A caçada aos criminosos e, em conseqüência, as prisões efetuadas empolgaram o Brasil. Os noticiários de rádios e jornais deixavam em suspense aqueles que acompanhavam o desenrolar dos fatos.
A partir da prisão de
Gregório Fortunato, ex-chefe da guarda pessoal do presidente
Getúlio Vargas, e da apreensão do seu arquivo, a situação agravou-se. Na realidade, encontrou-se um punhado de documentos sem importância, na sua grande maioria correspondências que continham saudações ou respostas a algum pedido para beneficiar ou mesmo ajudar algum apaniguado.
Instruídos pelos advogados, os envolvidos no crime da Tonelero, principalmente
Gregório Fortunato, começaram a apresentar vários nomes em seus depoimentos de possíveis mandantes, e estes sempre tinham imunidades ou alta patente. A intenção era complicar, o máximo possível, o trabalho da Comissão do Inquérito Policial Militar. E, assim, o inquérito acabou tomando um novo rumo.
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Gregório Fortunato depõe no Galeão |
No dia 21/08/1954,
Gregório Fortunato afirmou que
"recebera do deputado federal Euvaldo Lodi, por intermédio de Roberto Alves, a proposta de bombardear Carlos Lacerda, mas que teria repelido tal plano. Não satisfeito, voltou posteriormente a propô-la, em termos violentos, no quarto do próprio Gregório Fortunato, no Palácio do Catete".
Euvaldo Lodi era deputado federal pelo Partido Social Democrático (PSD, MG) e presidente da Confederação Nacional das Indústrias (CNI) e da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (FIRJ). Sua acareação com
Gregório Fortunato e
Roberto Alves contou com a presença do presidente em exercício da Câmara Federal, deputado
José Augusto, que ouviu tudo.
Euvaldo Lodi acabou acuado no depoimento, deixando transparecer que pudesse estar envolvido no incitamento ao crime.
Outro nome que acabou sendo implicado foi o do irmão de
Getúlio Vargas,
Benjamim Vargas. No Inquérito Policial Militar (IPM), foi incriminado por ter mentido para a comissão ao depor no Galeão e acusado de ter instigado os criminosos a
"tomar providências para dar sumiço ao jornalista Carlos Lacerda".
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Benjamin Vargas |
Benjamin Vargas afirmou em seu depoimento que
Gregório Fortunato, ao voltar de Petrópolis, no dia 08/08/1954, a chamado do presidente
Getúlio Vargas,
"havia confessado a ele que tinha arquitetado um plano para acabar com o sujeito (Carlos Lacerda)". Mas a comissão ficou sem entender o porquê do silêncio do irmão do então presidente, que guardou essa informação por quase duas semanas.
Foram aparecendo mais nomes no decorrer das averiguações, como o do deputado federal Danton Coelho, acusado de incitar o atentado. Mas como parlamentar, Danton Coelho, valendo-se das imunidades, recusou-se a prestar qualquer esclarecimento.
Finalmente, apareceram indícios envolvendo o general
Ângelo Mendes de Morais, ex-prefeito do Distrito Federal e inimigo de
Carlos Lacerda, que o tratava pelo seu jornal de
"coxo de voz fina". Com o surgimento de uma patente superior, a Comissão que cuidava do Inquérito Policial Militar (IPM) foi obrigada, pela legislação militar brasileira, a encaminhar para o ministro da Aeronáutica todo o inquérito.
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Alcino João do Nascimento, assassino do major Rubens Florentino Vaz |
O Julgamento
A promotoria instruiu o processo composto de 11 volumes e, finalmente, em 04/10/1956, teve início o julgamento de todos os envolvidos. O primeiro a ir a júri foi
Alcino João do Nascimento, no 1º Tribunal do Júri, presidido pelo
Dr° Joaquim de Souza Netto, tendo como promotor
Araújo Jorge e na defesa, o advogado
Humberto Teles. A viúva do major
Rubens Florentino Vaz contratou o advogado
Hugo Baldassarini, e
Carlos Lacerda, o deputado
Aduacto Lucio Cardoso, que auxiliaram na promotoria.
O corpo de jurados foi composto só de homens, pertencentes a vários segmentos: Advogados, médicos, comerciantes e funcionários públicos.
Após 17 horas de debates,
Alcino João do Nascimento foi condenado a 33 anos de prisão, sendo 19 pela morte do major
Rubens Florentino Vaz, 12 pela tentativa de homicídio de
Carlos Lacerda e 2 por lesões corporais contra o guarda municipal
Sálvio Romeiro. Em 1976,
Alcino foi libertado, depois de cumprir 21 anos e 8 meses de prisão.
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Climério Euribes de Almeida |
No dia 08/10/1956, foi a vez de
Climério Euribes de Almeida enfrentar o júri. O julgamento começou às 9h00 e terminou às 23h30. O criminalista
José Valadão foi o seu advogado. O réu foi também apenado, em conformidade com o que se deu com
Alcino João do Nascimento. Na prisão, em uma briga de presos,
Climério recebeu uma estocada. Ferido, permaneceu durante anos internado no hospital Souza Aguiar, onde veio a falecer em 1975.
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Gregório Fortunato |
Gregório Fortunato foi o terceiro a ir a julgamento, em 11/10/1956. Dois advogados foram contratados para defendê-lo, os criminalistas
Araújo Lima e
Romeiro. Milhares de pessoas compareceram em frente ao Tribunal, no centro do Rio de Janeiro, para ver o
Anjo Negro descer da viatura e entrar no prédio da Justiça.
A curiosidade foi enorme, o procurador da justiça
Victor Nunes Leal (futuro ministro-chefe da Casa Civil do presidente
Juscelino Kubitschek e ministro do Superior Tribunal Federal), desembargadores, juízes, promotores, advogados, funcionários da Justiça se acotovelavam na sala do Júri para assistir ao histórico julgamento.
