São Paulo, e exigir também a promulgação de uma nova constituição. O episódio da "Frente Única Por São Paulo Unido" acabou sendo a última vez, na história de São Paulo, que as forças políticas paulistas marcharam unidas.

Getúlio Vargas havia revogado, em 1930, as garantias constitucionais da Constituição de 1891 e governava através de decretos.

Os paulistas consideravam que São Paulo estava sendo tratado como terra conquistada e sentiam que a Revolução de 1930 fora feita contra São Paulo. Júlio Prestes tinha obtido, em 1930, 90% dos votos em São Paulo. Getúlio Vargas tivera 10% dos votos em São Paulo, devido ao apoio do Partido Democrático.

Após a Revolução de 1930, São Paulo estava sendo governado por tenentes de outros estados. O tenente-interventor que os paulistas mais detestaram foi João Alberto Lins de Barros, chamado pejorativamente, pelos paulistas, de "O Pernambucano". Outro interventor militar foi o general Manuel Rabelo, que era muito ligado a João Alberto, que continuava interferindo em São Paulo.

Outras nomeações de militares pelo Governo Provisório que irritaram muito os paulistas foram: o general reformado Isidoro Dias Lopes, para comandante da 2ª Região Militar, e o major Miguel Costa, para comandante da Força Pública de São Paulo (atual Polícia Militar do Estado de São Paulo) e depois secretário da Segurança Pública, pois ambos, Isidoro Lopes e Miguel Costa, haviam tentado derrubar o governo paulista na Revolução de 1924. Isidoro Dias Lopes, porém, acabou rompendo com o governo provisório e apoiando a Revolução de 1932.

Mesmo quando foram nomeados civis para interventores em São Paulo, Laudo Ferreira de Camargo e Pedro Manuel de Toledo, os tenentes continuavam interferindo, não deixando os interventores formarem livremente o secretariado. Quando Laudo de Camargo renunciou, em novembro de 1931, o ministro da Fazenda José Maria Whitaker pediu exoneração do seu cargo em solidariedade a ele. Osvaldo Aranha o substituiu no Ministério da Fazenda. Segundo muitos analistas, este foi o maior erro político de Getúlio Vargas em quase cinquenta anos de carreira política: Entregar São Paulo aos tenentes.

Os tenentes do Clube 3 de Outubro eram totalmente contrários a que se fizesse uma nova constituição, tendo eles entregado a Getúlio Vargas, no dia 4 de março de 1932, na cidade de Petrópolis, um documento no qual dão seu total apoio à ditadura e no qual se manifestam contrários a uma nova constituição. Tendo Getúlio Vargas anotado assim no Diário:

"Dias 4 e 5: Completou-se, no primeiro, meu 21º aniversário de casamento, mas as preocupações políticas encheram o dia, esquecendo a data doméstica... À tarde, recebi a grande manisfestação do Clube 3 de Outubro. Ato de solidariedade com a ditadura, resposta, aplausos vibrantes etc., palestra, troca de impressões. Para muitos, uma nova era...."
(Getúlio Vargas)

O estopim da revolta paulista foram as mortes de quatro estudantes paulistas, assassinados no centro de São Paulo, por partidários de Getúlio Vargas, em 23 de maio de 1932: Mário Martins de AlmeidaEuclides Bueno Miragaia, Dráusio Marcondes de Sousa e Antônio Américo Camargo de Andrade, cujos nomes vieram a formar a sigla M.M.D.C. - Miragaia, Martins, Dráusio e Camargo. Neste dia a população saiu às ruas protestando contra a presença do ministro Osvaldo Aranha em São Paulo e Pedro de Toledo montou um novo secretariado de governo, o chamado Secretariado de 23 de Maio, sem a interferência dos tenentes e de Osvaldo Aranha. O movimento deflagrou a Revolução de 1932. Em 9 de julho, iniciou-se o Movimento Constitucionalista. Foi montado um grande contingente de voluntários civis e militares que travaram uma luta armada contra o Governo Provisório, chamado pelos paulistas de "A Ditadura".

Em 12 de agosto de 1932 faleceu Orlando de Oliveira Alvarenga, também alvejado em 23 de maio. O dia 23 de maio é relembrado em São Paulo como o "Dia do Soldado Constitucionalista".

O Movimento Constitucionalista teve apoio de políticos de outros estados, como Borges de Medeiros, Raul Pilla, Batista Luzardo, Arthur Bernardes e João Neves da Fontoura, que foram presos e exilados. Estes políticos haviam apoiado a Revolução de 1930, porém romperam posteriormente com Getúlio Vargas.

Na região do atual estado do Mato Grosso do Sul foi criado o Estado de Maracaju, que apoiava São Paulo. Abalado com a guerra, o aviador Santos Dumont comete suicídio no dia 23 de julho.

As tropas do Governo Provisório que combateram São Paulo foram comandadas pelo general Pedro Aurélio de Góis Monteiro. Minas Gerais, com poucas exceções como Arthur Bernardes,  apoiou o Governo Provisório e combateu São Paulo.

Iniciado em 9 de julho, a Revolução Constitucionalista se estendeu até 2 de outubro de 1932, quando foi derrotada militarmente. Terminada a Revolução de 1932, Getúlio Vargas se reconciliou com São Paulo e, depois de várias negociações políticas, nomeou um civil e paulista que apoiou a Revolução de 1930 para interventor em São Paulo, Armando de Sales Oliveira.

Em 1938, Getúlio Vargas participou pessoalmente da inauguração da Avenida 9 de Julho, em São Paulo, e nomeou um ex-combatente de 1932 para interventor federal em São Paulo: o médico Ademar Pereira de Barros, que pertenceu ao Partido Republicano Paulista. Para suceder a Ademar de Barros, Getúlio Vargas nomeou Fernando de Sousa Costa, que foi secretário de agricultura de Júlio Prestes quando este governou São Paulo de 1927 a 1930.

Na versão do Governo Provisório, a Revolução de 1932 não era necessária, pois as eleições já teriam data marcada para ocorrer. Mas, segundo os paulistas, não teria havido redemocratização do Brasil, se não fosse o Movimento Constitucionalista de 1932.


A Eleição de 1933

O término da Revolução Constitucionalista marcou o início de um período de democratização do Brasil. Em 3 de maio de 1933, foram realizadas eleições para a Assembleia Nacional Constituinte, quando as mulheres votaram pela primeira vez no Brasil em eleições nacionais. O voto feminino já havia sido instituído no Rio Grande do Norte, em 1928. Nesta eleição, graças à criação da Justiça Eleitoral, as fraudes deixaram de ser rotina nas eleições brasileiras.

Também, nesta eleição de 3 de maio de 1933, houve pela primeira vez em eleições nacionais o voto secreto, que havia sido introduzido no Brasil pelo presidente de Minas Gerais, Antônio Carlos de Andrada, em 1929, para uma eleição suplementar para vereador em Belo Horizonte.

Em 17 de março de 1937, Getúlio Vargas já reconciliado com os paulistas, anotou no Diário, uma palestra sua com o deputado federal paulista Valdemar Ferreira a propósito dos motivos da Revolução de 1932:


"Não desejava (em 1937) que se reproduzisse o que ocorreu em 32 com a Revolução Paulista, que me surpreendeu quando já haviam desaparecido todos os motivos alegados como determinantes da mesma. Respondeu-me (Valdemar Ferreira) que hoje não havia ambiente para isso, e que a Revolução de 32 foi forçada pelo General Klinger e desencadeada por elementos militares, e que o governo de São Paulo teve de aceitar para não ser deposto."
(Getúlio Vargas)

A Assembleia Nacional Constituinte e a Constituição de 1934

Foi instalada em 15 de novembro de 1933 a Assembleia Nacional Constituinte, presidida por Antônio Carlos de Andrada, que promulgou uma nova Constituição em 16 de julho de 1934.

Nesta data, a reconciliação com os paulistas já se solidificara, anotando Getúlio no "Diário":

"Instalação da Constituinte...protestos, impugnações, atitude serena e firme da bancada paulista, afastando debates de natureza política das cogitações da constituinte."
(Getúlio Vargas)

Nesta constituinte participou pela primeira vez uma mulher deputada, Carlota Pereira de Queiroz, que curiosamente representava o estado derrotado em 1930, São Paulo, e houve a presença de deputados eleitos pelos sindicatos: os deputados classistas.

Foram mantidos fora de apreciação judicial todos os atos do Governo Provisório e os dos interventores nos estados. Foram anistiados todos os civis e militares que praticaram crimes políticos até a data da promulgação da Constituição de 1934. Constituição tida como progressista para uns e para Getúlio Vargas: Impossível de se governar com ela!

A principal crítica feita por Getúlio Vargas à Constituição de 1934 referia-se ao seu caráter inflacionário, pois calculava-se que se todas as nacionalizações de bancos e de mina fossem feitas e se todos os direitos sociais nela previstos fossem implantados, os custos para as empresas privadas, as despesas do governo e o déficit público se elevariam muito.

Uma das grandes despesas que o governo teria, que era prevista na Constituição de 1934, no seu artigo 138, era que o Estado deveria: "socorrer as famílias de prole numerosa", que constituíam a maioria das famílias brasileiras daquela época. A segunda crítica que o governo de Getúlio Vargas fazia à Constituição de 1934 era de que ela, sendo liberal demais, não permitia adequado combate à subversão.

Nas comemorações dos 10 anos da Revolução de 1930Getúlio Vargas, em discurso de 11 de novembro de 1940, assim se expressou sobre a Constituição de 1934:

"Uma constitucionalização apressada, fora de tempo, apresentada como panaceia de todos os males, traduziu-se numa organização política feita ao sabor de influências pessoais e partidarismo faccioso, divorciada das realidades existentes. Repetia os erros da Constituição de 1891 e agravava-os com dispositivos de pura invenção jurídica, alguns retrógrados e outros acenando a ideologias exóticas. Os acontecimentos incumbiram-se de atestar-lhe a precoce inadaptação!"
(Getúlio Vargas)

O Governo Provisório havia criado, em 1933, uma comissão de juristas, a Comissão do Itamaraty, para elaborar um anteprojeto de constituição, o qual previa um poder executivo federal forte e centralizador, ao gosto de Getúlio Vargas. Porém a Constituição de 1934, acabou sendo descentralizadora, dando certa autonomia aos estados federados. Foram extintos os senados estaduais que jamais voltaram a existir.

No dia seguinte à promulgação da nova constituição, 17 de julho de 1934, ocorreu uma eleição indireta para a presidência da república: o Congresso Nacional elegeu Getúlio Vargas como Presidente da República, derrotando Borges de Medeiros, que desde 1931 fazia oposição a Getúlio Vargas, e outros candidatos. Getúlio Vargas teve 173 votos, contra 59 votos dados a Borges de Medeiros. Os paulistas votaram em Borges de Medeiros, contrariando a orientação do interventor federal Armando de Sales Oliveira.

Título de eleitor de Getúlio Vargas
O Governo Constitucional (1934 - 1937)

O novo mandato presidencial de Getúlio Vargas iniciou no dia 20 de julho de 1934, quando tomou posse no Congresso Nacional, jurando a nova constituição. Getúlio Vargas deveria governar até 3 de maio de 1938. Não havia, na constituição de 1934, a figura do vice-presidente. Os Estados fizeram, depois, suas constituições, e muitos interventores se tornaram governadores, eleitos pelas assembleias legislativas, o que significou uma ampla vitória, nos estados, dos partidários de Getúlio Vargas.

Foi sancionada, em 4 de abril de 1935, a lei nº 38, que definia os crimes contra a ordem política e social, que possibilitou maior rigor no combate à subversão da ordem pública. Ficou conhecida como Lei de Segurança Nacional.

Getúlio Vargas visitou a Argentina e o Uruguai, entre maio e junho de 1935, sendo que antes dele, só um presidente, Campos Sales, se ausentara do Brasil. Assumiu a presidência da República, nesta ausência de Getúlio Vargas, o presidente da Câmara dos Deputados, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada.

Em 22 de julho de 1935, foi criado um programa oficial de rádio com notícias do governo: a Hora do Brasil depois denominada Voz do Brasil, existente ainda hoje.

Em 31 de agosto de 1935, Getúlio Vargas foi à cidade mineira de João Monlevade lançar a pedra fundamental da Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira, "filha" da primeira usina siderúrgica do Brasil, também em João Monlevade.

Neste período de governo de Getúlio Vargas, cresceu muito a radicalização político-ideológica no Brasil, especialmente entre a Ação Integralista Brasileira (AIB), de inspiração fascista, liderada por Plínio Salgado, e a Aliança Nacional Libertadora (ANL), movimento dominado pelo Partido Comunista do Brasil (PCB), pró-soviético.

O fechamento da Aliança Nacional Libertadora (ANL), através de decreto nº 229 de 11 de julho de 1935, determinado por Getúlio Vargas, bem como a prisão de alguns dos partidários, precipitaram as conspirações que levaram à Intentona Comunista em 24 de novembro de 1935 no nordeste do Brasil e a 27 de novembro de 1935 na capital federal Rio de Janeiro. O movimento revolucionário ocorreu em várias cidades brasileiras.

No Rio de Janeiro houve um levante militar no 3º Regimento de Infantaria, em que aconteceram várias mortes. Houve luta também em Recife. Em Natal, os comunistas chegaram a tomar o poder, sendo depois derrotados por tropas de sertanejos vindos do interior do Rio Grande do Norte, liderados por Dinarte de Medeiros Mariz.

Getúlio Vargas contou aos repórteres da Revista do Globo, em 1950, a sua versão sobre a Intentona Comunista. Disse que, em 22 de outubro de 1935, recebeu da polícia um documento apreendido dos comunistas, o qual previa um "Plano de Agitação". Realizou, então, uma reunião, em Petrópolis, com líderes da indústria e do comércio, expondo o perigo iminente. Getúlio Vargas disse aos repórteres:

"Apresentei-lhes o plano comunista e expus as medidas que iria pôr em prática para destruí-lo. Qual não foi meu espanto quando eles, em vez de me apoiar pediram-me que revogasse as leis trabalhistas que eu havia posto em prática. A lei de dois terços de trabalhadores brasileiros, a lei de férias, a semana de quarenta e oito horas, as indenizações, o aviso prévio, etc., –diziam eles–, eram entraves para o desenvolvimento da indústria e colocavam o operariado numa situação de privilégio, razão pela qual deveriam ser abolidas. Diante dessa incompreensão por parte das chamadas classes conservadoras, resolvi agir sozinho!"
(Getúlio Vargas)

Fez um relato da Intentona Comunista, aos repórteres e conclui:

"O operariado brasileiro estava satisfeito como meu governo e eu tinha certeza de que fracassaria qualquer tentativa por parte dos comunistas de envolvê-lo. Aliás, o golpe de 1935 primou pela absoluta falta de apoio popular. A única coisa que o distingue de outros golpes militares é que os seus dirigentes não eram generais... Se ao invés de tomar medidas de proteção ao operariado eu tivesse revogado as leis trabalhistas, como queriam os homens de Petrópolis, não sei se o governo teria vencido a revolução...!"
(Getúlio Vargas)

Quanto a um dos líderes da Intentona Comunista, o capitão Luís Carlos Prestes, Getúlio Vargas revelou aos repórteres da Revista do Globo que:

"Vários membros do governo insistiram comigo para que ele fosse fuzilado sumariamente. O próprio ministro da guerra, general João Gomes, foi um dos que mais insistiram. Não aceitei, porém, as razões que me apresentaram. Eu não podia, de maneira alguma, permitir um fuzilamento naquela época. Logo depois de capturado, Prestes foi, como seus companheiros, entregue à justiça."
(Getúlio Vargas)

A partir da Intentona Comunista, foram decretados várias vezes o Estado de Sítio e o Estado de Guerra, no país, por Getúlio Vargas, assim como endurecidas as leis que visavam combater a subversão. A Lei de Segurança Nacional foi reforçada, em 14 de dezembro de 1935, pela Lei nº 136, que definia novos crimes contra a ordem pública. Em 18 de dezembro de 1935, foram promulgadas três emendas à Constituição de 1934, dando mais poderes ao Estado Brasileiro no combate à subversão.

