Paulo César Saraceni

PAULO CÉSAR SARACENI
(78 anos)
Ator, Roteirista, Produtor de Cinema e Cineasta

* Rio de Janeiro, RJ (05/11/1933)
+ Rio de Janeiro, RJ (14/04/2012)

Paulo César Saraceni nasceu na cidade do Rio de Janeiro em 1933 e, quando garoto, estava mais interessado nos esportes, praticando pólo aquático, natação e até arriscando-se nos gramados dos campos de futebol, chegou inclusive a ingressar no time juvenil do Fluminense na década de 1950. 

Porém, os revolucionários anos 1960 estavam se aproximando, assim como a vontade de Sarra, como seus amigos o chamavam, de falar sobre cinema. Ele começou a trabalhar como crítico em 1954, iniciou-se nas artes como assistente de direção de algumas peças teatrais e deu seus primeiros passos no audiovisual ao realizar o curta "Caminhos" (1957), em 16mm.

Em 1960, dirigiu "Arraial do Cabo" e conquistou uma bolsa para estudar no Centro Experimental de Cinematografia em Roma, com o neorrealismo a todo vapor na Itália. Ao entrar em contato com diretores como Bernardo Bertolucci, Marco Bellochio e Guido Cosulich, sabia muito bem o tipo de cinema que queria realizar.

Retornou ao Brasil em 1962, cheio de ideias que estavam alinhadas com as de outros cineastas da época, como Glauber Rocha, Cacá Diegues, Nelson Pereira dos Santos e Gustavo Dahl. Juntos, iniciaram o Cinema Novo, repudiando Hollywood, as produções da Atlântida e da Vera Cruz, e propondo uma cinematografia brasileira, de fato, e engajada politicamente. Glauber Rocha declarou certa vez que Paulo César Saraceni, na verdade, é o autor da famosa frase "Uma ideia na cabeça e uma câmera na mão", máxima símbolo do movimento.

A primeira obra de Paulo César Saraceni no Cinema Novo foi "Porto das Caixas" (1962), com roteiro de Lúcio Cardoso, um parceiro com quem ele voltaria a colaborar em 1974, com "A Casa Assassinada", e em 1998, com "O Viajante". Musicados por Tom Jobim, eles formam uma trilogia não-oficial sobre a paixão.

"O Desafio", de 1965, é uma de suas obras mais comemoradas, ao colocar em xeque a própria esquerda política brasileira diante do golpe de estado realizado no ano anterior. Filmado em pouco mais de duas semanas e com baixo orçamento, o cineasta usa a trajetória de um jornalista em crise amorosa e moral para analisar os acontecimentos políticos do país, que só viriam a piorar.

Seu trabalho seguinte, "Capitu" (1968), foi a ousada adaptação do clássico livro "Dom Casmurro", de Machado de Assis. O filme, no entanto, não foi bem recebido, com severas críticas tanto pela narrativa escolhida, que não conseguiu trazer a ambiguidade típica da obra literária, quanto pela dupla principal de atores: Othon Bastos, como Bentinho, e Isabella, na época esposa do diretor, como Capitu.

Paulo César Saraceni era um apaixonado por samba e carnaval, e abordou o tema quatro vezes em sua filmografia. Em 1973, realizou "Amor, Carnaval e Sonhos", com Leila Diniz no elenco. Em 1988, "Natal da Portela", com Milton Gonçalves e Paulo César Peréio, sobre um lendário bicheiro carioca. Ele também retornou à música por meio de documentários, com "Bahia de Todos os Sambas" (1996) e "Banda de Ipanema - Folia de Albino" (2003).

Além de samba e política, Paulo César Saraceni também gostava de sexo, como demonstrou no longa "Ao Sul do Meu Corpo" (1982), estrelado por sua segunda mulher Ana Maria Nascimento e Silva.

Em 1993, lançou o livro "Por Dentro do Cinema Novo", no qual narra os bastidores do movimento cinematográfico e sua trajetória pessoal. Como Paulo César Saraceni sempre foi conhecido como um grande conquistador de mulheres, as pessoas estavam mais interessadas nos "nomes" do que analisar o conteúdo da obra.

Em 1999, o diretor também provocou algumas risadas no Festival de Miami, onde apresentava "O Viajante". Ao seu lado estava o colega documentarista Silvio Tendler, que levou "Castro Alves". Perguntado por um jornalista sobre o que achava do lançamento de "Star Wars: Episódio I - A Ameaça Fantasma", que invadia os cinemas do mundo todo na época, Paulo César Saraceni simplesmente respondeu que tinha um pacto com George Lucas: jamais assistiria aos filmes dele e o americano faria o mesmo.

