Enedina Alves Marques

ENEDINA ALVES MARQUES
(68 anos)
Engenheira

☼ Curitiba, PR (05/01/1913)
┼ Curitiba, PR (20/08/1981)

Enedina Alves Marques foi a primeira mulher a se formar em Engenharia Civil no Brasil. Ela era uma mulher negra e pobre. Nasceu no início do século passado, em 05/01/1913, em Curitiba, PR. Filha de Paulo Marques e Virgília Alves Marques, Enedina Alves Marques venceu todas as barreiras e fez de tudo um pouco para tornar real o sonho de chegar à universidade e formar-se engenheira civil.

Entre a conclusão da escola secundária e a entrada na universidade passaram-se nove anos. Mas, ao vencer a barreira do vestibular em 1940, Enedina teve de enfrentar o preconceito de alunos e professores do curso de Engenharia.  Mas, com inteligência, determinação e carisma, superou esses obstáculos e conquistou amigos e a solidariedade dentro e fora do campus.

Depoimentos recordam que Enedina passava as noites estudando, copiando textos de livros que não podia comprar, até formar-se em 1945, aos 32 anos, tornando-se a primeira mulher engenheira do Paraná.

No início de sua carreira, Enedina trabalhou como engenheira fiscal de obras da Secretaria de Viação e Obras Públicas do Estado do Paraná. Depois, foi chefe de hidráulica, da divisão de estatísticas e do serviço de engenharia da Secretaria de Educação e Cultura. Atuou no levantamento topográfico da Usina Capivari Cachoeira, e deixou sua contribuição no levantamento de rios, na construção de pontes e na Usina Parigot de Souza.

Enedina Marques de Souza faleceu aos 68 anos, vítima de um infarto, no dia 20/08/1981, e foi imortalizada ao lado de outras 53 pioneiras do Paraná no Memorial à Mulher, em Curitiba, criado em homenagem a todas as mulheres que lutaram pela melhoria da qualidade de vida de seus descendentes.

A engenheira Enedina Alves Marques também empresta o nome ao Instituto de Mulheres Negras de Maringá. Mereceu biografia assinada por Ildefonso Puppi, e seu túmulo, no Cemitério Municipal, é mantido com respeito pelo Instituto de Engenheiros do Paraná.

Sandro Luis Fernandes
Gazeta do Povo
José Carlos Fernandes

Em agosto de 1981, o jornal Diário Popular tinha a matéria de capa que pedira aos infernos. Uma senhora fora encontrada morta em seu apartamento, na Rua Ermelino de Leão, centro de Curitiba. O porteiro sentira falta da moradora, chamou a polícia e a imprensa veio atrás. A foto da falecida saiu sem pudores, na cama, em camisolas, um tratamento dado aos "presuntos", no jargão da imprensa policial. Houve quem não gostasse, com punhos e coração.
A vítima se chamava Enedina Alves Marques, tinha 68 anos e fora a primeira engenheira negra do Brasil. Morreu vítima de infarto. Indignação. Seus companheiros de ofício fizeram uma grita nas páginas da revista Panorama. O Diário se retratou. Afinal, as vitórias de uma mulher negra e pobre que figurou entre os seletos bacharéis de Engenharia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), na década de 1940, deveria constar nos anais da República, e não na manchete sanguinolenta de um tabloide.
Seu resultado: Enedina virou placa de rua no Cajuru. Ganhou inscrição de bronze no Memorial à Mulher Pioneira, criado pelas soroptimistas - confraria de caridosas da qual participou. Mereceu biografia assinada por Ildefonso Puppi. Seu túmulo, no Municipal, é mantido com respeito pelo Instituto de Engenheiros do Paraná. Tempos depois, batizou o Instituto Mulheres Negras, de Maringá.
Aos poucos, descansou em paz. Paz até demais. O centenário de nascimento de Enedina, em janeiro deste 2013, passou em branco. Poderia ter sido celebrado pari passu com o de sua contemporânea, a poeta Helena Kolody, com quem, suspeita-se, teria estudado. Sim, antes de engenheira foi normalista e civilizou os sertões de Rio Negro e Cerro Azul, saindo das lides de doméstica e de "mãe preta" para a de titular de uma sala de aula.
Eu mesmo, confesso, nunca tinha ouvido falar dela até semana passada, quando meu vizinho, Darcy Rosa, estufou o peito para contar que tinha trabalhado com Enedina na Secretaria de Viação e Obras. Publicamos a declaração. Foi o que bastou: súbito vieram mensagens revelando a catacumba onde se reúnem os cultores dessa mulher.
O cineasta Paulo Munhoz prepara um documentário sobre ela, em parceria com o historiador Sandro Luis Fernandes. A casa de Sandro, no São Braz, virou um pequeno memorial de todo e qualquer documento que traga informações sobre a engenheira. São raros, dispersos e imprecisos. Bem o sabe o estudante baiano Jorge Santana. Há dois anos, ele pinça toda e qualquer pista sobre Enedina para uma monografia no curso de História da Universidade Federal do Paraná (UFPR). A pesquisa promete. Há fortes indícios de que Enedina sofreu perseguição racial nos bastidores da universidade.
Formou-se aos 31 anos, sem refresco, depois de uma saga nas madurezas. Vingou-se ao se aposentar, na década de 1960, como procuradora, respeitada por sua contribuição à autonomia elétrica do Paraná. Conheceu o mundo. Morava num apartamento de 500 metros quadrados. Impôs-se entre os ricos por sua cultura, 12 perucas e casacos de pele. Desconhece-se que tenha feito odes feministas ou em prol da igualdade. Ou que fizesse o tipo boazinha para ser aceita. Pelo contrário. Talvez Enedina tenha sido mais admirada que amada. É o que a torna ainda mais intrigante.
As pesquisas de Sandro e de Jorge, ambos negros, já tiraram Enedina do campo dos panegíricos, que se limitam a pintá-la como alguém que venceu pelo próprio esforço. É um discurso bem conveniente, como se sabe. Tudo indica que não se trata de uma biografia isolada, ainda que pareça.
A mulher baixinha, magérrima e durona sabia se impor entre os homens, com os quais gostava de beber cerveja. Enfrentava a lida nas barragens como um deles, armada se preciso fosse. É uma heroína perfeita para um longa-metragem. Nasceu de uma gente humilde do Portão. Era única menina numa casa de dez filhos. A mãe, Virgília, a Dona Duca, ganhava uns trocos como lavadeira. O pai, Paulo, está na categoria "saiu para comprar cigarros".
Mas não é tudo. Enedina teria feito parte de uma rede de resistência da comunidade negra paranaense, pré-Black Power, da qual pouco se ouve falar. As vitórias que teve desmentem a propalada passividade desse grupo diante das migalhas que lhe foram reservadas. O destino dela teria mudado ao cruzar com a família de Domingos Nascimento, negro de posses da Água Verde, e com os Heibel e os Caron, brancos progressistas que acabaram por se tornar os seus.
Nesses redutos não teria encontrado apenas um horário para estudar ao lado do fogão de lenha. Ali, suspeita-se, passou de Dindinha, seu apelido, a Enedina, a primeira engenheira, mas também uma das primeiras negras de fato alforriadas de que se tem notícia. Eis o ponto.

Indicação: Miguel Sampaio