Em 17 de janeiro de 1936, foi sancionada a lei nº 192, visando limitar o poderio militar dos estados, subordinando as polícias militares ao Exército Brasileiro, limitando os efetivos e proibindo-as de possuírem artilharia, aviação e carro de combate. Este armamento pesado que as policias estaduais possuíam foi entregue ao Exército Brasileiro.

Em 23 de março de 1936, foram presos o senador Abel de Abreu Chermont e 3 deputados federais por cumplicidade com a Intentona Comunista. Foi preso o prefeito carioca Pedro Ernesto, que era muito popular, em 3 de abril de 1936, suspeito de ter dado apoio à Intentona Comunista. Getúlio Vargas comentou assim a prisão de Pedro Ernesto, no "Diário":

"Embora as circunstâncias me forçassem a consentir nesta prisão, confesso que o fiz com pesar. Há uma crise na minha consciência. Tenho dúvida se esse homem é um extraviado ou um traído, um incompreendido um ludibriado. Talvez o futuro esclareça!"
(Getúlio Vargas)

Foi criado, em 11 de setembro de 1936, pela lei nº 244, um tribunal especial para julgar os revolucionários da Intentona Comunista, chamado de "Tribunal de Segurança Nacional". Cresceu muito, neste período, a instabilidade política no Brasil. Tudo isto levou Getúlio Vargas, com amplo apoio do militares, a implantar o Estado Novo.

Em novembro de 1936, foi criada a Carteira de Crédito Agrícola e Industrial do Banco do Brasil, a qual, pela lei nº 454, de 9 de julho de 1937, passou a captar recursos no mercado de capitais e nos fundos de pensões, para financiamento da agricultura e da pecuária.

Em 11 de junho de 1937 foi estatizado o Lloyd Brasileiro, pelo decreto nº 1.708, que explorava a navegação de cabotagem de médio e longo curso, dando início a um período longo de estatizações que se prolongou, no Brasil, até à década de 1980. O Lloyd foi encampado com o objetivo de enfrentar o cartel dos fretes marítimos, tendo Getúlio Vargas dito, no discurso de lançamento de sua candidatura e da Plataforma da Aliança Liberal, em 2 de janeiro de 1930: "As vantagens da existência de várias empresas de cabotagem, entretanto são anuladas pelo 'trust' oficial dos fretes que torna impossível a livre concorrência". A encampação do Lloys tinha sido autorizada pela lei nº 420 de 10 de abril de 1937.

A partir do final de 1936, o cenário político passa a ser dominando pela sucessão presidencial. Em maio de 1937, Getúlio Vargas registrou várias vezes, no "Diário", que tentara a conciliação entre os dois candidatos a presidente da república, Armando Sales e José Américo de Almeida. Relatou um encontro com Flores da Cunha, no qual, Getúlio VargasFlores da Cunha: "Tratamos da sucessão presidencial, nem um nem outro tínhamos candidato. Desejo de conciliação em termos gerais. Palestra cordial". E no dia 21 de maio registrou:

"Falta saber se os adeptos da candidatura Armando Sales aceitarão outro candidato, havendo conciliação geral, ou se manterão essa candidatura, isto é, se haverá candidato único e conciliação geral, ou luta entre dois candidatos!"
(Getúlio Vargas)


Período Ditatorial: Estado Novo (1937 - 1945)

Estado Novo é o termo usado para denominar o período da história do Brasil, na fase republicana, e que se estende de 10 de novembro de 1937 a 29 de outubro de 1945, quando Getúlio Vargas era o presidente do Brasil.

A Implantação do Estado Novo e a Sua Política

Em 30 de setembro de 1937, enquanto eram aguardadas as eleições presidenciais marcadas para janeiro de 1938, a ser disputadas por José Américo de Almeida, Armando de Sales Oliveira, ambos apoiadores da Revolução de 1930, e por Plínio Salgado, foi denunciada, pelo governo de Getúlio Vargas, a existência de um suposto plano comunista para tomada do poder.

Este plano ficou conhecido como "Plano Cohen". Foi posteriormente acusado de ter forjado tal plano, um adepto do integralismo, o capitão Olímpio Mourão Filho, o mesmo que daria início à Revolução de 1964.

Os integralistas, porém, negam sua participação na implantação do Estado Novo, culpando o general Góis Monteiro, na época chefe do Estado Maior do Exército, pela criação e divulgação do "Plano Cohen". Somente dezoito anos mais tarde, perante o Conselho de Justificação do Exército Brasileiro, requerido a 26 de dezembro de 1956, o então coronel Olímpio Mourão Filho, provou sua inocência. No dia seguinte à divulgação do "Plano Cohen", 1 de outubro de 1937, o Congresso Nacional declarou o estado de guerra em todo o país.

Em 19 de outubro, o governador do Rio Grande do Sul, Flores da Cunha, depois de ter perdido o controle sobre a Brigada Militar gaúcha, a qual, por ordem de Getúlio Vargas, ficou subordinada ao Exército, e de ter sido cercado militarmente pelo general Góis Monteiro, abandonou o cargo de governador do Rio Grande do Sul e se exilou no Uruguai.

Flores da Cunha, que havia comprado grande quantidade de armamento na Europa, representava a última possível resistência militar a uma tentativa de golpe de estado por parte de Getúlio Vargas. Armando de Sales Oliveira, que também poderia se opor ao golpe de Estado, já deixara o governo de São Paulo, em 29 de dezembro de 1936, para se candidatar à presidência da República. Seu sucessor José Joaquim Cardoso de Melo Neto garantiu a Getúlio Vargas que São Paulo não faria outra revolução.

São Paulo estava novamente dividido como em 1930, sendo que o Partido Constitucionalista, de Armando Sales e herdeiro do Partido Democrático, e o Partido Republicano Paulista não se entendiam. O Partido Republicano Paulista não aceitou apoiar a candidatura de Armando Sales à presidência da república.

Getúlio Vargas, em 10 de novembro de 1937, através de um golpe de estado, instituiu, então, o Estado Novo, em um "pronunciamento" em rede de rádio, no qual lançou um "Manifesto à Nação", no qual dizia que o Estado Novo tinha como objetivo "Reajustar o organismo político às necessidades econômicas do país". O Estado Novo era favorável à intervenção do estado na atividade econômica:

"É a necessidade que faz a lei: tanto mais complexa se torna a vida no momento que passa, tanto maior há de ser a intervenção do estado no domínio da atividade privada."
(Getúlio Vargas)

O Estado Novo entendia assim a organização política de um país e a participação do cidadão na vida política do país:

"A riqueza de cada um, a cultura, a alegria, não são apenas bens pessoais: representam reservas de vitalidade social, que devem ser aproveitadas para fortalecer a ação de Estado!"
(Getúlio Vargas)

Na versão do almirante Ernâni do Amaral Peixoto, o Estado Novo não foi obra pessoal de Getúlio Vargas, mas sendo sim, uma decisão especialmente dos militares, visando o combate à subversão:

"O Golpe do Estado Novo viria com Getúlio, sem Getúlio, ou contra Getúlio!"
(Ernâni do Amaral Peixoto)

No dia do golpe de estado, 10 de novembro, Getúlio Vargas fez um pronunciamento em rede nacional de rádio, determinou o fechamento do Congresso Nacional do Brasil e outorgou uma nova constituição, a Constituição de 1937, que lhe conferia o controle total do poder executivo e lhe permitia nomear, para os estados, interventores a quem deu ampla autonomia para a tomada de decisões. Essa constituição, elaborada por Francisco Campos, ficou conhecida como "a Polaca", por se ter inspirado na constituição vigente na Polônia naquela época.

A Constituição de 1937 previa um novo Legislativo que não chegou a ser instalado, e previa a realização de um plebiscito, que, porém, não chegou a ser convocado. Jamais foram realizadas eleições no Estado Novo. O Poder Judiciário teve sua autonomia preservada durante o Estado Novo. No seu preâmbulo, a Constituição de 1937 justificou a implantação do Estado Novo, descrevendo uma situação de pré-guerra civil que o Brasil estaria vivendo.

Os partidos políticos foram extintos em 2 de dezembro de 1937, pelo decreto-lei nº 37. Sobre a opinião de Getúlio Vargas sobre partidos políticos, Luís Vergara, em "Eu Fui Secretário de Getúlio", no capítulo 41, conta que Getúlio Vargas era contrário à existência deles no Estado Novo, rejeitando inclusive a tese do "partido único":

"Não devemos ter ilusões. Dados os nossos costumes e o baixo nível de nossa cultura política, viciada pelas práticas oligárquicas e personalistas, esse partido único logo começará a subdividir-se em facções e a agitar e conturbar inutilmente a vida do país."
(Getúlio Vargas)

E Getúlio Vargas acrescentou, a Luís Vergara, sua visão de governo:

"O que é urgente, isso sim, é acelerar o processo do nosso desenvolvimento e reforçar as energias criadoras de progresso e de elevação do nível econômico das populações, que, em muitas regiões, permanece estacionário e em estágio de verdadeiro pauperismo."
(Getúlio Vargas)

Luís Vergara, registrou então, que "o assunto (do "partido único") ficou encerrado de vez".

No dia 4 de dezembro são queimadas, numa grande cerimônia cívica, na Esplanada do Russel, no Rio de Janeiro, as bandeiras dos estados federados, os quais foram proibidos de terem bandeira e os demais símbolos estaduais. O Estado Novo era contra qualquer demonstração de regionalismo, e assim Getúlio Vargas se expressou sobre este tema em 1939:

"Não temos mais problemas regionais; Todos são nacionais, e interessam ao Brasil inteiro!"
(Getúlio Vargas)

O governo implementou a censura à imprensa e a propaganda do regime através do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), criado pelo decreto-lei nº 1.915, de 27 de dezembro de 1939. Sobre a criação do Departamento de Imprensa e Propaganda, Getúlio Vargas, em um pronunciamento, no Senado Federal, em 13 de dezembro de 1946, declarou:

"Em 1940, e não em 1937, eu criei o Departamento de Imprensa e Propaganda, para controlar e acompanhar de perto a infiltração estrangeira no Brasil. Atuavam então em nosso país a United Press e a Associated Press... A Havas, francesa, estava controlada pelos alemães... A Havas era a agência de maior irradiação no Brasil e distribuía os serviços de todas agências europeias, inclusive a Reuter. Ao lado da Havas, a Transocean, diretamente alemã, cobria todo o território, bloqueando a United... A Havas e a Transocean distribuíam o serviço telegráfico nacional. Tinham um excepcional poder de ação interna. Vários jornais em língua alemã, italiana e japonesa infestavam as zonas povoadas por núcleos de origem destes povos... A propaganda britânica também se intensificou. Mas eu não devia resolver os nossos problemas de acordo com as conveniências da propaganda internacional, e, sim, na base das conveniências do Brasil e da América... O excesso de zelo da propaganda britânica várias vezes perturbou minha ação. Mas até certo ponto foi útil, pois provocou medidas que deram a garantia de nossa impecável neutralidade (nos primeiros anos da Segunda Guerra Mundial)."
(Getúlio Vargas)

O gabinete ministerial de Getúlio Vargas se manteve relativamente estável durante o Estado Novo, com os ministros da Fazenda, Guerra, Marinha e da Educação permanecendo em seus cargos durante todo o período do Estado Novo (1937-1945).

A única reação à implantação do Estado Novo foi o Levante Integralista em 8 de maio de 1938. Foi atacado o Palácio do Catete, que oferecia pouca segurança. Este episódio levou Getúlio Vargas a criar uma guarda pessoal, que foi chamada, pelo povo, de "Guarda Negra". Getúlio Vargas, na cita entrevista à Revista do Globo, deu a sua versão sobre o Levante Integralista:

"Antes de mais nada, é preciso esclarecer que o golpe integralista de 1938 foi organizado pela embaixada alemã. Os brasileiros serviram apenas como instrumentos de um plano que visava entregar o país ao governo alemão. Naturalmente se não fosse o auxílio dos agentes alemães eles jamais o teriam realizado, pois não tinham capacidade nem coragem para tal!"
(Getúlio Vargas)

O presidente Getúlio Vargas discursa no Ministério da Educação
(Rio de Janeiro, 07/09/1952)
Foto: Acervo UH/Arquivo do Estado/Folhapress
A Repressão Política e a Tortura no Estado Novo

O Estado Novo foi instalado, segundo o preâmbulo da Constituição de 1937, para atender "às legítimas aspirações do povo brasileiro à paz política e social, profundamente perturbada por conhecidos fatores de desordem resultantes da crescente agravação dos dissídios partidários, que uma notória propaganda demagógica procura desnaturar em luta de classes, e do extremamento de conflitos ideológicos, tendentes, pelo seu desenvolvimento natural, a resolver-se em termos de violência, colocando a Nação sob a funesta iminência da guerra civil". O preâmbulo prossegue dizendo:


  • Atendendo ao estado de apreensão criado no país pela infiltração comunista, que se torna dia a dia mais extensa e mais profunda, exigindo remédios, de caráter radical e permanente;
  • Atendendo a que, sob as instituições anteriores, não dispunha, o Estado de meios normais de preservação e de defesa da paz, da segurança e do bem-estar do povo;
  • Resolve assegurar à Nação a sua unidade, o respeito à sua honra e à sua independência, e ao povo brasileiro, sob um regime de paz política e social, as condições necessárias à sua segurança, ao seu bem-estar e à sua prosperidade, decretando a seguinte Constituição, que se cumprirá desde hoje em todo o Pais.


Houve, então, repressão rigorosa ao comunismo, amparada pela Lei de Segurança Nacional, durante todo o Estado Novo, não ocorrendo mais nenhum movimento revolucionário do tipo da Intentona Comunista ocorrida em 1935. Não houve, no entanto, criação de uma "Polícia Política" como aquela que existiu no Estado Novo português, a Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE), não existindo ainda uma Polícia Federal no Brasil, e as polícias estaduais mantiveram-se sob o comando dos interventores federais nos estados. Na vida civil, manteve-se em vigor o Código Civil Brasileiro de 1916, e, um novo Código Penal, mais liberal, foi adotado durante o Estado Novo.

