Zózimo Bulbul

ZÓZIMO BULBUL
(75 anos)
Ator, Cineasta e Roteirista

☼ Rio de Janeiro, RJ (21/09/1937)
┼ Rio de Janeiro, RJ (24/01/2013)

Zózimo Bulbul foi um ator, cineasta e roteirista brasileiro. Primeiro ator negro a protagonizar uma novela na televisão brasileira, "Vidas Em Conflito" (1969) na extinta TV Excelsior, onde foi par romântico de Leila Diniz. O escândalo do par fez com que a censura da ditadura militar vetasse a novela. Aproveitando-se da polêmica, o estilista Dener Pamplona convidou Zózimo para desfilar, tornando-o o primeiro modelo de uma grande grife brasileira.

"Fui capa de revista, um sucesso! Só que não me conformaria em ser um ator vazio."
(Zózimo Bulbul)

Sua carreira começou nas peças do Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes (UNE) e se encorpou no cinema, no qual se tornou um dos maiores expoentes da cultura afro-brasileira, como fazia questão de ressaltar, nas décadas de 1960 e 70.

No cinema, estreou em 1962 em um dos episódios do filme "Cinco Vezes Favela", um dos no marcos do Cinema Novo. Ao longo de 50 anos de carreira, Zózimo Bulbul atuou em mais de 30 filmes, incluindo clássicos como "Terra em Transe" (1967), de Glauber Rocha, "Compasso de Espera" (1973), de Antunes Filho e "Grande Sertão" (1965), de Geraldo Santos Pereira.

Chacrinha chamava o ator Zózimo Bulbul de "O negro mais bonito do Brasil".

Em 1974, estreou como diretor com o curta em preto e branco "Alma no Olho", uma reflexão da identidade negra por meio da linguagem corporal. Zózimo aproveitou os negativos que sobraram do filme de Antunes Filho para rodar seu curta-metragem. Os integrantes da censura achavam que a obra tinha tom "subversivo" e o chamaram para depor. Perguntaram sob ordem de quem ele havia feito filme tão sofisticado, imaginando que chegariam a uma complexa mente comunista. "Sob ordens do amigo e poeta Vinicius de Moraes", respondeu Zózimo.


Seu filme mais conhecido, no entanto, é um documentário de 1988 intitulado "Abolição", com entrevistas de personalidades sobre o centenário da abolição.

Foi o fundador do Centro Afro Carioca de Cinema. Realizou três curtas, cinco medias e um longa-metragem, todos com foco na cultura afro descendente e na luta contra as desigualdades.

Em 2010, a convite do governo do Senegal, Zózimo fez o média-metragem "Renascimento Africano", que mostra o país nas comemorações dos 50 anos de independência deste país.

Em novembro de 2012, o ator foi homenageado pelos 50 anos de carreira no 6º Encontro de Cinema Negro Brasil, África e Caribe, evento que foi criado por ele.

Uma das últimas entrevistas que concedeu foi para o documentário em produção do cineasta americano Spike Lee. Em novembro de 2012, comentou como transcorreu a conversa.

"Tinha morado em Nova York quando a ditadura apertou por aqui. Fiz muitos contatos, que sempre me ajudaram na organização dos festivais de cinema. Spike esteve no Brasil e o único cineasta brasileiro que quis entrevistar foi a mim. Porque ele sabia do meu comprometimento com os irmãos africanos e em fazer com que o cinema seja ferramenta de luta."

Zózimo Bulbul já estava enfraquecido pelo câncer que enfrentava havia alguns anos. Falava com dificuldade. Estava muito atento ao noticiário e enalteceu a figura do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, na condução do julgamento do mensalão.

"Que maravilha de atuação. Impôs-se com rigor e inteligência como não se via há muito."

Zózimo Bulbul trabalhou até novembro de 2012.

Morte

Zózimo Bulbul sofreu um infarto às 9h50 de quinta-feira, 24/01/2013, aos 75 anos. Zózimo estava seu apartamento, na praia do Flamengo, ao lado da mulher, Biza Vianna com que era casado havia 30 anos. Ele lutava desde junho de 2012 contra um câncer no colo do intestino.

