Copinha

NICOLINO COPIA
(74 anos)
Compositor, Instrumentista e Engenheiro

* São Paulo, SP (03/03/1910)
+ Rio de Janeiro, RJ (04/03/1984)

Aquela antológica abertura, em solo de flauta, de "Chega de Saudade", que, ao lado do violão de João Gilberto, lançou a bossa nova em 1957, foi feita pelo engenheiro paulista Nicolino Cópia, mestre do instrumento (e de todos os de sopro) desde os tempos em que tocava acompanhando filmes no cinema mudo. Genial, eclético, atualizado, Copinha foi acima de tudo um músico. Seu som está em centenas - milhares, sem exageros - de gravações de cantores e cantoras brasileiros, de todos os gêneros e estilos, ao longo de seus mais de cinqüenta anos de carreira.

Copinha era filho de italianos e tinha oito irmãos, todos eles músicos. Seu primeiro professor de flauta foi Vicente, irmão mais velho. E, nas serenatas e rodas de choro de São Paulo, iniciou-se no jeito de tocar em grupo, solar e acompanhar.

"Eu comecei a estudar com 7 anos de idade, em 1917. Mas estudava direito, estudava música primeiro. Hoje a gurizada pega um instrumento e vai tocar de ouvido. Estudei música, solfejo, depois mais tarde harmonias, essa coisa toda. Com 9 anos é que eu peguei a flauta. Com nove anos eu já fazia serenata com o Canhoto (Américo Jacomino). Toquei muitas vezes. Ele gostava e dizia: 'Esse garoto é bom'"

Antes dos 20 anos de idade, dominava também o clarinete e o saxofone, que aprendera no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo. Embora Copinha tocasse também clarinete e saxofone, o seu instrumento de preferência, e o que mais utilizou durante toda a carreira, foi a flauta. O que caracteriza Copinha, além da evidente qualidade técnica e musical, é a capacidade de se adaptar a uma enorme variedade de estilos.

Não existe uma "flauta" de Copinha, que se imponha de maneira uniforme independentemente do que e com quem esteja tocando; porém tampouco falta personalidade à sua execução, pois alguns traços estão presentes em todas as suas intervenções: a limpeza do som, o estilo chorado, a economia de notas e, acima de tudo, a interação com os outros instrumentos ou com a voz - a flauta de Copinha está sempre integrada ao conjunto sonoro, e mesmo quando sola não ignora o acompanhamento.

Não existe melhor maneira de perceber tudo isso do que ouvir sua atuação com João Gilberto e, depois, com Paulinho da Viola. Escutar os discos "Chega de Saudade" e, em seguida, "Nervos de Aço".

Apesar de sua discrição e de seu papel de acompanhante, Copinha era respeitado pelos grandes músicos. A ponto de Hermeto Pascoal, um músico em tudo e por tudo diferente, cuja flauta soa no mais das vezes nervosa, "suja", agressiva, ter homenageado o colega com a composição "Salve, Copinha", gravada no disco "Brasil Universo".

Copinha tem menos de 20 composições gravadas, a maioria nos seus próprios discos. São quase todas obras tradicionais, românticas, típicas das serestas. O compositor Copinha viveu no segundo plano em relação ao músico, pelo menos no que se refere às gravações.

A originalidade de arranjador de Copinha não deve ser procurada nos discos orquestrais e sim, principalmente, em três discos de Paulinho da Viola para os quais escreveu os arranjos: "Nervos de Aço", "Memórias Cantando" e "Memórias Chorando" - dois discos de canções e um disco instrumental.


Carreira

Copinha teve duas carreiras distintas: a das orquestras e grandes conjuntos, e a de instrumentista em pequenos grupos, ou acompanhando grupos e cantores. Ambas foram longas, intensas, e produziram resultados muito distintos. Começou a carreira profissional em 1934, como flautista, fazendo fundo para filmes mudos em cinemas de São Paulo e tocando em programas de rádio, quando teve a oportunidade de se apresentar com os violonistas Garôto e Armandinho.

Mas logo deu início à criação de orquestras, principiando pela Orquestra Irmãos Cópia, sob a liderança do irmão mais velho, Vicente. Depois Juca e Seus Rapazes, e mais adiante, a orquestra do Maestro Gaó, Orquestra Colúmbia, em apresentações nas rádios paulistas.

Com Gaó, ainda na década de 1930, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde tocou em boates, cabarés (com Pixinguinha, no Dancing Eldorado), teatros e cassinos. Com a orquestra de Simon Boutman, no Cassino do Copacabana Palace, Carlos Machado, no Cassino da Urca, e Paul Morris, no Quitandinha, em Petrópolis.

Com vocação de andarilho, desde a década de 1930 empreendeu um ciclo de viagens internacionais que se estendeu até o final da vida, sozinho, em grupos, como músico de orquestras ou maestro.