A mais forte crítica a essa repressão se refere a torturas ocorridas na chefatura de polícia da cidade do Rio de Janeiro, durante a gestão de Filinto Müller (1933-1942), e se generalizou as acusações, por alguns críticos do Estado Novo, como tendo ocorrido tortura em todo o Brasil, embora nenhum estudo afirme que Getúlio Vargas tinha conhecimento das torturas ou ordenasse as torturas que ocorreram na chefatura de polícia da cidade do Rio de Janeiro durante o Estado Novo.

Sobre essa polícia civil da cidade do Rio de Janeiro, Getúlio Vargas, relatou no balanço do que fez do seu primeiro ano de governo, em 3 de outubro de 1931, as mudanças feitas naquele órgão:

Getúlio Vargas descreveu a situação encontrada na Polícia do Distrito Federal (Rio de Janeiro) quando assumiu o governo em 1930:

"A Polícia Civil do Distrito Federal, sob o governo revolucionário, redimiu-se perante a opinião pública; era, em verdade, um dos departamentos que mais baixo desceram no conceito geral do país. Esse departamento deixara, há muito, de ser o aparelho da ordem, para se transformar numa organização terrorista, cuja fama já se estendia, com o prestígio de coisas sinistras, para além de nossas fronteiras!"
(Getúlio Vargas)

E relatou as providências tomadas no seu primeiro ano de governo:

"Em dois sentidos se orientou a ação do Governo Provisório na Polícia Civil: O primeiro se operou pela substituição intransigente dos elementos corruptos por outros de idoneidade comprovada. Modificada a mentalidade policial, outra medida, porém, se impunha: - subtraí-la à influências subalternas, fossem de caráter político ou não, a fim de que não viesse a sofrer, com o correr dos dias, novas deformações ou desvios!"
(Getúlio Vargas)

Estas reformas na Polícia do Distrito Federal, relatadas por Getúlio Vargas, seguiu as sugestões da "Comissão da Reforma da Polícia Civil do Distrito Federal", durante a gestão do chefe de polícia João Batista Luzardo.

O almirante Ernâni do Amaral Peixoto, que foi interventor federal no Estado do Rio de Janeiro durante o Estado Novo (1937-1945), no livro "Artes da Política - Diálogo Com Amaral Peixoto", deu um depoimento sobre a atuação de capitão Filinto Müller como policial:

"O Filinto era um policial excelente. Era como aquele Ramos de Freitas, que fui obrigado a demitir por excessos. A polícia no tempo do Filinto funcionava muito bem. Agora, funcionava como ele queria."
(Ernani do Amaral Peixoto)

Para fiscalizar essa Policia Civil do Distrito Federal, foi criado, pelo decreto-lei nº 5.504, de 20 de maio de 1943, a Corregedoria de Polícia do Distrito Federal.

Assim, é relatado, por vários autores, em biografias de alguns dos opositores do Estado Novo, a prisão e a tortura sofridas por eles, mas, sem poder afirmar o envolvimento direto da pessoa de Getúlio Vargas com torturas. Assim sucede com as torturas sofridas por Patrícia Rehder Galvão (Pagu), Carlos Marighella e Joaquim Câmara Ferreira, que perdeu as unhas na prisão.

Vários autores, porém, acusam diretamente Getúlio Vargas de cerceamento dos direitos e garantias individuais durante o Estado Novo, questão exposta assim, por Getúlio Vargas, em São Paulo, em 23 de julho de 1938:

"O Estado Novo não reconhece direitos de indivíduos contra a coletividade. Os indivíduos não têm direitos, têm deveres! Os direitos pertencem à coletividade! O Estado, sobrepondo-se à luta de interesses, garante os direitos da coletividade e faz cumprir os deveres para com ela!"
(Getúlio Vargas)

O site Opinião e Notícia, na série "A Era Vargas", acusa Getúlio Vargas de uma série de crimes, descrevendo o Estado Novo como um regime de terror:

"A perseguição implacável do regime de Vargas a seus opositores (reais e imaginários), cujos métodos envolviam fartamente o emprego da tortura, violência, deportação e assassinato, foi apenas uma das facetas, talvez a mais conhecida, desse período."

A advogada Marina Pasquini Toffolli diz que "com o advento do Estado Novo, no denominado período Getuliano, iniciado em 1937, o Brasil vivenciou uma ditadura que espargiu o terror e edificou a barbárie em todo o seu território, suprimindo todas as garantias individuais, fechando o parlamento federal, estadual e municipal. Também estabeleceu acentuada censura aos órgãos de imprensa e fortaleceu, sobremaneira, os departamentos policiais destinados à repressão política e social."

O pesquisador estadunidense R.S. Rose foi o primeiro civil a passar meses examinando os arquivos secretos da polícia, na cidade do Rio de Janeiro, pesquisa reunida no livro "One Of The Forgotten Things: Getúlio Vargas And Brazilian Social Control - 1930-1954" (Uma Das Coisas Esquecidas: Getúlio Vargas e o Controle Social Dos Brasileiros - 1930-1954). Segundo ele, que vê o Estado Novo como tendo sido um regime impopular que precisou de "coagir o povo" para se manter, "durante o domínio de Vargas, a qualidade e quantidade de abusos contra os direitos humanos atingiram níveis sem precedentes. A violência, como meio de coagir o povo, era evidente em todos os setores do aparato de segurança. [...] As forças policiais da nação redefiniram e em alguns casos reinventaram a tortura que já ocorria no Brasil desde os tempos coloniais. A crueldade de seus métodos foi equiparada apenas pelo fervor com que esse exemplo foi seguido pelas gerações posteriores."

Porém, sobre a popularidade de Getúlio Vargas durante o Estado Novo, a revista O Mundo Ilustrado, suplemento especial de outubro de 1954, diz que foi durante o Estado Novo que Getúlio Vargas conheceu sua maior popularidade e, abaixo de uma foto de Getúlio Vargas sendo ovacionado, assim definiu seu prestígio durante o Estado Novo:

"O prestígio popular do Presidente Vargas cresceu ainda mais depois da proclamação do Estado Novo. Nunca um chefe de estado foi tão querido em nosso país pelo seu povo. Este seu prestígio não mais diminuiu, continuando Vargas querido até sua morte trágica."

No livro "Falta Alguém em Nuremberg: Torturas da Polícia de Felinto Strubling Müller", o jornalista David Nasser enumera algumas das formas de tortura mais comuns nas prisões do Estado Novo.

No romance "Os Subterrâneaos da Liberdade" (1952), o escritor baiano Jorge Amado conta "detalhes da repressão ao Partido Comunista Brasileiro, das censuras, torturas e prisões" durante o Estado NovoJorge Amado foi preso por duas vezes, em 1936 e 1937, sob a acusação de subversão por envolvimento com a Intentona Comunista. Em 1937, seus livros foram queimados em praça pública em Salvador. "Os Subterrâneos da Liberdade" foi escrito em Praga, na Checoslováquia, onde ele viveu depois de ter sido exilado, em 1948.

Por outro lado, Tancredo Neves, que foi ministro da Justiça de Getúlio Vargas de 1953 a 1954, avaliou assim, no livro "Tancredo Fala de Getúlio", a ação de Getúlio Vargas como ditador:

"Ele se esforçou para se projetar na história como um ditador singular, porque foi um ditador progressista, um ditador humanitário. Em que pese uma ou outra acusação de violência, o povo não aceita o Getúlio como um ditador violento."
(Tancredo Neves)

Getúlio Vargas (14/10/1951)
As Realizações do Estado Novo

No Estado Novo foram criados o Conselho Nacional do Petróleo, o Departamento Administrativo do Serviço Público pelo decreto-lei nº 579, de 30 de julho de 1938, com o objetivo de racionalizar a administração pública e que foi extinto, pelo decreto nº 93.211, de 3 de setembro de 1986, a Companhia Siderúrgica Nacional, a Companhia Nacional de Álcalis pelo decreto-lei nº 5.684, de 20 de julho de 1943, a Companhia Vale do Rio Doce pelo decreto-lei nº 4.352, de 1 de junho de 1942, o Instituto de Resseguros do Brasil pelo decreto-lei nº 1.186, de 3 de abril de 1939, a Companhia Hidrelétrica do São Francisco, o Conselho Federal do Comércio Exterior, a Lei da Sociedade Anônima e a Estrada de Ferro Central do Brasil, através do decreto-lei nº 3.306, de 24 de maio de 1941, foi reorganizada como autarquia e ampliada sua funções.

Getúlio Vargas deu os primeiros passos para a criação da indústria aeronáutica brasileira. Foi criada a Fábrica Nacional de Motores (FNM), inicialmente planejada para ser fábrica de aviões, e que posteriormente produziu tratores e o caminhão "FNM". Getúlio Vargas se empenhou pessoalmente, também, desde 1933, em criar a Fábrica de Aviões de Lagoa Santa, Minas Gerais, a qual enfrentou dificuldades devido à Segunda Guerra Mundial e de ordem técnica. Produziu algumas unidades dos aviões T-6 e foi fechada em 1951.

Em março de 1942, Brasil, Inglaterra e Estados Unidos assinaram os Acordos de Washington com objetivo de cooperação mútua no esforço de guerra, recebendo, o Brasil, empréstimos e ampliando a exportação de minérios e de borracha. Pelo decreto-lei nº 4.523, de 25 de julho de 1942, foi criado a Comissão de Controle dos Acordos de Washington.

Na obra de modernização das forças armadas, destacam-se a criação do Ministério da Aeronáutica e da Força Aérea Brasileira, a construção de um novo quartel-general do exército, de novos quarteis e vilas militares, da nova escola militar em Resende, Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), criação de fábricas de armamentos para reduzir a dependência externa e novas leis de organização do exército, de promoções, de ensino, montepio e o Código de Justiça Militar.

No dia 8 de julho de 1938, terminou a era do cangaço no Brasil, conflito existente desde o fim do século XIX, com a morte, em Sergipe, de seu último líder, Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião.

Foi estimulada, pela Comissão Nacional do Gasogênio, a produção do combustível gasogênio, que abasteceu os automóveis brasileiros durante a Segunda Guerra Mundial, quando ficou restrita a importação de petróleo e derivados. Foi criada a nova moeda, o Cruzeiro, que fora planejado quando Getúlio Vargas fora ministro da fazenda de Washington Luís.

Foi criado, pelo decreto-lei nº 14, de 25 de setembro de 1937, o Conselho Técnico de Economia e Finanças (CTEF), que segundo o jornal Valor Econômico foi o "corolário de um exercício de supervisão das condições financeiras do país, efetuado desde o início do governo de Getúlio Vargas".

Pelo decreto-lei nº 483, de 8 de junho de 1938, foi criado o Código Brasileiro do Ar, para regular o transporte aéreo, que vigorou até 1966, quando foi substituído por outro código homônimo.

Foi criada a primeira lei abrangente no Brasil sobre entorpecentes, estabelecida no decreto-lei nº 891 de 25 de novembro de 1938. Houve uma reforma ortográfica, em 1943, com a publicação do Formulário Ortográfico de 1943, simplificando a grafia da língua portuguesa, com base no decreto-lei nº 292 de 23 de fevereiro de 1938.

Foi criado o Museu Imperial, em Petrópolis, pelo decreto-Lei nº 2096, de 20 de março de 1940.

O decreto-lei 395 de 29 de abril de 1938, declara de utilidade pública o abastecimento nacional de petróleo, torna de competência exclusiva do governo federal a regulamentação da indústria do petróleo e cria o Conselho Nacional do Petróleo. Em 1939, em Lobato, Salvador, na Bahia, pela primeira vez, no Brasil, foi extraído petróleo.

Foi construída e entregue a estrada Rio-Bahia, a primeira ligação rodoviária entre o centro-sul e o nordeste do Brasil. A Rio-Bahia se estendia até Feira de Santana e, desta cidade até Fortaleza, foi construída, por Getúlio Vargas, a Rodovia Transnordestina, atual BR-116. Sobre esta rodovia, concluída em 1945, Getúlio Vargas declarou na campanha presidencial de 1950:

"Só nos primeiros dez anos que se seguiram à Revolução de 1930, a rede rodoviária do Nordeste alcançou quase o dobro de extensão. As principais linhas-tronco que ligam as capitais dos estados e as maiores cidades foram quase todas concluídas no meu governo. No começo de 1945 estavam entregues ao tráfego 1.234 quilômetros da grande rodovia Transnordestina, que liga Fortaleza a Salvador e atravessa as mais ricas regiões econômicas do Ceará, Pernambuco e do norte da Bahia."
(Getúlio Vargas)

Essas estradas fizeram ampliar em muito a migração de nordestinos para o centro-sul do Brasil, a maioria vindos em caminhões apelidados de "Paus-de-Arara". Antes de sua existência, as viagens para o Norte eram feitas principalmente em navios chamados de "Itas".

Foi promulgado o Código Penal Brasileiro, a Lei das Contravenções Penais, o Código de Processo Penal Brasileiro, e a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), todos até hoje em vigor.

Foi criado o Código Brasileiro de Trânsito.Código de Processo Civil, de 1939, ainda vigora parcialmente. Pelo decreto-lei nº 1.985, de 29 de janeiro de 1940, foi instituído o Código de Minas, que teve vigência até 1967, quando foi substituído pelo Código de Mineração. O Decreto-Lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945, estabeleceu a Lei de Falências, que vigorou até 2.005. Pelo decreto-lei nº 2.994, logo substituído pelo decreto-lei nº 3.651, foi criado o primeiro Código Nacional de Trânsito brasileiro.

Getúlio Vargas criou, no Estado Novo, a Justiça do Trabalho, no dia 1 de maio de 1939, pelo decreto-lei nº 1.237. Criou o salário mínimo, e concedeu a estabilidade no emprego do trabalhador, após de dez anos no emprego. Em 28 de novembro de 1940, foi assinado, em Washington, DC, pelo Brasil e por mais 13 países produtores de café e os Estados Unidos, o "Acordo Interamericano do Café", visando regular seu o preço e o comércio internacional.

Em 1942 foi criado o território de Fernando de Noronha. Em 1943, foram criados o Território Federal do Guaporé, atual Rondônia, o Território Federal do Rio Branco, atual Roraima, e o Território Federal do Amapá. Foram também criados os territórios federais do Iguaçu e de Ponta Porã, que não prosperaram. O fator decisivo para Getúlio Vargas criar os territórios foi sua visita, durante o Estado Novo, ao Centro-Oeste do Brasil, quando, segundo diz em seu "diário", ficou impressionado com o vazio populacional do interior do Brasil. Getúlio Vargas considerava o Brasil Central, de antigamente, como sendo "uma vasta solidão inaproveitada".

O norte do Paraná, até então despovoado, foi colonizado e povoado através de um grande projeto de colonização feito pela iniciativa privada, especialmente pela Companhia de Terras do Norte do Paraná, a Cianorte. Este esforço de ocupar o interior do Brasil foi chamado, por Getúlio Vargas, de "Marcha Para o Oeste".