O velório começou às 17h00 de quinta-feira, 24/01/2013, na Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro. O enterro ocorreu às 12h00 de sexta-feira, 25/01/2013, no Cemitério São Francisco Xavier, no Caju, Zona Portuária da cidade.

"É um sentimento horrível, horroroso, mas o que existe agora é um grande alívio, pois ele estava sofrendo muito. Tenho a certeza de que ele lutou muito, o tempo todo, e se orgulhava muito de todas as coisas que conquistou em vida. É um guerreiro, um rei africano."
(Biza Vianna, viúva de Zózimo)

Comentários e Notas de Pesar

"Minha ficha ainda não caiu. Por enquanto ainda estou reagindo de uma maneira prática a tudo isso. Mas é muito doloroso perder o Zózimo desta maneira. Ele tinha uma força de viver muito grande. Acho que é exatamente isso que está unindo as pessoas neste momento."
(Monalisa Alves, que trabalhava com o diretor no Centro Afrocarioca de Cinema há três anos)


"Zózimo Bulbul teve uma trajetória fantástica, reconhecida. Mais que um ícone do seu tempo, é alguém que rompe paradigmas, faz o novo e por isso se torna conhecido no Brasil e no exterior. Ele nos deixa o exemplo de quem sempre quis fazer mais e melhor. E fez."
(Marta Suplicy - Ministra da Cultura)


"Foi contando a história dele que comecei a dirigir. Meu primeiro trabalho no Canal Brasil foi um 'Retratos Brasileiros' sobre ele. Descobri-lo como o primeiro negro protagonista masculino de uma telenovela no Brasil e tantas outras coisas me revelou um novo mundo"
(Lázaro Ramos)

"O povo brasileiro tem avançado muito nessa caminhada para construir a igualdade de oportunidades entre negros e não negros, e o Zózimo é um dos protagonistas que vêm de longe lutando contra o racismo e em prol da igualdade. Por isso eu digo que o Brasil ficou hoje menos afro-brasileiro, com uma dor intensa. Mas as futuras gerações conhecerão o trabalho de Zózimo, a riqueza de sua obra e de sua militância."
(Eloi Ferreira de Araujo - Presidente da Fundação Cultural Palmares)

"Ele foi o primeiro cara que cunhou esse termo 'cinema negro', com características brasileiras, mas muito africano. Aqui no Brasil ele me colocou em conexão com o cinema mundial. Para mim, é uma perda muito pessoal desse pai do cinema negro, mas que também muitas vezes assumiu o papel de um pai biológico para mim."
(Jefferson De - Diretor de "Bróderr" e "5x Favela")


"Ele não era só um ator de qualidade, mas um ícone da cultura negra, um líder do movimento negro. Tinha uma capacidade imensa de agregar pessoas em torno dele."
(Cacá Diegues)

O Centro de Articulação de Populações Marginalizadas divulgou nota lamentando a morte do ator e cineasta, um dos contemplados em 2011 na última edição do Prêmio Camélia da Liberdade, concedido pela entidade.

De acordo com a nota, Zózimo Bulbul manifestou grande emoção pelo reconhecimento de seu trabalho de luta contra o preconceito.

Carreira


Televisão
  • 1996 - Xica da Silva
  • 1994 - Memorial de Maria Moura
  • 1969 - Vidas em Conflito

Cinema

  • 2005 - As Filhas do Vento
  • 2004 - O Veneno da Madrugada
  • 2003 - Oswaldo Cruz - O Médico do Brasil
  • 2002 - A Selva
  • 1988 - Natal da Portela
  • 1987 - Tanga (Deu no New York Times?)
  • 1984 - Quilombo
  • 1982 - A Menina e o Estuprador
  • 1980 - Giselle
  • 1980 - Parceiros da Aventura
  • 1978 - A Deusa Negra
  • 1975 - Ana, a Libertina
  • 1974 - El Encanto Del Amor Prohibido
  • 1974 - Brutos Inocentes
  • 1974 - Pureza Proibida
  • 1971 - Quando as Mulheres Paqueram
  • 1970 - A Guerra dos Pelados
  • 1970 - O Palácio dos Anjos
  • 1970 - República da Traição
  • 1969 - O Cangaceiro Sem Deus
  • 1969 - A Compadecida
  • 1969 - Em Compasso de Espera
  • 1968 - O Engano
  • 1968 - O Homem Nu
  • 1967 - Terra em Transe
  • 1967 - Garota de Ipanema
  • 1967 - El Justicero
  • 1967 - Proezas de Satanás na Vila do Leva-e-Traz
  • 1966 - Onde a Terra Começa
  • 1965 - O Grande Sertão
  • 1963 - Ganga Zumba
  • 1962 - Cinco Vezes Favela