Seu bom-humor também foi visto durante as gravações de seu último filme, "O Gerente", ainda inédito no circuito comercial brasileiro. Para que os atores compreendessem o que ele queria, o próprio diretor, apesar da saúde debilitada, fez questão de ensaiar uma cena de dança, estrelada por Letícia Spiller e Ney Latorraca. Em entrevista à Folha de São Paulo, o produtor Zelito Viana disse que "O Gerente" foi realizado no estilo Cinema Novo, com baixo orçamento. Todos da equipe, inclusive atores, teriam trabalhado com o mesmo salário: "Uma ajuda entre amigos".

Paulo César Saraceni preparava o lançamento do filme quando sofreu um AVC. O cineasta lutou por meses, internado num hospital do Rio de Janeiro, mas não resistiu. Ele deixa a esposa Ana Maria Nascimento e Silva, com quem foi casado por 35 anos.


Morte

O cineasta brasileiro Paulo César Saraceni, morreu no início de sábado, 14/04/2012, no Rio de Janeiro, vítima de Falência Múltipla de Órgãos. Paulo César Saraceni estava internado desde outubro no Hospital Federal da Lagoa, na Zona Sul da cidade, após sofrer um Acidente Vascular Verebral (AVC).

O velório aconteceu no domingo, 15/04/2012, no Parque Lage, no Jardim Botânico, na Zona Sul da cidade das 14:00 hs às 22:00 hs. O corpo foi cremado na segunda-feira, 16/04/2012, às 14:00 hs, no Crematório da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, no Cemitério São Francisco Xavier, no Caju, Zona Portuária.


Filmografia

  • 2011 - O Gerente (Direção e Roteiro)
  • 2003 - Banda de Ipanema - Folia de Albino (Direção e Roteiro)
  • 2003 - O General (Interpretação)
  • 1998 - O Viajante (Direção e Roteiro)
  • 1996 - Bahia de Todos os Sambas (Direção)
  • 1988 - Natal da Portela (Direção e Interpretação)
  • 1983 - Quadro a Quadro Newton Cavalcanti
  • 1981 - Ao Sul do Meu Corpo (Direção e Roteiro)
  • 1977 - Anchieta, José do Brasil (Direção, Produção e Roteiro)
  • 1972 - Amor, Carnaval e Sonhos (Direção, Interpretação e Roteiro)
  • 1970 - A Casa Assassinada (Direção, Produção e Roteiro)
  • 1967 - Capitu (Direção, Produção e Roteiro)
  • 1965 - O Desafio (Direção, Produção e Roteiro)
  • 1964 - Integração Racial (Direção)
  • 1962 - Porto das Caixas (Direção e Roteiro)
  • 1960 - Arraial do Cabo (Curta-Metragem) (Direção)
  • 1957 - Caminhos (Curta-metragem)

Premiações

  • 1970 - Candango de Melhor Filme, no Festival de Brasília, por "A Casa Assassinada"
  • 1970 - Candango de Melhor Diretor, no Festival de Brasília, por "A Casa Assassinada"
  • 1998 - Prêmio Especial do Júri, no Festival de Brasília, por "O Viajante"
  • 1967 - Candango de Melhor Roteiro, no Festival de Brasília, por "Capitu"
  • 1998 - Prêmio Especial do Júri, no Festival de Cinema Brasileiro de Miami, por "O Viajante"
  • 1998 - Prêmio FIPRESCI, no Festival de Moscou, por "O Viajante"


Fonte: Pipoca Moderna e G1

Antônio Maria

ANTÔNIO MARIA DE ARAÚJO MORAIS
(43 anos)
Compositor, Cronista, Radialista, Comentarista Esportivo e Poeta

* Recife, PE (17/03/1921)
+ Rio de Janeiro, RJ (15/10/1964)

Pernambucano do Recife, onde nasceu a 17 de março de 1921, Antônio Maria de Araújo Morais, ou simplesmente Antônio Maria, foi um dos maiores cronistas brasileiros do seu tempo. Compositor de sucessos inesquecíveis como "Ninguém Me Ama" ou "Se Eu Morresse Amanhã", ele foi locutor esportivo, poeta e radialista. Mas, para companheiros de farras como Vinícius de MoraesFernando Lobo e outros, sua marca maior foi, sem dúvida, a boemia.