Corria a década de 40, e Copinha criou a primeira orquestra sob sua liderança, chamada inicialmente de Copia e Sua Orquestra. Com ela, ao longo de quase 20 anos, tornou-se um dos principais acompanhantes de cantores como Sílvio Caldas, Francisco Alves, Mário Reis, Carmen Miranda, Cyro Monteiro, Dircinha Batista, Aracy de Almeida, Orlando Silva e Dorival Caymmi.

Em 1958, recebeu em sua orquestra um músico nordestino que viria a fazer história na música brasileira: Hermeto Pascoal mudou-se de São Paulo para o Rio de Janeiro a fim de tocar acordeom na Orquestra do Maestro Copinha, que então se apresentava no Hotel Excelsior. E, no mesmo ano, juntou-se à orquestra o pianista acreano João Donato, durante uma temporada no Hotel Copacabana Palace.

A partir da década de 60, tornou-se um dos mais requisitados músicos de estúdio e de shows do Brasil. O espaço das orquestras rareava pela soma das novas tendências da música com o alto custo necessário para mantê-las. E Copinha afastou-se aos poucos, primeiro desmobilizando sua própria orquestra para trabalhar nas orquestras da TV Tupi e, depois, da Rede Globo e, por fim, praticamente abandonando os grupos orquestrais.

São raros os cantores e compositores de primeira linha da música brasileira, a partir da década de 60, que não tenham contado com Copinha e seus instrumentos de sopro - particularmente a flauta. Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Milton Nascimento, Cartola e Ivan Lins são apenas alguns deles.

É de Copinha a flauta que se ouve na famosíssima introdução de "Chega de Saudade", que abre o primeiro LP homônimo de João Gilberto, com arranjos de Tom Jobim. Assim como é de Copinha a flauta que acompanha João Gilberto em outras faixas do mesmo LP.

Copinha tocou flauta em "Canção do Amor Demais", de Elizeth Cardoso, considerado um dos marcos iniciais da bossa nova. São dele os sopros em grande parte dos discos de carreira de Paulinho da Viola.

Concedeu esta entrevista ao programa MPB Especial, da TV Cultura de São Paulo, em 1974, aos 64 anos: 

(Música Instrumental: Abismo de Rosas)

"Essa música é de um senhor, para mim um senhor exímio violonista, chamado Giacomino, apelido de Canhoto. Eu conheci o Canhoto em 1918, 1919, que foi a época em que ele fez essa valsa, e eu adorava esse homem tocando violão. Aliás, fazíamos serenatas, eu, um garotinho, só 'sapeava', eu tocava uma coisinha ou outra. Meus irmãos mais velhos é que tocavam com ele, João, Vicente, Joaquim e Alexandre."

"Eu nasci na rua Santa Efigênia, antigamente bairro Santa Efigênia. Hoje é Centro. Atravessava a ponte, era o bairro Santa Efigênia. Hoje atravessa a ponte e é cidade mesmo. São Paulo cresceu de uma maneira... São Paulo nesse tempo era um Estado formidável de se viver. Poluição não existia. Eram aqueles bondinhos, eram bondes. Eu não alcancei bonde de burro, não, eu não alcancei isso, porque também não sou tão velho. Mas eram aqueles bondes caradura. Tinha o bonde condutor na frente, todo fechado, pintado de verde, da esperança, que levava o reboque atrás, feito uma jardineira, tudo aberto, chovia dentro. Esse caradura era um tostão. Tomei muito bonde caradura."

"No bairro de Santa Efigênia a coisa mais importante era a igreja. Sem contar a ponte. A ponte foi um acontecimento, os dois viadutos: Santa Efigênia e viaduto do Chá. Tinha casas baixinhas. Naquele tempo, São Paulo todo devia ter um milhão e duzentos mil habitantes. O Rio de Janeiro era mais habitado do que São Paulo, tinha mais população. São Paulo era um lugar formidável. Nasci aqui, gostava muito, né? Hoje não, hoje São Paulo está difícil, está fogo. O Rio de Janeiro está mais devagar, está mais calmo."

"Eu comecei a estudar com 7 anos de idade, em 1917. Mas estudava direito, estudava música primeiro. Hoje a gurizada pega um instrumento e vai tocar de ouvido. Estudei música, solfejo, depois mais tarde harmonias, essa coisa toda. Com 9 anos é que eu peguei a flauta. Com nove anos eu já fazia serenata com o Canhoto. Toquei muitas vezes. Ele gostava e dizia: 'Esse garoto é bom'. Fiz muitas serenatas e valsas. Aliás, muita gente está enganada com serenata, dizem que serenata é só música dolente. Não é não. Eu tinha uma 'pequena' que gostava de tango e fiz serenata com tango. Tinha uma garota que gostava de um choro (não me lembro o nome)."

"Eu tocava choro para ela na serenata. E daí todo muito pensa que serenata é só valsa, dolente. Não é nada disso, não. Tudo que você gostava, eu ia tocar para você, e acabou-se, gostasse do que gostasse."