Em 1940, Cassiano Ricardo publicou um livro com este título "Marcha Para o Oeste". O empresário da mineração Jorge Abdalla Chamma, em seu livro "Por Um Brasil Melhor", detalha os esforços do Estado Novo para implantar um polo siderúrgico em Corumbá. Quanto à preocupação de Getúlio Vargas com a "Marcha Para o Oeste", em 10 de setembro de 1950, na sua campanha para presidente da república, fez um discurso em Uberaba atribuindo aos criadores do gado Zebu o desenvolvimento do Triângulo Mineiro e do Brasil Central:

"Lutando contra opiniões que combatiam a introdução do gado zebu no Brasil, os fazendeiros do Triângulo Mineiro apoiados exclusivamente no seu próprio trabalho e nos seus próprios recursos arrostaram todos os percalços da tremenda luta que se feriu, e que, afinal, lhes conferiu incontestada vitória. De então para cá, o Brasil Central passou a ter expressão econômica, transformando-o de uma vasta solidão inaproveitada, que era então, no grande reduto econômico e francamente ativo da atualidade."
(Getúlio Vargas)

Foi implantada, pelo decreto-lei nº 5.941, de 28 de outubro de 1943, a Colônia Agrícola Nacional Dourados que possibilitou a colonização e expansão da agricultura no sul do atual Mato Grosso do Sul. Foi feito o saneamento da Baixada Fluminense. Foi criada, pelo decreto-lei nº 6.882, de 19 de fevereiro de 1941, a Colônia Nacional Agrícola de Goiás.

O decreto-lei nº 3.855, de 21 de fevereiro de 1941, estabeleceu o Estatuto da Lavoura Canavieira, o qual, em um discurso pronunciado em 12 de janeiro de 1947, em Recife, Getúlio Vargas assim o definiu:

"A primeira lei da reforma agrária do Brasil surgiu em vosso benefício com o "Estatuto da Lavoura Canavieira". Não prometi: fiz. Realizei a maior reforma social do século com esse estatuto, equilibrando o direito real com os direitos do trabalho."
(Getúlio Vargas)

Sobre os açudes que construiu no Nordeste do Brasil, em um comício, em Fortaleza, em 12 de janeiro de 1947, Getúlio Vargas disse:

"Durante quase meio século (de 1877 a 1930) se represaram apenas 650 milhões de metros cúbicos de água para lutar contra a seca. Em 14 anos meu governo fez represar açudes para quase três bilhões de metros cúbicos e deixou obras prontas para mais quatro bilhões de metros cúbicos. Em pouco mais de um decênio, 10 vezes mais que em meio século."
(Getúlio Vargas)

Foi incentivado a ocupação da Amazônia por brasileiros oriundos de outras regiões, especialmente o nordeste do Brasil, para a extração de borracha, para ser exportada para os Estados Unidos, pois este país perdera o fornecimento de borracha vindo do sudeste asiático, em virtude da Segunda Guerra Mundial. Esses migrantes ficaram conhecidos como os "Soldados da Borracha". Pela lei nº 12.447, de 15 de julho de 2011, os "Soldados da Borracha" foram inscritos no Livro dos Heróis da Pátria.

Em 1944, o Brasil participou da Conferência de Bretton Woods, que resultou na criação do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial.

O decreto-lei nº 6.378, de 28 de março de 1944, transformou a Polícia Civil do Rio de Janeiro em Departamento Federal de Segurança Pública (DFSP), que em 1964, passou a ter atuação em âmbito nacional, e passou a se chamar, em 1967, Polícia Federal.

Pelo decreto-lei nº 7.293, de 2 de fevereiro de 1945, foi criada a Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC), dizendo o seu artigo 1º: "É criada, diretamente subordinada ao Ministro da Fazenda, a Superintendência da Moeda e do Crédito, com o objetivo imediato de exercer o controle do mercado monetário e preparar a organização do Banco Central". A Superintendência da Moeda e do Crédito exerceu esta função de controle da moeda até a criação do Banco Central do Brasil, em 1964.


Política Externa de Getúlio Vargas 1930-1940

No livro "A revolução e a América - O Presidente Getúlio Vargas e a Diplomacia (1930-1940)", que reúne textos de Oswaldo Aranha e José Roberto de Macedo Soares, é relatado que assumindo o governo do Brasil, em 1930, Getúlio Vargas reconheceu e acatou todos os compromissos assumidos pelo Brasil no exterior, o que facilitou o reconhecimento diplomático do Governo Provisório.

O governo Getúlio Vargas mediou o restabelecimento de relações diplomáticas entre o Peru e o Uruguai; recebeu, em 1931, a visita dos aviadores italianos e dos príncipes britânicos; assinou, em 1934, o Protocolo de Amizade entre Peru e Colômbia, pondo fim à Questão de Letícia; fez a demarcação de 4.535 quilômetros de fronteiras entre 1930 e 1940; promoveu a conciliação entre Bolívia e Paraguai, pondo fim à Guerra do Chaco; conseguiu, por intermédio do presidente Roosevelt, um empréstimo do "Export And Import Bank" utilizado em obras públicas e compras para o Lloyd Brasileiro e a Estrada de Ferro Central do Brasil; instalou, em 1940, no Rio de Janeiro, a Comissão Interamericana de Neutralidade; firmou 86 atos internacionais e 122 acordos bilaterais; criou, em 1934, o Conselho Federal de Comércio Exterior; criou, em 1938, o Conselho de Imigração e Colonização, e, em 1939, o Conselho de Defesa da Economia Nacional.


O Brasil na Segunda Guerra Mundial

Com o início da Segunda Guerra Mundial, em 1 de setembro de 1939, Getúlio Vargas manteve um posicionamento neutro até 1941. Neutralidade esta que foi regulamentada pelo decreto-lei nº 1.561, do dia 2 de setembro de 1939, e que ordenava:

Artigo 1º: O Governo do Brasil abster-se-á de qualquer ato que, direta ou indiretamente, facilite, auxilie ou hostilize a ação dos beligerantes. Não permitirá também que os nacionais ou estrangeiros, residentes no país, pratiquem ato algum que possa ser considerado incompatível com os deveres de neutralidade do Brasil.

No início de 1942, durante a conferência dos países sul-americanos no Rio de Janeiro, estes países, a contragosto de Getúlio Vargas que temia represálias dos alemães, decidiram condenar os ataques japoneses aos Estados Unidos, em 7 de dezembro de 1941, rompendo relações diplomáticas com os países do Eixo: Alemanha, Itália e Japão. Sobre a necessidade do Brasil manter a neutralidade, Getúlio Vargas explicou, em discurso pronunciado no Senado Federal, em 13 de dezembro de 1946:

"Hitler costumava afastar da vida os chefes de estado que se não afastavam do seu caminho e eu mesmo tivera uma experiência desses hábitos (O Levante Integralista que Getúlio atribuiu à Embaixada Alemã no Brasil). Para que minha missão pudesse ser cumprida precisava viver e contemporizar. A linha de neutralidade rigorosa era a única defesa."
(Getúlio Vargas)

Os Estados Unidos estavam preparados para invadir o nordeste, caso Getúlio Vargas insistisse em manter a neutralidade do Brasil. Sobre a pressão norte-americana para que o Brasil entrasse na guerra, Getúlio Vargas registra no seu "Diário", no dia 12 de janeiro de 1942 que:

"Parece-me que os americanos querem nos arrastar à guerra, sem que isso seja de utilidade, nem para nós, nem para eles."
(Getúlio Vargas)

Logo após o rompimento de relações diplomáticas com o Eixo, como previra Getúlio Vargas, começaram os ataques e afundamento de vários navios brasileiros por submarinos alemães, causando centenas de vítimas civis brasileiras. No total, 21 submarinos alemães e 2 italianos afundaram trinta e seis navios mercantes brasileiros, causando 1691 náufragos e 1074 mortes. Getúlio Vargas declara estado de guerra no país no dia 31 de agosto de 1942. Encontra-se no mês de janeiro de 1943 em Natal com o presidente Franklin Delano Roosevelt que voltava da Conferência de Casablanca, decidindo-se por se construírem bases aéreas no Nordeste do Brasil. Getúlio Vargas contou aos repórteres da Revista do Globo, em 1950, que declarou guerra ao Eixo a pedido do povo:

"O Povo por várias vezes fora até o Palácio Guanabara pedir a declaração de guerra. Com razão fazia este pedido: não podíamos deixar passar aqueles brutais atentados contra a nossa Marinha sem tomar uma atitude."
(Getúlio Vargas)

Os pracinhas da Força Expedicionária Brasileira (FEB), perfazendo um total de 25 mil homens, foram enviados, a partir de julho de 1944, para combater, na Itália, o exército alemão. O símbolo da FEB era a "Cobra Fumando" pois Getúlio Vargas dissera:

"É mais fácil uma cobra fumar do que o Brasil entrar na Guerra!"
(Getúlio Vargas)

Das tropas enviadas à Itália, 454 homens morreram em combate e foram enterrados no cemitério de Pistoia, na Itália. Em 8 de maio de 1945, a guerra acabou na Europa. O historiador Frank McCann, afirma que o Brasil foi convidado a fazer parte da ocupação da Áustria. Porém, Getúlio Vargas optou por desmobilizar a Força Expedicionária Brasileira enquanto esta ainda estava na Itália. Antes do ano de 1945 terminar, os soldados já estavam voltando para casa. Sobre o apoio de Getúlio Vargas aos Estados Unidos e seus aliados na Segunda Guerra Mundial, o presidente dos Estados Unidos, à época, disse:

"Vargas, um ditador a serviço da democracia!"
(Franklin Roosevelt, presidente dos Estados Unidos)


Declínio e Fim do Estado Novo

O próprio Getúlio Vargas, no "Diário", em 27 de janeiro de 1942, já demonstrava reservas quanto ao futuro do Estado Novo afirmando que:


"Grande parte desses elementos que aplaudem esta atitude (romper relações diplomáticas com a Alemanha) são os adversários do regime que fundei (o Estado Novo), e chego a duvidar que possa consolidá-lo para passar tranquilamente o governo ao meu substituto."
(Getúlio Vargas)

Na série de entrevistas à Revista do Globo, edições de números 503 a 510 e republicadas em suplemento especial em agosto de 1950, Getúlio Vargas contou sobre o acidente de automóvel em 1 de maio de 1942, que o imobilizou. O "Diário" de Getúlio Vargas também foi encerrado naquele momento. Afirmando à revista que:

"Teoricamente o 29 de outubro (de 1945, data do fim do Estado Novo) nasceu em 1 de maio de 1942."
(Getúlio Vargas)

A partir de um boato sobre o acidente o qual dizia que Getúlio Vargas levara uma pancada na cabeça e sofria das faculdades mentais, começou-se, então, a conspirar-se para a escolha de um sucessor de Getúlio Vargas na chefia do Estado Novo. Surgiu um bloco liderado pelo ministro da guerra Eurico Gaspar Dutra e outro pelo chanceler Osvaldo Aranha:

"Durante quinze dias permaneci recolhido ao meu quarto, sob terríveis sofrimentos físicos, imobilizado pelos aparelhos de redução de fraturas. Não despachava com nenhum ministro e mesmos os meus amigos mais íntimos não tinham permissão de me visitar."
(Getúlio Vargas)

Getúlio Vargas e Alzira Vargas, relatam em seguida, desavenças entre ministros, intrigas e exonerações, e o distanciamento cada vez maior dos antigos aliados de 1930 da pessoa de Getúlio Vargas e do seu governo. Em 24 de outubro de 1943, aniversário da vitória da Revolução de 1930, ocorreu o primeiro protesto organizado contra o Estado Novo, em Minas Gerais, chamado Manifesto dos Mineiros, redigido e assinado por advogados mineiros, muitos dos quais se tornariam importantes próceres políticos da União Democrática Nacional (UDN), como José de Magalhães Pinto, Pedro Aleixo e Bilac Pinto.

A entrevista, em 22 de fevereiro de 1945, de José Américo de Almeida a Carlos Lacerda, publicada no jornal Correio da Manhã, do Rio de Janeiro, marca o fim da censura à imprensa no Estado Novo, e simbolizou o enfraquecimento do regime. Em 28 de fevereiro de 1945, através do Ato Adicional nº 9, é feita uma reforma liberalizante da Constituição de 1937, estabelecendo, entre outras medidas como maior autonomia para os estados e municípios, são estabelecidos critérios e prazos para se marcar a eleição para a presidência da república e criada uma Câmara dos Deputados. No livro "O Que Tem Feito o Presidente Getúlio Vargas", de Mozart da Gama e Gilson Henriques, de 1945, é explicado que mesmo antes de terminado a Segunda Guerra, Getúlio Vargas tomou medidas liberalizantes.

Em 18 de abril de 1945, foi decretada a anistia geral para todos os condenados por crimes políticos praticados a partir de 16 de julho de 1934, data da promulgação da Constituição de 1934. Com o fim da segunda guerra mundial e a volta dos pracinhas, começou a haver grande pressão política para o fim do Estado Novo. Foi, então, liberada a criação de partidos políticos. Foram marcadas, em 28 de maio de 1945, as eleições para presidente da República e para uma Assembleia Nacional Constituinte. A popularidade de Getúlio Vargas, porém, continua grande, sendo muito aplaudido na sua última grande aparição pública no dia do trabalho em 1 de maio de 1945.

Surgiu, então, um movimento chamado Queremismo liderado pelo empresário Hugo Borghi, que usava os slogans "Queremos Getúlio" e "Constituinte Com Getúlio". Ou seja, propunham que primeiro se fizesse uma nova constituição e só depois se fizesse eleição para a presidência da República. O crescimento do Queremismo precipitou a queda de Getúlio Vargas.

Em 20 de agosto de 1945, o Queremismo realizou seu grande comício no Largo da Carioca, no Rio de Janeiro. Segundo Menotti del Picchia, no seu livro "A Revolução Paulista", a frase "Queremos Getúlio" surgiu em 1930, durante a Revolução de 1930, e era um refrão cantado pelo povo nas ruas.

Getúlio Vargas foi deposto em 29 de outubro de 1945, por um movimento militar liderado por generais que compunham o próprio ministério, na maioria ex-tenentes da Revolução de 1930, como Góis Monteiro, Cordeiro de Farias, Newton de Andrade Cavalcanti e Ernesto Geisel, entre outros. Getúlio Vargas renunciou formalmente ao cargo de presidente da República. Terminara assim, o que Getúlio Vargas chamou, na comemoração do dia do trabalho de 1945, de "um curto prazo de 15 anos" durante os quais, segundo ele, o Brasil progredira muito.

"A qualquer observador de bom senso não escapa a evidência do progresso que alcançamos no curto prazo de 15 anos. Éramos, antes de 1930, um país fraco, dividido, ameaçado na sua unidade, retardado cultural e economicamente, e somos hoje uma nação forte e respeitada, desfrutando de crédito e tratada de igual para igual no concerto das potências mundiais!"
(Getúlio Vargas)

O general Eurico Gaspar Dutra já havia deixado o Ministério da Guerra em 9 de agosto de 1945, para se candidatar à presidência da república. Sem Eurico Gaspar Dutra, Getúlio Vargas ficou enfraquecido, o que facilitou sua deposição. Eurico Gaspar Dutra, porém, deu apoio ao golpe de estado. O pretexto para o golpe de estado foi a nomeação de um irmão de Getúlio Vargas, Benjamim Vargas, o Bejo, mais tarde coronel e Comendador da Ordem Militar de Cristo a 11 de dezembro de 1941, para chefe da polícia do Rio de Janeiro. O coronel João Alberto Lins de Barros deixou o cargo por se opor às manifestações públicas do Movimento QueremistaJoão Alberto, revolucionário da década de 1920, era amigo do também revolucionário Eduardo Gomes, candidato da União Democrática Nacional (UDN) à presidência, e não aceitou o Queremismo, conforme relatou a citada reportagem da Revista do Globo, em agosto de 1950.