Neto e filho de usineiros, antes da glória de ver suas músicas nas paradas de sucesso interpretadas por Dolores Duran, Nora Ney e Maysa, Antônio Maria viveu dias um tanto difíceis. Primeiro, no Recife, em meados da década de 30, quando os negócios da família decaíram e ele, ainda adolescente, teve que arranjar um emprego na Rádio Clube de Pernambuco, para bancar as já freqüentes noitadas no Bar Gambrínus e no Cabaré Imperial.

Depois, a dureza continuou no Rio de Janeiro, para onde viajou em 1939, com Fernando Lobo, para tentar a vida. Seu trabalho, como locutor esportivo na Rádio Ipanema, não agradou e ele chegou a passar fome. Frustrada a primeira tentativa de morar no Rio de Janeiro, Antônio Maria retornou ao Recife.

Em seguida, convidado por Assis Chateaubriand, chefe dos Diários e Emissoras Associados, aceitou o cargo de diretor da Rádio Clube do Ceará e, já casado com sua primeira mulher, seguiu para Fortaleza. Depois, mudou-se para Salvador, também convidado para a direção das Emissoras Associadas da Bahia. Antônio Maria permaneceu no Nordeste até 1948 quando, mais uma vez, embarcou para o Rio de Janeiro.

Foi a viagem definitiva para a cidade maravilhosa, onde iria conhecer o sucesso e viver mil aventuras. Antônio Maria passou a dividir um apartamento com Fernando Lobo na Rua do Passeio, no Centro, onde seguidamente o também pernambucano Abelardo Barbosa, futuro Chacrinha, ia se convidar para o jantar. O "Velho Guerreiro" sempre ganhava comida, mas antes passava por alguma sacanagem da dupla, como ter que tomar banho gelado.

Em 1949, Antônio Maria já era diretor da Tupi, cargo em que se manteve até sair da emissora. Continuava à frente do microfone, onde narrava e produzia "O Tempo e a Música", às quintas, às 21:00 hs.

Ainda em 1949, ele foi convidado por Ary Barroso para inaugurar um novo tipo de narração de futebol: dois locutores, cada um narrando a posse de bola de uma das equipes. Por exemplo: num Flamengo x VascoAry Barroso narraria a bola com o Flamengo e Antônio Maria, a bola com o Vasco. A ideia funcionou bem e foi aplicada na Copa do Mundo de 1950, disputada no Brasil.

A decepção de Antônio MariaAry Barroso com a derrota do Brasil na Copa de 50 foi total. Ary Barroso largou a narração esportiva, só retornou após quase 10 anos, enquanto Antônio Maria continuou, para cumprir seu contrato, embora não sentisse mais nenhum prazer na atividade.

Sendo amigo de Fernando Lobo, Antônio Maria começou logo de cara a frequentar os grandes pontos da boemia carioca, como o Vilariño e o Clube da Chave, onde sempre estavam Ary BarrosoVinícius de Moraes, Sérgio Porto, mais conhecido como Stanislaw Ponte Preta e com quem disputou o amor de várias vedetes, Millôr Fernandes, Rubem Braga, Paulo Mendes Campos, Aracy de AlmeidaDolores Duran

Já assinando uma coluna no O Jornal, Antônio Maria tornou-se, a 20 de janeiro de 1951, o primeiro diretor da primeira emissora de televisão instalada no Brasil, a TV Tupi do Rio de Janeiro. Mas graças ao dinheiro que o governo Getúlio Vargas despejou em troca de apoio político, no final de 1952 a Rádio Mayrink Veiga partiu para o ataque contra a TV Tupi e passou a contratar seus grandes nomes.

Antônio Maria foi um dos primeiros contratados, por 50 mil cruzeiros, o mais alto salário do rádio no Brasil. Logo comprou seu primeiro Cadillac, símbolo de status entre os reis do rádio naquela época.

Vida financeira organizada, foi também a partir de 1951 que ele deu partida à carreira de compositor, compondo "Frevo n° 1 do Recife", gravado pelo Trio de Ouro. E, apesar de ter como atividade principal o jornalismo, foi justamente com a música que ele ganhou fama. Durante 15 anos de trabalho, só ou em parceria com Fernando Lobo, Luíz BonfáVinícius de MoraesIsmael Neto e outros, compôs um total de 63 músicas.