Após quase 20 horas de debates,
Gregório Fortunato foi condenado a 25 anos de prisão, sendo 11 anos pela morte do major
Rubens Florentino Vaz, 12 pelo atentado a
Carlos Lacerda e 2 pelos ferimentos no guarda municipal
Sálvio Romeiro. Após ouvir a sentença do juiz
Souza Netto,
Gregório Fortunato sorriu. Cumpria sua pena na Penitenciária Lemos Brito, no Rio de Janeiro, quando em 1962 foi assassinado por uma estocada de outro preso.
Quando ainda preso na Base Aérea do Galeão,
Gregório Fortunato foi visitado pelo major
Hernani Fittipaldi. Ao ver o oficial, o
Anjo Negro teria dito:
"Major, o senhor não acha que eu ia fazer essa burrada, né?"
Falou ainda que estava seguindo os passos de
Carlos Lacerda há algum tempo e havia descoberto que o jornalista era amante da mulher de um deputado. O plano era montar um crime passional no local do encontro do casal na Gávea Pequena.
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Nelson Raimundo |
Nelson Raimundo sentou no banco dos réus em 15/10/1956 como o motorista que conduziu o assassino até Copacabana. O advogado que defendeu
Nelson Raimundo foi o renomado jurista
Evaristo de Morais. O motorista foi condenado a 11 anos de reclusão, 6 anos pela morte do major
Rubens Florentino Vaz, 4 anos por tentativa de assassinato de
Carlos Lacerda e 1 pelos ferimentos ao guarda municipal
Sálvio Romeiro. Depois de cumprir quase 7 anos de cadeia, saiu em condicional.
Nelson Raimundo faleceu vítima de câncer no pulmão em 1979, sem entender como se meteu na história da Tonelero.
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José Antônio Soares |
No dia 18/10/1956, foi a vez de
José Antônio Soares. Depois de horas de julgamento e apesar de estar em São Paulo quando ocorreu crime, o corpo do júri decidiu condená-lo a 26 anos de prisão, sendo 12 pela morte do major
Rubens Florentino Vaz, 12 pela tentativa contra
Carlos Lacerda e 2 anos pelas lesões ao guarda municipal
Sálvio Romeiro.
José Antônio Soares saiu da prisão em 1975, gordo e careca. Posteriormente, mudou-se para o interior de Minas Gerais.
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João Valente de Souza, secretário da guarda pessoal |
No dia 22/10/1956, foi a júri o último implicado no caso do chamado
Crime da Rua Tonelero, o ex-secretário da Guarda do Palácio do Catete,
João Valente de Souza. No seu indiciamento não ficou comprovada sua participação efetiva no crime e, assim, foi acusado apenas de favorecimento pessoal.
Ele havia sido processado duas vezes, uma por jogar no bicho e a outra por tomar dinheiro dos bicheiros. Ao final do julgamento, foi condenado a 2 meses de detenção e a pagar 200 cruzeiros de multa, a sua pena ficou suspensa durante 2 anos por livramento condicional. Assim pôde sair do tribunal em liberdade.
Em 2004, 50 anos depois do
Crime da Rua Tonelero,
Alcino João do Nascimento, com 82 anos, morava na baixada fluminense e gozava de boa saúde e excelente memória. Em entrevista para a TV Globo, a propósito dos 50 anos da morte do presidente
Getúlio Vargas, reafirmou o que havia escrito em seu livro de memórias, editado em 1978.
Alcino João do Nascimento faleceu no dia 18/01/2014, aos 91 anos de idade.
Ele contou que havia sido contratado para vigiar
Carlos Lacerda e assim o fez. Começou a segui-lo de longe desde o momento em que se dirigia para a palestra no Externato São José, na Tijuca. Quando chegaram em Copacabana,
Climério Euribes de Almeida pediu que fosse confirmar se a pessoa que estava com o diretor da Tribuna de Imprensa era a mesma que o acompanhava no colégio. Como não enxergou, por estar longe, foi para trás de um automóvel Simca. Enquanto verificava a placa traseira do carro, foi surpreendido por uma forte chave de braço, tentou desvencilhar-se, mas não conseguiu. Nesse momento foram disparados vários tiros em sua direção. Com sorte, conseguiu afastar o homem que o segurava e deu-lhe um empurrão. Nesse momento, sacou seu revólver, disparou dois tiros e fugiu após tiroteio com o guarda municipal
Sálvio Romeiro.
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Carlos Lacerda aparece em público sendo levado por oficiais da Aeronáutica devido ferimento no pé após atentado |
Apesar de tantos anos passados,
Alcino João do Nascimento não tem dúvida: Quem acertou o primeiro tiro no major
Rubens Florentino Vaz foi
Carlos Lacerda. E para completar a cena do crime, o jornalista deu um tiro no próprio pé, para feri-lo e assim se tornar vítima.
A confissão não é fantasiosa. Desde 1954, muitas dúvidas ainda perduram. Se
Carlos Lacerda foi ferido por um tiro, como puderam engessar seu pé, em vez de terem somente feito os curativos costumeiros para um ferimento à bala?
Por que
Carlos Lacerda se negou a entregar seu revólver ao delegado
Jorge Pastor, para que a Polícia Técnica fizesse o exame balístico?
Se
Alcino João do Nascimento, que portava uma pistola calibre 45, tivesse de fato acertado o tiro no pé de
Carlos Lacerda, este não teria perdido o membro em virtude do violento impacto?
As dúvidas perduram, mas o certo é que o tiro da Tonelero acertou o coração do povo brasileiro.