Getúlio Vargas foi substituído por José Linhares, presidente do Supremo Tribunal Federal e o substituto direto, pois pela Constituição de 1937 não existia a figura do vice-presidente. José Linhares tornou-se, então, presidente interino, ficando três meses no cargo, até passar o poder ao presidente eleito Eurico Gaspar Dutra que foi eleito em 2 de dezembro de 1945, e tomou posse na presidência da república em 31 de janeiro de 1946.


O Intervalo 1945 - 1950

Getúlio Senador da República e Seu Apoio à Candidatura Dutra

Getúlio Vargas foi afastado do poder sem sofrer nenhuma punição, nem mesmo o exílio, como o que ele próprio impusera ao presidente Washington Luís ao depô-lo. Não teve os seus direitos políticos cassados e não respondeu a qualquer processo judicial. Retirou-se para sua estância em São Borja, a Estância Santos Reis, no Rio Grande do Sul.

Getúlio Vargas apoiou a candidatura do general Eurico Gaspar Dutra, o ex-ministro da Guerra (hoje Comando do Exército) durante todo o Estado Novo, à presidência da República. O apoio a Eurico Gaspar Dutra era uma das condições negociadas para que Getúlio Vargas não fosse exilado. Serviu de lema para a campanha eleitoral de Eurico Gaspar Dutra, uma frase de Hugo Borghi, publicada em jornais e panfletos, logo após Hugo Borghi voltar de São Borja, no dia 24 de novembro de 1945, e ter conseguido o apoio de Getúlio Vargas à candidatura de Eurico Gaspar Dutra:

"Ele disse: Vote em Dutra"

Getúlio Vargas não aceitava apoiar Eurico Gaspar Dutra pois  o considerava um traidor que tinha apoiado o golpe de 29 de outubro, porém, Hugo Borghi fez Getúlio Vargas mudar de ideia, afirmando que, se a União Democrática Nacional (UDN) ganhasse, elegendo Eduardo Gomes presidente da república, haveria um desmanche das realizações do Estado Novo e uma possível retaliação a Getúlio Vargas. Em 28 de novembro de 1945, Getúlio Vargas lança uma "Mensagem ao Povo" pedindo voto em Eurico Gaspar Dutra. Nesta mensagem Getúlio diz:

"Estarei ao vosso lado e acompanhar-vos-ei até a vitória. Após esta, estarei ainda ao lado do povo contra o Presidente, se não forem cumpridas as promessas do candidato."
(Getúlio Vargas)

Eurico Gaspar Dutra venceu a eleição, derrotando Eduardo Gomes. Uma frase de Eduardo Gomes, pronunciada no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, em 19 de novembro, criticando Getúlio Vargas, lhe tirou muitos votos:

"Não necessito dos votos dessa malta de desocupados que apoia o ditador para eleger-me presidente da república!"
(Eduardo Gomes)

O empresário Hugo Borghi fez uma campanha intensa nas rádios, lançou panfletos e broches, afirmando que Eduardo Gomes tinha dito: "Não preciso dos votos dos marmiteiros!"

Na formação da Assembleia Nacional Constituinte de 1946, Getúlio Vargas foi eleito senador por dois estados: Rio Grande do Sul e São Paulo, pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), legenda que ajudou a criar, e pela qual foi também eleito representante à Câmara dos Deputados por seis estados e pelo Distrito Federal. Sobre a avaliação de seu governo de 1930 a 1945, Getúlio Vargas declarou, em entrevista coletiva à imprensa do Rio de Janeiro, em 4 de dezembro de 1946:

"Após o 29 de outubro, retirei-me para uma fazenda no interior do Rio Grande do Sul. Não me apresentei candidato a qualquer cargo eletivo.... Por um movimento espontâneo do povo, recebi cerca de um milhão e meio de votos em todo o Brasil."
(Getúlio Vargas)

E sobre ser julgado pela história e por seus contemporâneos, disse, em um discurso pronunciado no Senado Federal, em 13 de dezembro de 1946:

"A poucos homens é dada a suprema ventura de um julgamento da opinião pública contemporânea. Quase todos apelam para a 'Justiça de Deus Na Voz da História'. A mim foi concedida essa mercê com o sufrágio de 1.300.000 brasileiros que me outorgaram o mandato de senador por dois estados e de deputado pelo Distrito Federal e mais seis estados."
(Getúlio Vargas)

Getúlio Vargas também participou, em 1945, da criação do Partido Social Democrático (PSD), formado basicamente pelos ex-interventores estaduais do Estado Novo. Getúlio Vargas chegou a ser eleito presidente do PSD, mas passou o cargo a Benedito Valadares. Getúlio Vargas participou  pouco da Constituinte e foi o único parlamentar a não assinar a Constituição de 1946. Fez um único discurso na Assembleia Nacional Constituinte em 31 de agosto de 1946.

Assumiu o cargo no Senado como representante gaúcho, e exerceu o mandato de senador durante o período 1946 - 1947, quando proferiu cinco discursos relatando as realizações do Estado Novo e da Revolução de 1930 e criticando o governo Eurico Gaspar Dutra. O último discurso no Senado Federal foi em 3 de julho de 1947.

Além dos discursos no Senado Federal, antes de se recolher a São Borja em 1947, Getúlio Vargas participou de comícios em 10 capitais brasileiras defendendo os ideais e o programa do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e pedindo votos para candidatos, apoiados pelo PTB, nas eleições de 1947.

Deixando o Senado Federal, onde recebia muitas críticas, foi viver nas suas estâncias Itu e Santos Reis (na qual passara a infância), em São Borja, onde foi muito assediado por partidários para retornar à vida pública, especialmente por Ademar de Barros e Hugo Borghi. Também foi decisiva para sua volta à política, a amizade feita com o jornalista Samuel Wainer. Em agosto de 1950, em um suplemento especial da Revista do Globo, com a republicação de suas reportagens biográficas sobre Getúlio Vargas que tiveram grande repercussão, abaixo de uma foto de Getúlio montando um cavalo, foi colocada uma frase de João Neves da Fontoura tirada de uma expressão popular muito conhecida, a propósito da possível candidatura de Getúlio Vargas em 1950:

"Se o cavalo passar encilhado ele monta!"
(João Neves da Fontoura)


A Campanha Presidencial de 1950

Getúlio Vargas acabou aceitando voltar à política, resumindo assim sua campanha eleitoral, em Parnaíba:

"Recebi de vós, como de tantos outros pontos distantes do país, apelos para lançar-me nesta campanha que mobiliza o povo brasileiro na defesa dos direitos à liberdade e a vida!"
(Getúlio Vargas)

O slogan do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), que antecedeu à campanha eleitoral, foi o seguinte:

"Ele voltará!"
(Referindo-se a Getúlio Vargas)

Uma reportagem de O Globo, de 25 de fevereiro de 1996, página 3, assim descreve as lembranças da campanha eleitoral de 1950, guardadas por Alzira Vargas:

"Ele vai voltar! A frase, uma espécie de legenda para a fotografia de um Getúlio sorridente, está impressa em caixinhas de fósforo, cigarreiras, porta-níqueis, chaveiros, panfletos, cartazes, cartazes, lenços de seda e até mesmo em bolsinhas femininas."

A candidatura de Getúlio Vargas foi lançada no dia 19 de abril, dia de seu aniversário, depois da candidatura Eduardo Gomes da União Democrática Nacional (UDN). Getúlio Vargas disse naquela data:

"Se o meu sacrifício for para o bem do Brasil, levai-vos convosco!"
(Getúlio Vargas)

Em uma proclamação em Porto Alegre, em 9 de agosto de 1950, Getúlio Vargas declarou que só levou adiante sua candidatura à presidência da República quando ficou claro que não seria possível uma candidatura única de conciliação nacional:

"Quando a minha candidatura à presidência da República foi lançada pelo governador Ademar de Barros e pelo Diretório do Partido Trabalhista Brasileiro, dirigi ao senador Salgado Filho uma carta-manifesto, declarando-me pronto a renunciar em benefício de uma conciliação geral da política brasileira. Minha proposta não foi atendida e fui forçado a aceitar a minha candidatura, por imposição popular."
(Getúlio Vargas)

No discurso que pronunciou, em 16 de junho, pelo rádio, de São Borja, à convenção do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), seu partido político que o lançava candidato à presidência, destacou sua principal virtude - a conciliação:

"Se vencer, governarei sem ódios, prevenções ou reservas, sentimentos que nunca influíram nas minhas decisões, promovendo sinceramente a conciliação entre os nossos compatriotas e estimulando a cooperação entre todas as forças da opinião pública!"
(Getúlio Vargas)

Então, já com 68 anos, percorreu todas as regiões do Brasil, em campanha eleitoral, pronunciando, de 9 de agosto a 30 de setembro, em 77 cidades, discursos, nos quais relembrava suas obras nas regiões em que discursava. O primeiro discurso foi em Porto Alegre e o último de São Borja. Prometendo, em 12 de agosto, na cidade do Rio de Janeiro, que o povo subiria com ele as escadarias do Palácio do Catete:

"Se for eleito a 3 de outubro, no ato da posse, o povo subirá comigo as escadas do Catete. E comigo ficará no governo!"
(Getúlio Vargas)

Sobre ser acusado de "Pai dos Ricos", Getúlio Vargas disse, em discurso de 27 de agosto de 1950, em Recife:

"Os meus adversários continuam a atirar-me, ao mesmo tempo, a pecha de 'Pai dos Pobres' e 'Pai dos Ricos'. Como homem público, entretanto, nunca fui faccioso ou extremado. Antes de mais nada procurei agir com justiça e realizar o bem comum. Ricos e pobres são igualmente brasileiros. Se aos primeiros, muitos dos quais estiveram à beira da insolvência que agravaria a situação das classes desfavorecidas e dos assalariados, abri oportunidades de reerguimento e facilitei o crédito, consolidando as bases da agricultura e da indústria, também não desamparei os trabalhadores. Defendi-os contra a ganância dos exploradores, e rompendo resistências que se levantaram à minha ação, iniciei, com firmeza e segurança, a legislação trabalhista no Brasil!"
(Getúlio Vargas)

Uma síntese das dificuldades que Getúlio Vargas enfrentaria como candidato e como presidente é dada pela frase do escritor, político e jornalista Carlos Lacerda. Em uma manchete de jornal Tribuna da Imprensa, em 1 de junho de 1950, afirmou, a respeito de Getúlio Vargas:

"O senhor Getúlio Vargas, senador, não deve ser candidato à presidência,
Candidato, não deve ser eleito,
Eleito, não deve tomar posse,
Empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar."

Esta frase de Carlos Lacerda expressava, exatamente, a mesma visão que, em 1930, a Aliança Liberal tivera quanto à candidatura e posterior vitória eleitoral de Júlio Prestes, o Seu Julinho, último cidadão nascido no estado de São Paulo a ser eleito presidente do Brasil.

Carlos Lacerda retomou a frase de Artrur Bernardes no seu discurso de posse no Senado Federal, em 25 de maio de 1927, em que relembrava sua eleição presidencial de 1922:

"Não estará ainda na memória de todos o que fora a penúltima campanha presidencial? Nela se afirmava que o candidato não seria eleito; eleito não seria reconhecido, não tomaria posse, não transporia os umbrais do Palácio do Catete!"

E sobre este eterno drama das campanhas presidenciais, Getúlio tinha a frase:

"No Brasil não basta vencer a eleição, é preciso ganhar a posse!"
(Getúlio Vargas)


A Eleição de 1950

Getúlio Vargas foi eleito presidente da República, como candidato do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), em 3 de outubro de 1950, derrotando a União Democrática Nacional (UDN), que tinha como candidato novamente Eduardo Gomes, e o Partido Social Democrático (PSD), que tinha como candidato, o mineiro Cristiano Machado. Muitos membros do Partido Social Democrático (PSD) abandonaram o candidato Cristiano Machado e apoiaram Getúlio Vargas. Desse episódio é que surgiu a expressão "Cristianizar Um Candidato", que significa que um candidato foi abandonado pelo próprio partido político, como relata o jornalista Carmo Chagas em "Política Arte de Minas".

A data das eleições: 3 de outubro, era uma homenagem à data do início da Revolução de 1930.

Fundamental para sua eleição foi o apoio do governador de São Paulo, Adhemar Pereira de Barros, que tinha sido nomeado por Getúlio Vargas, durante o Estado Novo, em 1938, interventor federal em São Paulo. Em 1941 Adhemar foi exonerado, por Getúlio Vargas, do cargo de interventor. Assim a aliança com Adhemar foi mais um ato de reconciliação praticado por Getúlio Vargas.

Adhemar transferiu a Getúlio Vargas um milhão de votos paulistas, mais de 25% da votação total de Getúlio Vargas. Adhemar esperava que, em troca desse apoio em 1950, Getúlio Vargas o apoiasse nas eleições de 1955 para a presidência da República. O resultado final deu a Getúlio Vargas, 3.849.040 votos contra 2.342.384 votos dados ao brigadeiro Eduardo Gomes e 1.697.193 votos dados a Cristiano Machado.

João Batista Luzardo garantiu, em agosto de 1978, que foi Eurico Gaspar Dutra que garantiu a posse de Getúlio Vargas, não permitindo que nenhuma conspiração militar fosse adiante. A declaração de João Batista Luzardo está no livro "Dutra e a Democratização de 45", de Osvaldo Trigueiro do Vale:

"Havia uma corrente dentro do Exército que não queria empossar o Getúlio. Mas foi Dutra que mandou dizer, lá na minha estância em Santa Fé, em São Pedro, que ele ficasse tranquilo, pois ele na presidência cumpriria a constituição até o último dia de seu mandato, e passaria o governo a Getúlio, eleito pelo povo!"
(João Batista Luzardo)

O emissário de Eurico Gaspar Dutra fora enviado à Estância São Pedro, de propriedade de João Batista Luzardo, porque fora nesta estância que Getúlio Vargas se hospedara, depois de vencer as eleições de 3 de outubro de 1950, e assim descreveu a concorrida estadia de Getúlio Vargas na Estância São Pedro, a Revista do Globo, edição de 25 de novembro de 1950, na reportagem "O Descanso de Vencedor":

"Descanso em termos, porque, num só domingo, o próximo presidente da república recebeu exatamente 400 pessoas, das quais 160 vindas do Rio e 96 de São Paulo. Na Fazenda (Estância) São Pedro, Uruguaiana, o presidente eleito tem uma planície para galopar, um rio para navegar e uma torre onde pensar no melhor destino para 50 milhões de brasileiros. Mas só por uma enorme capacidade de recolhimento pode descansar enquanto atende os centenares de pessoas que diariamente cobrem todas as distâncias aéreas, marítimas, fluviais, terrestres e políticas que as separam de Getúlio Vargas!"
(Revista do Globo, 25/11/1950)


O Governo Eleito (1951 - 1954)

A volta de Getúlio Vargas foi saudada por muitos, inclusive na música popular brasileira, na voz de Francisco de Morais Alves:

"Bota o retrato do velho outra vez,
Bota no mesmo lugar,
o sorriso do velhinho,
faz a gente trabalhar."
(Haroldo Lobo e Marino Pinto - 1951)

Tancredo Neves, que foi seu ministro da Justiça, disse, no livro "Tancredo Fala de Getúlio", que, em seu segundo governo, Getúlio Vargas "tinha a preocupação de se libertar do ditador", e que disse a Tancredo Neves:

"Fui ditador porque as contingências do país me levaram à ditadura, mas quero ser um presidente constitucional dentro dos parâmetros fixados pela Constituição."
(Getúlio Vargas)

Uma Administração Polêmica

Getúlio Vargas tomou posse na presidência da república, em 31 de janeiro de 1951, no Palácio do Catete, sucedendo o presidente Eurico Gaspar Dutra. O seu mandato presidencial deveria estender-se até 31 de janeiro de 1956.