Como cronista, Antônio Maria atuou em vários jornais e revistas, entre os quais Diário Carioca, O Globo, Manchete. Mas foi no Última Hora, segundo Paulo Francis, um dos seus companheiros de noitadas, que ele teve a sua melhor fase. Poético, gozador, Antônio Maria escreveu sobre tudo: mulheres, política, boemia, solidão.

Homem de muitas atividades, Antônio Maria foi também produtor e diretor de shows e programas de televisão. Por conta da boemia, sempre trocava o dia pela noite, mas dava conta de tudo. Teve época em que fazia, simultaneamente, três programas semanais na Rádio Mayrink Veiga, um programa na Rádio Nacional, uma crônica para a revista Manchete, uma para O Globo e seis para o Diário Carioca e, de quebra, ainda arrumava tempo para compor, encher a cara de birita e correr atrás dos rabos de saias.


Na televisão era famoso o programa "Preto no Branco", de Oswaldo Sargentelli, onde sempre aparecia uma "pergunta de Antônio Maria, da produção do programa", geralmente muito embaraçosa. A câmera focalizava em plano fechado o rosto tenso do entrevistado e em seguida ecoava a voz do apresentador, em off:

"Pergunta de Antônio Maria para Alziro Zarur, da Legião da Boa Vontade: Senhor Alziro Zarur,  se Jesus está chamando, porque o senhor não vai logo?".

Um dia perguntou a Sandra Cavalcanti, candidata a deputada:

"Quer dizer, dona Sandra, que a senhora é mal-amada?"

A resposta de Sandra Cavalcanti, dizem os espectadores da cena, assegurou-lhe a eleição.

"Posso até ser, senhor Maria, mas não fui eu que fiz aquela música 'Ninguém Me Ama'"

Nos últimos meses de vida, já doente do coração e um pouco afastado das madrugadas, montou com Ivan Lessa, no Rio de Janeiro, um escritório de produções para TV. Do seu primeiro casamento com a pernambucana Maria Gonçalves Ferreira, teve dois filhos: Maria Rita e Antônio Maria Filho. E, como todo boêmio, amou muitas mulheres, milhares delas.

Segundo José Aparecido, a última grande paixão de Antônio Maria foi Danusa Leão, que ele roubou do proprietário do jornal Última Hora, Samuel Wainer, e por isso foi demitido, passando cinco meses desempregado.

Quando conseguiu um novo emprego, a primeira crônica que Antônio Maria escreveu tinha o título "O Bom Caráter" e começava assim: "Aqueles que dizem que mulher de amigo meu pra mim é homem estão enganados; porque mulher de amigo meu é mulher mesmo."

Quando sofreu o enfarte, Antônio Maria já estava separado de Danusa Leão, que se reconciliaria, em Paris, com Samuel Wainer. E José Aparecido, que seis meses antes havia dividido um apartamento com o cronista, depois contaria:

"Estávamos numa situação muito difícil. Eu, cassado e o Antônio Maria vivendo a sua mais profunda crise sentimental. Foi o único homem que vi morrer de amor."

Mesmo sendo uma pessoa extrovertida e de muitos amigos, e inimigos, Maria, como era chamado por eles, sempre teve a solidão dentro de si. Um exemplo está em sua crônica "Oração", escrita em março de 1954.

Aracy de Almeida foi uma de suas grandes amigas. Sabia tudo sobre Antônio Maria e, mesmo assim, como dizia brincando, continuava a gostar dele. Era desprovido de qualquer cerimônia: uma vez pediu a ela ajuda para colocar um supositório ("Já tentei todas as posições e não consegui nada").

Em outra oportunidade, ele e Vinícius de Moraes tentavam cumprir um compromisso assumido: fazer um jingle para o lançamento de um... regulador feminino. Estavam com inúmeros outros trabalhos e foram pedir ajuda a Aracy de Almeida. Ela, sem pensar muito, tomando emprestada a melodia de "O Orvalho Vem Caindo", de Noel Rosa, atacou de pronto: "O ovário vem caindo...".


Carlos Heitor Cony dizia que se Antônio Maria fosse mandado para cobrir a posse do papa, voltaria cardeal. Certa ocasião, estava em cima da hora de um programa entrar no ar e, enquanto Chico Anysio e todo o elenco aguardavam ansiosos, Antônio Maria datilografava feito louco para terminar o texto a tempo. Nesse instante, entra uma senhora na redação e diz:

"Olhe, eu sou da Campanha Contra o Câncer..."

Preocupado em cumprir sua tarefa, sem levantar os olhos da máquina, Antônio Maria, responde: "Eu sou a favor!"

Antônio Maria costumava ir do Rio de Janeiro a São Paulo, em companhia de Vinícius de Moraes,  para encontrar companheiros de farras. Numa dessas viagens, combinaram o encontro no apartamento de um deles e, quando chegaram ao edifício, notaram um princípio de incêndio. Da portaria, Antônio Maria telefonou: "Olha, desçam logo, mas não avisem a ninguém, porque senão vocês vão ter de dar preferência aos velhos e às crianças."

Por causa de Elis Regina, Ronaldo Bôscoli apelidou Antônio Maria de "Eminência Parda" e "Galak", numa gozação com a pele mulata do rival. Mas talvez não soubesse das suas dimensões: Antônio Maria media 1,85m e pesava 130 kg.

Certa noite, Antônio Maria procurou Ronaldo Bôscoli no Beco das Garrafas, em Copacabana, para brigar. O diretor da gravadora Elenco, Aloysio de Oliveira, amigo dos dois, divertia-se com a cena, mas, quando o conflito parecia inevitável, Aloysio de Oliveira urinou no sapato de Antônio Maria. Este parou de discutir, os três caíram na gargalhada e foram beber juntos.

Conta Sérgio Porto que, certa vez, Antônio Maria recebeu o pedido do diretor da TV Rio, Péricles do Amaral para reescrever um texto humorístico. O programa era horrível, e a emissora mantinha outro redator só para piorar os textos. Ao saber do pedido, Antônio Maria entrou na sala do diretor com cara de mau, jogou seu texto em cima da mesa e disse: "Está aqui minha parte do programa. Eu sinto muito, mas pior do que isso eu não sei fazer."

Em 1990, Paulo Francis escreveu que, na véspera do infarto fulminante, Antônio Maria "detonara muito" com cocaína, porque Vinícius de Moraes lhe dissera que Danuza Leão estava muito feliz na França, podendo ser vista na garupa da moto de um príncipe dinamarquês.

Em 1994, Ronaldo Bôscoli, pouco antes de morrer, também afirmou que Antônio Maria usava cocaína e mostrou que continuava ressentido com o antigo rival, tratando-o por canalhão e babaca em suas memórias, o livro "Eles e Eu". Já o cineasta Paulo César Saraceni, que em 1961 convivera com Antônio Maria porque namorava Nara Leão, irmã de Danuza Leão, escreveu em 1993, no livro "Por Dentro do Cinema Novo":

"Antônio Maria tinha fama de cheirar pó, mas nunca vi, se fazia era um profissional, discretíssimo."


No dia 15 novembro de 1964, Vinícius de Moraes publicou a crônica "Morrer Num Bar", escrita no dia da morte do amigo:

"Aí está, meu Maria... Acabou. Acabou o seu eterno sofrimento e acabou o meu sofrimento por sua causa. Na madrugada de 15 de outubro em que, em frente aos pinheirais destas montanhas queridas, eu me sento à máquina para lhe dar este até-sempre, seu imenso coração, que a vida e a incontinência já haviam uma vez rompido de dentro, como uma flor de sangue, não resistiu mais à sua grande e suicida vocação para morrer. 

Acabou, meu Maria. Você pode descansar em sua terra, sem mais amores e sem mais saudades, despojado do fardo de sua carne e bem aconchegado no seu sono. Acabou o desespero com que você tomava conta de tudo o que amava demais: o crescimento harmonioso de seus filhos, o bem-estar de suas mulheres e a terrível sobrevivência de um poeta que foi o seu melhor personagem e o seu maior amigo. Acabou a sua sede, a sua fome, a sua cólera. Acabou a sua dieta. Aqui, parado em frente a estas montanhas onde, há trinta anos atrás, descobri maravilhado que eu tinha uma voz para o canto mais alto da poesia, e para onde, neste mesmo hoje, você deveria chamar porque (dizia o recado) não aguentava mais de saudades – aprendo, sem galicismo e sem espanto, a sua morte. 