O ministério foi modificado duas vezes. Getúlio Vargas trouxe para o ministério antigos aliados do tempo da Revolução de 1930, com os quais se reconciliou: Góis Monteiro, no Estado Maior das Forças Armadas, Osvaldo Aranha, na Fazenda, João Neves da Fontoura e Vicente Rao, ambos nas Relações Exteriores, e ainda, Juracy Magalhães como o primeiro presidente da Petrobrás e Batista Luzardo como embaixador na Argentina. O ex-tenente de 1930, Newton Estillac Leal, foi ministro da Guerra até 1953. Reconciliou-se também com José Américo de Almeida, que, na época, governava a Paraíba e que se licenciou do cargo de governador para ser ministro da Viação e Obras Públicas a partir de junho de 1953.

Luís Vergara, secretário particular de Getúlio Vargas, de 1928-1945, na citada obra "Eu Fui Secretário de Getúlio", conta que Getúlio Vargas chamou o ministério empossado em 1951, de "Ministério de Experiência", o que causou mal estar entre os ministros. Luís Vergara diz que "conhecendo-se o hábito de Getúlio de só falar o mínimo e o justo, a sua precaução em não exceder os limites do oportuno e do indispensável, o 'cochilo' revelava um enfraquecimento nos controles de auto vigilância e da contenção da linguagem", a que Luís Vergara atribui a um começo de envelhecimento e ao esgotamento com "quinze anos ininterruptos em atividade governamental, preocupações multiplicadas, trabalho incessantes, crises políticas, acidentes pessoais e em pessoas da família".

Tancredo Neves contou também, em "Tancredo Fala de Getúlio", que a reconciliação de Getúlio Vargas com o ex-governador de Minas Gerais Benedito Valadares se deu por intermédio dele, Tancredo Neves.

Getúlio Vargas teve um governo tumultuado devido a medidas administrativas que tomou e devido as acusações de corrupção que atingiram seu governo.

Um polêmico reajuste do salário mínimo, em 100%, ocasionou, em fevereiro de 1954, um protesto público, em forma de manifesto à nação, dos militares, um dos quais foi Golbery do Couto e Silva, contra o governo, seguido da demissão do ministro do trabalho João Goulart.

Este "Manifesto dos Coronéis", também dito "Memorial dos Coronéis", foi assinado por 79 militares que, na sua grande maioria, eram ex-tenentes de 1930. Este "Manifesto dos Coronéis" significou uma redução do apoio ao governo Getúlio Vargas, na área militar, e, também, na área trabalhista, por conta da demissão de João Goulart.

"Todos nós, que tínhamos acesso ao palácio, constatamos porém que, após essa última crise política, uma sensível modificação se operava no comportamento de Getúlio Vargas. O homem alegre e comunicativo de antes havia se transformado num misantropo. A imagem, que passara a refletir, era de um solitário amargurado, abismado na sua misantropia sem confidentes, e que, com as mãos cruzadas nas costas - postura que lhe era característica -, vagava pelos salões do palácio, num típico alheamento de sonâmbulo. Entre os amigos, esta pergunta era obrigatória: Que há com o presidente?"
(Juscelino Kubitschek, sobre as consequências do "Manifesto dos Coronéis)

Foram também polêmicos os seguintes atos do segundo governo Getúlio Vargas:

  • A lei nº 1.521, de 26 de dezembro de 1951, sobre crimes contra a economia popular, ainda em vigor.
  • A lei nº 1.522, de 26 de dezembro de 1951, que autoriza o governo federal a intervir no domínio econômico para assegurar a livre distribuição de produtos necessários ao consumo do povo. Esta lei foi substituída pela lei delegada nº 4, em 26 de setembro de 1962.
  • O decreto nº 30.363, de 3 de janeiro de 1952, que dispôs sobre o retorno de capital estrangeiro, limitando-o a 8% do total dos lucros de empresas estrangeiras para o país de origem, revogado em 1991.
  • O decreto nº 31.546, de 6 de outubro de 1952, regulamentou o trabalho do menor aprendiz e vigorou até 2005.
  • A lei nº 1.802, de 5 de janeiro de 1953, que definia os crimes contra o Estado e a Ordem Política e Social, e que revogava a Lei de Segurança Nacional de 1935. A lei 1.802 vigorou até 1967 quando foi substituída por outra Lei de Segurança Nacional.
  • A lei n° 2004, de 3 de outubro de 1953, sobre o monopólio estatal da exploração e produção de petróleo, revogada em 1997.
  • A lei nº 2.083, de 12 de novembro de 1953, sobre a Liberdade de Imprensa que vigorou até 1967.
  • A Instrução Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc) nº 70, de 1953, que criou o câmbio múltiplo e os leilões cambiais.

Neste período, foram criados:

  • Em 20 de junho de 1952, pela lei nº 1.628, o BNDE, atual BNDES.
  • Em 19 de julho de 1952, pela lei nº 1.649, o Banco do Nordeste.
  • Pela lei nº 1.779, de 22 de dezembro de 1952, o Instituto Brasileiro do Café (IBC), o qual foi extinto em 1990.
  • Em 1953, a Petrobrás, no aniversário da Revolução de 1930, 3 de outubro, pela citada lei nº 2.004.
  • Em 29 de dezembro de 1953, a lei nº 2.145, criou a Carteira de Comércio Exterior (CACEX) do Banco do Brasil.
  • Em 11 de janeiro de 1954, foi criado o Seguro Agrário, pela lei nº 2.168, não revogada até hoje.

Getúlio Vargas sancionou a lei nº 2.252, de 1 de julho de 1954, que dispunha sobre a "Corrupção de Menores", esta lei vigorou até 2.009, revogada pela lei nº 12.015.

Em 1951, Getúlio Vargas enfrentou, pela segunda vez, uma grande seca no Nordeste (a primeira fora em 1932). Getúlio Vargas disse na "Mensagem ao Congresso Nacional", referente a 1951, que, nesse ano, dobrou o número de migrantes do Nordeste e do norte de Minas Gerais para São Paulo. Em 1950 foram 100.123, e, em 1951, 208.515 migrantes para São Paulo.

Houve uma grande mobilização nacional conhecida como a "Campanha o Petróleo é Nosso" em torno da criação da Petrobrás. Getúlio Vargas tentou, mas não conseguiu, criar a Eletrobrás, que só seria criada em 1961. Em 1954, entrou em operação a Usina Hidrelétrica de Paulo Afonso I. Foi iniciada a construção da Rodovia Fernão Dias ligando São Paulo a Belo Horizonte, e que seria concluída por Juscelino Kubitschek.

Foi assinado, em março de 1952, um acordo de cooperação e ajuda militar entre o Brasil e os Estados Unidos. Este acordo vigorou de 1953 até 1977, quando o presidente Ernesto Geisel denunciou o mesmo.

Houve uma série de acusações de corrupção a membros do governo e pessoas próximas a Getúlio Vargas, o que o levou a dizer que estava sentado em um "mar de lama". O caso mais grave de corrupção, que jogou grande parte da opinião pública contra Getúlio Vargas, foi a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do jornal Última Hora, de propriedade de Samuel Wainer.

Samuel Wainer era acusado por Carlos Lacerda e outros de receber dinheiro do Banco do Brasil para apoiar Getúlio Vargas. O jornal Última Hora era praticamente o único órgão de imprensa a apoiar Getúlio Vargas.

Carlos Lacerda ferido
O Atentado da Rua Tonelero

Na madrugada de 5 de agosto de 1954, um atentado a tiros de revólver, em frente ao edifício onde residia Carlos Lacerda, em Copacabana, no Rio de Janeiro, mata o major Rubens Florentino Vaz, da Força Aérea Brasileira (FAB), e fere, no pé, Carlos Lacerda, jornalista e ex-deputado federal da União Democrática Nacional (UDN), que fazia forte oposição a Getúlio Vargas.

O atentado foi atribuído a Alcino João Nascimento e o auxiliar Climério Euribes de Almeida, membros da guarda pessoal de Getúlio Vargas, chamada pelo povo de "Guarda Negra". Esta guarda fora criada para a segurança de Getúlio Vargas, em maio de 1938, logo após um ataque de partidários do integralismo ao Palácio do Catete.

Ao tomar conhecimento do atentado contra Carlos Lacerda na Rua Tonelero, Getúlio Vargas disse:

"Carlos Lacerda levou um tiro no pé. Eu levei dois tiros nas costas!"
(Getúlio Vargas)

A crise política que se instalou foi muito grave porque, além da importância de Carlos Lacerda, a Força Aérea Brasileira, à qual o major Rubens Florentino Vaz pertencia, tinha como grande herói o brigadeiro Eduardo Gomes, da União Democrática Nacional (UDN), que Getúlio Vargas derrotara nas eleições de 1950. A Força Aérea Brasileira criou uma investigação paralela do crime que recebeu o apelido de "República do Galeão". No dia 8 de agosto, foi extinta a "Guarda Negra".

Os jornais e as rádios davam em manchetes, todos os dias, a perseguição aos suspeitos. Alcino João Nascimento foi capturado no dia 13 de agosto. Climério Euribes de Almeida foi finalmente capturado, no dia 17 de agosto, pelo coronel da Aeronáutica Délio Jardim de Mattos que, posteriormente, chegaria a ser ministro da Aeronáutica. Na caçada aos suspeitos, chegou-se a utilizar uma novidade para a época, o helicóptero.

Existem várias versões para o crime. Há versões que divergem daquela que foi dada por Carlos Lacerda:  O Jornal do Brasil entrevistou o pistoleiro Alcino João do Nascimento, aos 82 anos em 2004, o qual garantiu que o primeiro tiro que atingiu o major Rubens Florentino Vaz partiu do revólver de Carlos Lacerda. Existe também um depoimento de um morador da Rua Tonelero, dado à TV Record, em 24 de agosto de 2004, que garante que Carlos Lacerda não foi ferido a bala. Os documentos, laudos e exames médicos de Carlos Lacerda, no Hospital Miguel Couto, onde ele foi levado para ser medicado, simplesmente desapareceram.

Gregório Fortunato, chefe da guarda pessoal do presidente Getúlio Vargas, chamado pelo povo simplesmente de Gregório, foi acusado de ser o mandante do atentado contra Carlos LacerdaGregório admitiria mais tarde perante à justiça ter sido o mandante. Em 1956, os acusados do crime foram levados a um primeiro julgamento: Gregório Fortunato foi condenado a 25 anos de prisão como mandante, pena reduzida a vinte anos por Juscelino Kubitschek e a quinze anos por João GoulartGregório Fortunato foi assassinado em 1962, no Rio de Janeiro, dentro da penitenciária do Complexo Lemos de Brito, pelo também detento Feliciano Emiliano Damas.


A Última Reunião Ministerial e O Suicídio

Por causa do crime da Rua Tonelero, Getúlio Vargas foi pressionado, pela imprensa e por militares, a renunciar ou, ao menos, licenciar-se da presidência.

O Manifesto dos Generais, de 22 de agosto de 1954, pediu a renúncia de Getúlio Vargas. Foi assinado por 19 generais de exército, entre eles, Castelo Branco, Juarez Távora e Henrique Lott, e dizia:

"Os abaixo-assinados, oficiais generais do Exército... solidarizando com o pensamento dos camaradas da Aeronáutica e da Marinha, declaram julgar, como melhor caminho para tranquilizar o povo e manter unidas as forças armadas, a renúncia do atual presidente da República, processando sua substituição de acordo com os preceitos constitucionais".

Esta crise levou Getúlio Vargas ao suicídio na madrugada de 23 para 24 de agosto de 1954, logo depois de sua última reunião ministerial, na qual fora aconselhado, por ministros, a se licenciar da presidência.

Getúlio Vargas registrou em sua agenda de compromissos, na página do dia 23 de agosto de 1954, segunda-feira:

"Já que o ministério não chegou a uma conclusão, eu vou decidir: determino que os ministros militares mantenham a ordem pública. Se a ordem for mantida, entrarei com pedido de licença. Em caso contrário, os revoltosos encontrarão aqui o meu cadáver."
(Getúlio Vargas)

Getúlio Vargas concordou em se licenciar sob condições, que constavam da nota oficial da presidência da república divulgada naquela madrugada:

"Deliberou o Presidente Getúlio Vargas… entrar em licença, desde que seja mantida a ordem e os poderes constituídos…, em caso contrário, persistirá inabalável no propósito de defender suas prerrogativas constitucionais, com sacrifício, se necessário, de sua própria vida".
(Nota Oficial)

Getúlio Vargas, no final da reunião ministerial, assinou um papel, que os ministros não sabiam o que era, nem ousaram perguntar. Encerrada a reunião ministerial, subiu as escadas para ir ao seu apartamento. Virou-se e despediu-se do ministro da Justiça Tancredo Neves, dando a ele uma caneta Parker 21 de ouro e disse:

"Para o amigo certo das horas incertas!"
(Getúlio Vargas)

A data não poderia ser mais emblemática: Getúlio Vargas, que se sentia massacrado pela oposição, pela "República do Galeão" e pela imprensa, escolheu a Noite de São Bartolomeu para sua morte. Getúlio Vargas cometeu suicídio com um tiro no coração em seus aposentos no Palácio do Catete, na madrugada de 24 de agosto de 1954.

Tancredo Neves contou a Carlos Heitor Cony em 3 de agosto de 1984, como foram os últimos minutos de Getúlio Vargas. O depoimento de Tancredo Neves saiu na Revista Manchete de 1 de setembro de 1984:

"Por volta das sete e meia, oito horas da manhã, ouviu-se o estampido seco. Desceu o elevador, às pressas, o Coronel Dornelles, um dos oficiais de serviço na presidência. Nós subimos apressadamente para o quarto onde o presidente se achava. Os primeiros a entrar foram o General Caiado, Dona Darcy, Alzira, Lutero e eu. Encontramos o presidente de pijama, com meio corpo para fora da cama, o coração ferido e dele saindo sangue aos borbotões. Alzira de um lado, eu do outro, ajeitamos o presidente no leito, procuramos estancar o sangue, sem conseguir. Ele ainda estava vivo. Haviam mais pessoas no quarto quando ele lançou um olhar circunvagante e deteve os olhos na Alzira. Parou, deu a impressão de experimentar uma grande emoção. Neste momento, ele morre. Foi uma cena desoladora. Todos nós ficamos profundamente compungidos; esse desfecho não estava na nossa previsão. O presidente em momento nenhum demonstrou qualquer traço de emoção, nunca perdeu o seu autodomínio, jamais perdeu sua imperturbável dignidade, de maneira que foi um trágico desfecho, que surpreendeu a todos e nos deixou arrasados."
(Tacredo Neves)

Assumiu então a presidência da república, no dia 24 de agosto, o vice-presidente potiguar Café Filho, da oposição a Getúlio Vargas, que nomeou uma nova equipe de ministros e deu nova orientação ao governo.

Com grande comoção popular nas ruas, seu corpo foi levado para ser enterrado em sua terra natal. A família de Getúlio Vargas recusou-se a aceitar que um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) transportasse o corpo até o Rio Grande do Sul. A família de Getúlio Vargas também recusou as homenagens oficiais que o novo governo de Café Filho queria prestar ao ex-presidente falecido. Getúlio Vargas deixou duas notas de suicídio, uma manuscrita e outra datilografada, as quais receberam o nome de "Carta-Testamento".
Uma versão manuscrita da carta-testamento, assinada no final da última reunião ministerial, somente foi divulgada ao público, em 1967, por Alzira Vargas, pela Revista O Cruzeiro, por insistência de Carlos Lacerda, que não acreditava que tal carta manuscrita existisse. Nesta carta manuscrita, Getúlio Vargas explica seu gesto:

"Deixo à sanha de meus inimigos, o legado de minha morte. Levo o pesar de não ter podido fazer, por este bom e generoso povo brasileiro, e principalmente pelos mais necessitados, todo o bem que pretendia.

A mentira, a calúnia, as mais torpes invencionices foram geradas pela malignidade de rancorosos e gratuitos inimigos, numa publicidade dirigida, sistemática e escandalosa.

Acrescente-se na fraqueza dos amigos que não defenderam, nas posições que ocupavam, à felonia de hipócritas e traidores a quem beneficiei com honras e mercês, à insensibilidade moral de sicários que entreguei à Justiça, contribuindo todos para criar um falso ambiente na opinião pública do país contra a minha pessoa.

Se a simples renúncia ao posto a que fui levado pelo sufrágio do povo me permitisse viver esquecido e tranquilo no chão da pátria, de bom grado renunciaria. Mas tal renúncia daria apenas ensejo para, com mais fúria, perseguirem-me e humilharem-me. Querem destruir-me a qualquer preço. Tornei-me perigoso aos poderosos do dia e às castas privilegiadas.

Velho e cansado, preferi ir prestar contas ao Senhor, não dos crimes que não cometi, mas de poderosos interesses que contrariei, ora porque se opunham aos próprios interesses nacionais, ora porque exploravam, impiedosamente, aos pobres e aos humildes. Só Deus sabe das minhas amarguras e sofrimentos. Que o sangue dum inocente sirva para aplacar a ira dos fariseus.

Agradeço aos que de perto ou de longe me trouxeram o conforto de sua amizade. A resposta do povo virá mais tarde..."
(Getúlio Vargas)

Uma versão datilografada, feita em três vias, e mais extensa desta carta-testamento, foi lida, de maneira emocionada, por João Goulart, no enterro de Getúlio Vargas em São Borja. Nesta versão datilografada é que aparece a frase "Saio da vida para entrar na história". Esta versão datilografada da carta-testamento até hoje é alvo de discussões sobre sua autenticidade. Chama muito a atenção nela, a frase em castelhano: "Se queda desamparado". Assim, tanto na vida quanto na morte, Getúlio Vargas foi motivo de polêmica.

Também fez um discurso emocionado, no enterro de Getúlio Vargas, na sua cidade natal São Borja, o amigo e aliado de longa data Osvaldo Aranha que disse:

"Nós, os teus amigos, continuaremos, depois da tua morte, mais fiéis do que na vida: nós queremos o que tu sempre quiseste para este País. Queremos a ordem, a paz, o amor para os brasileiros!"

Osvaldo Aranha, que tantas vezes rompera e se reconciliara com Getúlio Vargas, acrescentou:

"Quando, há vinte e tantos anos, assumiste o governo deste País, o Brasil era uma terra parada, onde tudo era natural e simples; não conhecia nem o progresso, nem as leis de solidariedade entre as classes, não conhecia as grandes iniciativas, não se conhecia o Brasil. Tu entreabriste para o Brasil a consciência das coisas, a realidade dos problemas, a perspectiva dos nossos destinos."

No cinquentenário de sua morte, em 2004, os restos mortais de Getúlio Vargas foram trasladados para um monumento no centro de sua cidade natal, São Borja.

Getúlio Vargas no caixão
A Carta-Testamento

Cópia da Carta-Testamento de Getúlio Vargas, 24 de agosto de 1954:

"Mais uma vez, as forças e os interesses contra o povo coordenaram-se e novamente se desencadeiam sobre mim. Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam, e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes.
 
Sigo o destino que me é imposto. Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar. Voltei ao governo nos braços do povo. A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre.

Não querem que o povo seja independente. Assumi o Governo dentro da espiral inflacionária que destruía os valores do trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam até 500% ao ano. Nas declarações de valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais de 100 milhões de dólares por ano. Veio a crise do café, valorizou-se o nosso principal produto. Tentamos defender seu preço e a resposta foi uma violenta pressão sobre a nossa economia, a ponto de sermos obrigados a ceder.

Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo, para defender o povo, que agora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar, a não ser meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida.

Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no pensamento a força para a reação. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com o perdão.

E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate. Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte.

Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História."

(Getúlio Vargas)

Consequências Imediatas do Suicídio

Há quem diga que o suicídio de Getúlio Vargas adiou um golpe militar que pretendia depô-lo. O pretendido golpe de estado tornou-se, então, desnecessário, pois assumira o poder um político conservador, Café Filho. O golpe militar veio, por fim, em 1964. Golpe de Estado que os partidários chamam de Revolução de 1964, e que foi feito, essencialmente, no lado militar, por ex-tenentes de 1930.

Para outros, o suicídio de Getúlio Vargas fez com que passasse da condição de acusado à condição de vítima. Isto teria preservado a popularidade do trabalhismo e do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e impedido Café Filho, sucessor de Getúlio Vargas, por falta de clima político, de fazer uma investigação profunda sobre as possíveis irregularidades do último governo de Getúlio Vargas.

E, por fim, o clima de comoção popular devido à morte de Getúlio Vargas,  teria facilitado a eleição de Juscelino Kubitschek à presidência da república e de João Goulart à vice-presidência, em 1955, derrotando a União Democrática Nacional (UDN), adversária de Getúlio VargasJuscelino Kubitschek e João Goulart são considerados, por alguns, como dois dos "herdeiros políticos" de Getúlio Vargas.


Impacto Popular

No dia seguinte ao suicídio, milhares de pessoas saíram às ruas para prestar o "último adeus" ao "pai dos pobres", chocadas com o que ouviram no noticiário radiofônico mais popular da época, o Repórter Esso. Enquanto isso, retratos de Getúlio Vargas eram distribuídos para o povo durante o dia.

Carlos Lacerda teve que fugir do país, com medo de uma perseguição popular.

Anos mais tarde, em 1962, na 6ª faixa do disco LP "Saudades de Passo Fundo", Teixeirinha homenageou o presidente gaúcho Getúlio Vargas, com a faixa de nome "24 de Agosto", lembrando o impacto popular que foi a morte repentina do então presidente do Brasil.

Um trecho da música de Teixeirinha mostra claramente este fato:


"Vinte e quatro de agosto

A terra estremeceu
Os rádios anunciaram
O fato que aconteceu,
As nuvens cobriram o céu
O povo em geral sofreu
O Brasil se vestiu de luto
Getúlio Vargas morreu!

… Seu nome ficou na história
Pra nossa recordação
Seu sorriso era a vitória
Da nossa imensa nação
Com saúde ele venceu
Guerra e revolução
Depois foi morrer a bala
Pela sua própria mão."

Herança Política

A Nova Política do Brasil, A Partir de 1930

A partir de Getúlio Vargas, dois dos estados que fizeram a Revolução de 1930 tomaram o comando da política nacional.

Todos os presidentes de 1930 até 1964, foram gaúchos ou mineiros, excetuando-se Eurico Gaspar Dutra, e, por alguns meses apenas, os presidentes Café Filho, Nereu Ramos e Jânio Quadros. Nos 50 anos seguintes à Revolução de 1930, mineiros e gaúchos estiveram na presidência da república por 41 anos.

Com a queda de Washington Luís acaba o ciclo de presidentes maçons. Nove dos presidentes da República, na República Velha, eram membros da maçonaria. Nos 60 anos seguintes a 1930, maçons ocupariam a presidência por meses apenas: Nereu RamosJânio Quadros.

Três ex-ministros de Getúlio Vargas chegaram à presidência da república: Eurico Gaspar Dutra, João Goulart e Tancredo Neves, este não chegando a assumir o cargo. Três tenentes de 1930 chegaram à presidência da república: Castelo BrancoEmílio Garrastazu Médici e Ernesto Geisel.

O gabinete ministerial de Castelo Branco, primeiro presidente do Golpe de 1964 era formado basicamente por antigos componentes do tenentismo, como Cordeiro de Farias, Eduardo Gomes, Juraci Magalhães, Juarez TávoraErnesto Geisel e o próprio Castelo Branco.

Um filho de um tenente de 1930 ocupou a presidência por oito anos: Fernando Henrique Cardoso, e um neto de Lindolfo Collor, revolucionário e ministro de 1930, Fernando Collor de Melo, também chegou à presidência da República.

E ainda mais: O ex-tenente Juarez Távora foi o segundo colocado nas eleições presidenciais de 1955, e o ex-tenente Eduardo Gomes, o segundo colocado, em 1945 e 1950. Ambos foram candidatos da União Democrática Nacional (UDN), o que mostra também a influência dos ex-tenentes na União Democrática Nacional, partido este que tinha ainda, entre os líderes, o ex-tenente Juraci Magalhães, que quase foi candidato a presidente em 1960.

O vizinho rural de Getúlio Vargas em São Borja, João Goulart, que Getúlio Vargas iniciou na política, também chegou à presidência. O afilhado político e cunhado de João Goulart, Leonel Brizola, do qual Getúlio Vargas foi padrinho de casamento e grande incentivador e "professor" na política, também ocupou lugar de destaque na política brasileira do século XX, e se candidatou à presidência da República por duas vezes.

Leonel Brizola foi o único cidadão a ser eleito para governar dois estados diferentes: o Rio Grande do Sul entre 1959 e 1962 e o Rio de Janeiro por duas vezes, de 1983 a 1987 e de 1991 a 1994.

Porém, em São Paulo, sua votação para a presidência da república nunca passava de 2% dos votos, correspondentes ao número de gaúchos e carioca radicados em São Paulo, o que foi atribuído ao fato de que São Paulo continua avesso ao getulismo.

Os partidos fundados por Getúlio Vargas, o Partido Social Democrático (PSD), partido dos ex-interventores no Estado Novo e intervencionista na economia, e o antigo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB),  dominaram a cena política de 1945 até 1964. O Partido Social Democrático (PSD), a União Democrática Nacional (UDN) e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), os maiores partidos políticos daquele período, eram liderados por mineiros (PSD e UDN) e por gaúchos (PTB).

Por outro lado, os partidos políticos, criados por paulistas, neste período de 1945 a 1964, o Partido Social Progressista (PSP) de Ademar de Barros, o Partido Trabalhista Nacional (PTN) e o Partido Social Trabalhista (PST) de Hugo Borghi e o Partido Agrário Nacional (PAN) de Mário Rolim Teles, não conseguiram se firmar fora de São Paulo. Os interventores do Estado Novo nos estados, na sua maioria, tornaram-se governadores eleitos de seus estados, pelo Partido Social Democrático, o que demonstra a continuidade política do Estado Novo.

Sobre Ademar de BarrosGetúlio Vargas disse à Revista do Globo:

"A escolha de Ademar de Barros para a interventoria em São Paulo foi uma prova de meu esforço de dar ao Brasil novos líderes. Ademar fora me apresentado não me recordo por quem (Benedito Valadares) e passara a visitar-me frequentemente no palácio, trazendo notícias de São Paulo. Ora vinha com uma novidade sobre a política ora com detalhes sobre o progresso da indústria no estado bandeirante. Com o tempo as visitas se tornaram mais repetidas de sorte que eu ficava ao par de tudo o que acontecia em São Paulo... (em São Lourenço), convidei-o apenas para interventor e tracei-lhe as diretrizes que deveria tomar. Não o conhecia muito bem e, era necessário, portanto, fazer-lhe algumas observações. (O repórter pergunta se Ademar foi indicado por alguém): - Não, Mas eu suspeito que ele era protegido de Filinto (Müller)!"
(Getúlio Vargas)

Antes de 1930, cada estado da federação se unia apoiando um único candidato à presidência da República que melhor defenderia o interesse do estado. Após 1930, cada eleição presidencial faz os estados se dividirem internamente. A política não se fez mais, a partir de 1945, em torno dos interesses de cada estado, mas sim em torno de nomes e partidos políticos organizados a nível nacional. O caso mais significativo de divisão interna de um estado foi a eleição presidencial de 1989 quando São Paulo lançou 5 candidatos, sendo que todos os 5 foram derrotados por Fernando Collor.

Desde a eleição de Júlio Prestes em 1930, nenhum cidadão nascido em São Paulo foi eleito presidente da república. Após 1930, paulistas ocuparam a presidência da república por alguns dias apenas: Ranieri Mazzilli, Ulisses Guimarães e Michel Temer.

Presidentes considerados "de São Paulo", como Fernando Henrique Cardoso e Luís Inácio Lula da Silva, que só chegaram ao poder 60 anos após a Revolução de 1930, são, respectivamente, carioca e pernambucano, embora Fernando Henrique Cardoso tenha vivido desde a adolescência na capital paulista e tenha se formado na Universidade de São Paulo, e Lula tenha vivido em São Paulo desde os sete anos de idade.

Após 1930, os líderes políticos locais passaram, aos poucos, a serem oriundos dos profissionais liberais, entrando em franca decadência o líder local típico da República Velha, o coronel, geralmente um proprietário rural.

"Vargas dirigiu a Nação por período equivalente ao da maturidade de um homem público. Uma espantosa atividade política, sem paralelo em nossa história republicana."
(Juscelino Kubitschek)


Um Novo Estilo Político

Apesar de quinze anos (1930 - 1945) não serem um período longo, em se tratando de carreira política, raríssimos foram os políticos da República Velha que conseguiram retomar suas carreiras políticas depois da queda de Getúlio Vargas em 1945.

A renovação do quadro político foi quase total. Renovação tanto de pessoas quanto da maneira de se fazer política. Mesmo os poucos sobreviventes da República Velha, que voltaram à política após 1945, jamais voltaram a ter o poder que tinham antes de 1930, como foi o caso de Arthur Bernardes, Altino Arantes e de Otávio Mangabeira.

Getúlio Vargas foi o primeiro a fazer no Brasil propaganda pessoal em larga escala, chamada "Culto à Personalidade", típica do nazismo-fascismo e do stalinismo, e ancestral do marketing político moderno.