Quando a caseira subiu a alegre ladeirinha que traz ao meu chalé para me chamar ao telefone – eram nove da manhã - eu me vesti rápido dizendo comigo mesmo: 'É o Maria!' E ao descer correndo para a pensão fazia planos: 'Porei o Maria no quarto de solteiro ao lado, de modo a podermos bater grandes papos e rir muito, como gostamos…' E ainda a caminho fiquei pensando: 'Será que Itatiaia não é muito alto para o coração dele?...' Mas você, há uma semana – quando pela primeira e última vez estivemos juntos depois de minha chegada da Europa, numa noitada de alma aberta - me tinha tranquilizado tanto que eu achei melhor não me preocupar. Eu sabia que seu peito ia explodir um dia, meu Maria, pois por mais forte e largo que fosse, a morte era o seu guia.

Outra noite, pelo telefone, ao perguntar eu se você estava cuidando de sua saúde, você me interpelou: 'Você tem medo de morrer, Poesia?' - 'Medo normal, meu Maria', respondi. 'Pois olhe: eu não tenho nenhum' retorquiu você sem qualquer bravata na voz. 'Só queria que não doesse demais, como na primeira crise. Aquela dor, Poesia, desmoraliza.'

Mas como eu descesse - dizia - para atender à sua chamada, e atravessasse o salão da casa-grande, e entrando na cabine ouvisse (como há 14 anos atrás ouvi a voz materna) a voz paternal de meu sogro que me falava, preparando-me: 'Você sabe, Antônio Maria está muito mal...' e eu instantaneamente soubesse... - justo como naquela época soube também, quando a voz materna, em sinistras espirais metálicas, me disse do Rio para Los Angeles: 'Sabe, meu filho, seu pai está muito mal…', o nosso encontro marcado deu-se numa dimensão nova, entre o mundo e a eternidade: eu aqui; você... onde, meu Maria? - onde?

Ah, que dor! Agora correm-me as lágrimas, e eu choro embaçando a vista do teclado onde escrevo estas palavras que nem sei o que querem dizer…

Há uma semana apenas conversamos tanto, não é, meu Maria? Você ainda não conhecia minha mulher, foi tão carinhoso com ela... Tomamos uma garrafa de Five Stars no Château, depois fomos até o Jirau e terminamos no Bossa Nova. Eu ainda disse: 'Você pode estar bebendo e comendo desse jeito?' - 'Por que, Poesia? Não há de ser nada... Qualquer dia eu vou morrer é assim mesmo, num bar...'

Eu só espero que não tenha doído muito, meu Maria. Que tenha sido como eu sempre desejei que fosse: rápido e sem som. Mas é uma pena enorme. Você tinha prometido à minha mulher, a pedido dela, que recomeçaria hoje, nesta quinta-feira do seu recesso, no seu 'Jornal de Antônio Maria' o seu 'Romance dos Pequenos Anúncios', que foi uma de suas melhores invenções jornalísticas e onde eu era personagem cotidiano: você sempre a querer fazer de mim, meu pobre Maria, o herói que eu não sou...

Mas por outro lado, sei lá... Você disse nessa noite, à minha mulher e a mim, que nem podia pensar na ideia de sobreviver às pessoas que mais amava no mundo: sua mãe, seus dois filhos, suas irmãs e este seu poeta. 'E Rubem Braga…', acrescentou você depois, brincando com ternura, 'Eu não queria estar aí para ler quanta besteira se ia escrever sobre o Braguinha...'

Não irei ao seu enterro, meu Maria. Daria tudo para ter estado ao seu lado na hora, para lhe dar a mão e recolher seu último olhar de desespero, de maldição para esta vida a que você nunca negou nada e o fez sofrer tanto. Daqui a pouco o sino da casa-grande tocará para o almoço. Verei minha mulher descer, triste de eu lhe ter dito (porque ela dorme ainda, meu Maria...) e de me deixar assim sozinho, sentado à máquina de escrever, com a sua morte enorme dentro de mim."

Estátua de Antônio Maria, Rua do Bom Jesus, Recife Antigo (Foto: Hugo Acioly)
Morte

Antônio Maria teve problemas cardíacos desde quando era criança. "Cardisplicente", como ele mesmo se descrevia. Foi como boêmio que Antônio Maria morreu, na noite de 15 de outubro de 1964, no Rio de Janeiro, ao entrar no bar Rond Point, perto de sua casa, para trocar um cheque. Ele se sentou a uma mesa e, enquanto esperava o dinheiro, passou mal. Emborcou sobre a mesa e ali mesmo o coração parou. Um Infarto do Miocárdio fulminante.

Fonte: Blog do Simão Pessoa
Indicação: Reginaldo Monte