A aliança elite-proletariado, criada por Getúlio Vargas, tornou-se típica no Brasil, como a aliança PTB-PSD, apoiada pelo clandestino Partido Comunista Brasileiro (PCB) na fase de 1946 - 1964, e atualmente com a aliança PT-PP-PMDB-PR.

O estilo conciliador de Getúlio Vargas foi incorporado à maneira de fazer política dos brasileiros, e teve o maior adepto no ex-ministro da Justiça de Getúlio Vargas, Tancredo Neves.

O maior momento desse estilo conciliador foi a grande aliança política que se formou visando as "Diretas Já!" e, em seguida, uma aliança maior ainda em torno de Tancredo Nevesvisando a transição do Regime Militar para a democracia, em 1984 - 1985, quando Tancredo Neves derrotou o candidato paulista Paulo Maluf. Sendo que José Sarney, em sua posse na presidência da república, em 15 de março de 1985, leu o discurso escrito por Tancredo Neves no qual pregava conciliação nacional.

"Não celebramos, hoje, uma vitória política. Esta solenidade não é a do júbilo de uma facção que tenha submetido a outra, mas festa da conciliação nacional, em torno de um programa político amplo, destinado a abrir novo e fecundo tempo ao nosso País!"
(Tancredo Neves)

Por seu lado, o presidente João Figueiredo, último presidente do regime militar (1964-1985) e filho do general Euclides Figueiredo um dos comandantes da Revolução de 1932, acusava Getúlio Vargas de ser um verdadeiro ditador e não eles, os militares:

"No Brasil, quem inventou golpe de Estado, prisão de político, fechamento de Congresso e senador 'biônico' não fomos nós, os milicos, e sim a mente maligna do Getúlio Vargas."
(João Figueiredo)

Como conciliador, Getúlio Vargas reatou amizade e aliança com inúmeros políticos que com ele romperam ao longo dos 50 anos de vida pública, e sobre isto, Getúlio Vargas tinha a frase famosa:

"Nunca tive inimigos com os quais não pudesse me reconciliar!"
(Getúlio Vargas)

Somente uma reconciliação jamais ocorreu: com o presidente Washington Luís. Getúlio Vargas teria sido, segundo algumas versões, o criador do populismo no Brasil, embora, na versão de Tancredo Neves, o populismo era uma deformação do getulismo.

Getúlio Vargas, apesar de ter feito grandes obras como a Rio-Bahia e a Hidrelétrica de Paulo Afonso, não ficou conhecido como político do estilo "tocador de obras" como o foram Ademar de Barros e Juscelino Kubitschek.

Apesar de considerado populistaGetúlio Vargas sempre manteve a reserva e o respeito pela autoridade de presidente da república, jamais aceitando tapinhas nas costas ou qualquer outra manifestação de desrespeito à posição de presidente da república, segundo depoimento também de Tancredo Neves, dado, em 1984, ao Jornal O Pasquim, e em entrevista que deu origem ao livro "Tancredo Fala de Getúlio".

"Eu nunca vi ninguém chegar perto do Drº Getúlio e se permitir uma certa intimidade. Nunca vi ninguém que tivesse tanto sentido de poder, da dignidade do poder, como o Drº Getúlio. Aquilo vinha naturalmente dele."
(Tancredo Neves)

E à revista PasquimTancredo Neves disse:

"Se alguém contar a vocês que alguma pessoa chegou perto do Drº Getúlio e contou uma piada, ou se permitiu um tapinha nas costas dele, ou outra liberdade maior, estará mentindo. Irradiava um respeito que mantinha todo mundo à distância."
(Tancredo Neves)

Outro depoimento, também neste sentido, de que Getúlio Vargas sempre mantinha uma postura séria de presidente, foi dado, no centenário de seu nascimento pelo seu ex-ministro Antônio Balbino em sessão solene na Assembleia Legislativa de São Paulo.

E sobre Getúlio Vargas ser populista ou não, Tancredo Neves disse no citado livro "Tancredo Fala de Getúlio":

"O Getúlio não era um homem de fazer, vamos dizer assim, adulação, de fazer concessões públicas aos trabalhadores (...) Ele os tratava com muito respeito, mas os atendia nas suas reivindicações quando justas e no essencial(...) Eu acho que o populismo foi uma caricatura do getulismo(...) Era a adulação, a submissão ao que havia de mais negativo nos sentimentos das massas brasileiras. Era servir-se da massa, e não servir à massa."
(Tancredo Neves)

A partir de 1946 e até 1964, o populismo tomaria impulso no Brasil, tendo entre os principais expoentes Ademar de Barros, Jânio Quadros e João Goulart. Nos últimos anos, o representante do populismo com maior projeção era Leonel Brizola do Partido Democrático Trabalhista (PDT), além de Paulo Maluf, do Partido Progressista (PP). Existem várias divergências quanto a isso, mas muitos estudiosos também incluem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como um representante do populismo, mas um populismo renovado e de esquerda.

São chamados de populistas, pela opinião liberal, porque a característica mais marcante desses políticos, após 1930, tem sido de terem um discurso voltado apenas para os direitos sociais, sem a contrapartida dos deveres. Sendo considerados populistas também por não dizerem de onde viriam os recursos financeiros necessários para poder se concretizar esses direitos.

Também, segundo a opinião liberal, o governante populista procura estabelecer uma relação direta com o povo, passando ao largo dos partidos políticos e dos parlamentos, como, por exemplo, através de plebiscito.

Atualmente os partidos nos quais o populismo não é explicito: Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), oriundo do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), assumiram os papéis principais no jogo político, ao lado do Democratas (DEM), antigo Partido da Frente Liberal (PFL), e Partido Progressista (PP), oriundos dos antigos partidos de apoio aos militares: Aliança Renovadora Nacional (ARENA) e Partido Democrático Social (PDS).

Outro traço do estilo político de Getúlio Vargas, depois copiado por vários políticos, é a espera paciente do momento certo de agir no jogo político. Getúlio Vargas ensinava essa paciência aos adeptos, como quando aconselhou, em 1953, o deputado paulista Vicente Botta:

"Nunca te atires contra a onda, espere que ela passe, então aja!"
(Getúlio Vargas)

Herança Econômica e Social


A Nova Economia do Brasil

A política trabalhista é alvo de polêmicas até hoje, e foi tachada de paternalista por intelectuais de esquerda, que o acusavam de tentar anular a influência desta esquerda sobre o proletariado, desejando transformar a classe operária num setor sob controle, nos moldes da Carta do Trabalho (Carta del Lavoro) do fascista italiano Benito Mussolini.

Os defensores de Getúlio Vargas contra-argumentam, dizendo que em nenhum outro momento da história do Brasil houve avanços comparáveis nos direitos dos trabalhadores. Os expoentes máximos dessa posição foram João Goulart e Leonel Brizola, sendo Leonel Brizola considerado o último herdeiro político do getulismo, ou da "Era Vargas", na linguagem dos historiadores norte-americanos chamados de "brasilianistas".

A crítica de direita, ou liberal, argumenta que, a longo prazo, estas leis trabalhistas prejudicam os trabalhadores porque aumentam o chamado Custo Brasil, onerando muito as empresas e gerando a inflação que corrói o valor real dos salários.

Segundo esta versão, o Custo Brasil faz com que as empresas brasileiras contratem menos trabalhadores, aumentem a informalidade, fazendo com que as empresas estrangeiras se tornem receosas de investir no Brasil. Assim, segundo a crítica liberal, as leis trabalhistas gerariam, além da inflação, mais desemprego e subemprego entre os trabalhadores.

O intervencionismo estatal na economia, iniciado por Getúlio Vargas,  só cresceu com o passar dos anos, atingindo o máximo no governo do ex-tenente de 1930 Ernesto Geisel. Somente a partir do governo de Fernando Collor se começou a fazer o desmonte do estado intervencionista.

E, durante 60 anos, após 1930, todos os ministros da área econômica do governo federal foram favoráveis a intervenção do estado na economia, exceto Eugênio Gudin por 7 meses em 1954, e a dupla Roberto Campos - Octávio Bulhões, por menos de três anos (1964 - 1967).


Legado Trabalhista

"Trabalhadores do Brasil!" Era com esta frase que, a partir da época do Estado NovoGetúlio Vargas iniciava os discursos. Na visão dos apoiadores de Getúlio Vargas, ele não ficou só no discurso.

A orientação trabalhista do governo de Getúlio Vargas, que no ápice instituiu a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) com o salário-mínimo, limitação da jornada de trabalho, férias remuneradas, a proibição de demissão sem justa causa do empregado após 10 anos no emprego, caída em desuso, posteriormente, com o advento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) em 1966, e o 13º salário instituído pelo seu seguidor João Goulart, fizeram das leis trabalhistas no Brasil, uma das mais protecionistas do mundo.

Estas leis, quase todas em vigor até hoje, na visão dos apoiadores de Getúlio Vargas, são como um legado de proteção ao trabalhador formal, aqueles que possuem a Carteira de Trabalho, criada por Getúlio Vargas.


Representações na Cultura

Getúlio Vargas foi, várias vezes, retratado como personagem no cinema e na televisão.
  • 1987 - Leon Cakoff, no filme "O País dos Tenentes"
  • 1993 - Carlos Ferreira, na minissérie "Agosto"
  • 1997 - Carlos Ferreira, no filme "For All - O Trampolim da Vitória"
  • 2002 - Renato Borghi, no filme "Lost Zweig"
  • 2003 - Paulo Betti, no filme "Chatô, o Rei do Brasil"
  • 2004 - Osmar Prado, no filme "Olga"
  • 2006Carlos Ferreira, na minissérie "JK"
  • 2006 - Ricardo Blat, no filme "O Amigo Invisível"

Foi referido no título de um dos livros do humorista Jô Soares, "O Homem Que Matou Getúlio Vargas", editado em 1998.

Foram ainda feitos sobre Getúlio Vargas, os documentários:
  • 1980 - "Getúlio Vargas", sob direção de Sylvio Back
  • 1974 - "Getúlio Vargas", sob direção de Ana Carolina
  • 1963 - "O Mundo Em Que Getúlio Viveu", sob direção de Jorge Ileli.
A efígie de Getúlio Vargas foi impressa nas notas de dez cruzeiros (Cr$ 10,00) de 1950 e cunhada no verso das moedas de centavos de cruzeiro que circularam de 1942 a 1970.

Chico Buarque o homenageou com a música "Drº Getúlio".

A eleição de 1930 e a Revolução de 1930 foram imortalizadas por marchinhas e sambas cantados por Francisco de Morais Alves, como:
  • "É Sim Senhor, Seu Doutor", "17x3-É Sopa É Sopa" e "Hino a João Pessoa", todas de autoria de Eduardo Souto. O "Hino a João Pessoa" foi oficializado como o hino da cidade de João Pessoa.
  • Francisco Alves também cantou "Seu Julinho Vem", marcha de autoria de Freire Júnior.
  • Lamartine Babo, sob o pseudônimo de G. Ladeira, compôs as marchas: "Gê-Gê" e "O Barbado… Foi-se", e cantadas por Almirante.
  • A escola Acadêmicos do Salgueiro desfilou no Carnaval 1985 com o samba-enredo "Anos Trinta, Vento Sul" em sua homenagem.

Preservação da Memória e Homenagens

O arquivo de Getúlio Vargas e os pertences pessoais estão preservados no Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas, que desenvolve pesquisa sobre a história do Brasil pós 1930.

Três municípios brasileiros homenageiam Getúlio Vargas em sua denominação: Getúlio Vargas, no Rio Grande do Sul; Presidente Vargas no Maranhão, e Presidente Getúlio em Santa Catarina. Rubinéia também já foi denominada Porto Presidente Vargas.

A Refinaria de Araucária recebeu o nome de Refinaria Presidente Getúlio Vargas.

A Usina Siderúrgica de Volta Redonda, pertencente à Companhia Siderúrgica Nacional recebeu o nome de Usina Siderúrgica Presidente Vargas. Foi lançado em 1983 pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) uma série especial de selos comemorativos do centenário de nascimento de Getúlio Vargas.

A lei federal nº 7.470, de 29 de abril de 1986, outorga ao presidente Getúlio Vargas o título de "Patrono dos Trabalhadores do Brasil".

De acordo com eleição promovida pelo jornal Folha de São Paulo, em abril de 2007, Getúlio Vargas foi considerado o "Maior Brasileiro de Todos os Tempos". Sua escolha foi realizada com base em perguntas a 200 destacados intelectuais, políticos, artistas, religiosos, empresários, publicitários, jornalistas, esportistas e militares brasileiros.

Pela lei nº 12.326, de 15 de setembro de 2010, Getúlio Vargas foi inscrito no Livro dos Heróis da Pátria.

Segundo votação feita pelo Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), na internet, obtendo quase 1,3 milhões de votos, Getúlio Vargas foi eleito um dos maiores brasileiros de todos os tempos, ficando entre os dez primeiros colocados, e está entre os 12 finalistas que vão concorrer ao título de "O Maior Brasileiro de Todos os Tempos".


Academia Brasileira de Letras e Obras Publicadas

Eleito a 7 de agosto de 1941, como terceiro ocupante da cadeira 37 da Academia Brasileira de Letras, cadeira que tem por patrono Tomás Antônio Gonzaga. Foi empossado a 29 de dezembro de 1943, recebido por Ataulfo de Paiva. Substituiu Alcântara Machado e, após sua morte, sua cadeira foi ocupada por Assis Chateaubriand.

Suas principais obras publicadas são as coletâneas de seus discursos e o "Diário":
  • "A Nova Política do Brasil", em 11 volumes, que reúne seus principais discursos de 1930 a 1945. Em 1941, quando Getúlio Vargas foi eleito para a Academia Brasileira de Letras, seus discursos ocupavam sete desses volumes.
  • "As Ideias do Presidente Getúlio Vargas", em 1939, seleção de frases de "A Nova Política do Brasil", organizadas, tematicamente, por Alcides Gentil.
  • "As Diretrizes da Nova Política do Brasil", em 1942, que contém trechos selecionados de seus discursos e entrevistas dadas à imprensa internacional.
  • "A Política Trabalhista no Brasil", publicado em 1950, que reúne seus discursos feitos de 1945 a 1947.
  • "A Campanha Presidencial", que reúne seus discursos eleitorais durante a eleição de 1950.
  • "O Governo Trabalhista do Brasil", em 4 volumes, que reúne seus discursos de 1951 a 1954.
  • "Diário", em 2 volumes, que abrange o período de 1930 a 1942, publicado em 1997.

Fonte: Wikipédia
#FamososQuePartiram #GetulioVargas

3 comentários:

  1. TRABALHADORES DO BRASIL!!
    "Hoje vós estais com o governo, amanhã sereis o governo" (maio de 1951)
    Olha o presidente Lula ai para confirmar essa previsão do Presidente Getúlio Vargas. Dr. Getúlio era um homem pequeno, mas foi um grande homem! O Brasil do século XX divide-se entre antes e depois de Getúlio. E JK.
    J G Fajardo

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  2. Ele NAO se suicidou... FOI suicidado...

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  3. Com certesa,ele sabia que se suicidasse n seria perdoado,essa historinha foi inventada pela imprenssa pra amortecer o caso alguem matou ele.

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