Santa Rita Durão

JOSÉ DE SANTA RITA DURÃO
(62 anos)
Religioso Agostiniano, Orador e Poeta

* Fazenda Cata Preta - Mariana, MG (1722)
+ Lisboa, Portugal (1784)

Frei José de Santa Rita Durão foi um religioso agostiniano brasileiro do período colonial, orador e poeta. É também considerado um dos precursores do indianismo no Brasil. Seu poema épico "Caramuru" é a primeira obra narrativa escrita a ter, como tema, o habitante nativo do Brasil. Foi escrita ao estilo de Luís de Camões, imitando um poeta clássico assim como faziam os outros neoclássicos (árcades).

Vida

Santa Rita Durão estudou no Colégio dos Jesuítas no Rio de Janeiro até os dez anos, partindo no ano seguinte para a Europa, onde se tornaria padre agostiniano. Doutorou-se em Filosofia e Teologia pela Universidade de Coimbra e, em seguida, lá ocupou uma cátedra de Teologia. Ingressou na Ordem de Santo Agostinho. Nesse período, por volta de 1759, fez uma pregação contra os padres da Companhia de Jesus pela expulsão dos jesuítas, mas depois se arrependeu. 

Durante o governo de Marquês de Pombal, foi perseguido e abandonou Portugal. Trabalhou em Roma como bibliotecário durante mais de vinte anos até a queda de seu grande inimigo, retornando então ao país luso. Esteve ainda na Espanha e na França. Voltando a Portugal com a Viradeira, (queda de Marquês de Pombal e restauração da cultura passadista), a sua principal atividade passou a ser a redação de "Caramuru", publicado em 1781. Conta-se que a obra teria sido recebida com indiferença e que isso fez Santa Rita Durão destruir várias poesias líricas suas.

A manifestação poética de Santa Rita Durão expressa o nativismo, estampado na exaltação da paisagem brasileira, dos seus recursos naturais, dos índios: seus costumes e suas tradições. Santa Rita Durão faz referências a fatos históricos, do século 16 até sua época. Apesar do retrocesso ao tipo de crônica informativa dos anos 1600, seu texto pertence à corrente literária do Arcadismo e valoriza a vida natural e simples, distante da corrupção.

Os poetas árcades, angustiados com os problemas urbanos e o progresso científico, propõem a volta à simplicidade da vida no campo e o aproveitamento do momento presente. Embora morem em cidades, fazem versos sobre paisagens bucólicas de outras épocas. Lançam mão de verdadeiros fingimentos poéticos, usando pseudônimos gregos e latinos, imaginando-se pastores e pastoras amorosos, numa vida saudável idealizada, sem luxo e em pleno contato com a natureza.

O Arcadismo no Brasil é diferente do europeu. Em primeiro lugar, usa a paisagem mineira como cenário bucólico, valoriza as coisas da terra, revelando um forte sentimento nativista. A presença do índio na poesia reflete o ideal do "bom selvagem iluminista", que não existe nos poemas europeus. Outra característica é a sátira política à opressão portuguesa e da corrupção colonial.


Santa Rita Durão também integra esse movimento cultural contra a colonização. "O Caramuru" faz um balanço da colonização em meio a uma descrição hiperbólica da natureza. Neste poema são exaltadas a fé e a defesa da terra contra os invasores. Segundo o crítico Antonio Cândido  "A obra de Santa Rita Durão pode ser vista tanto como expressão do triunfo português na América quanto das posições particularistas dos americanos; e serviria, em princípio, seja para simbolizar a lusitanização do país, seja para acentuar o nativismo."

A estrutura do poema segue o modelo de Luís de Camões, formado por dez cantos de versos decassílabos dispostos em estrofes fixas, as oitavas, com esquema de rimas abababcc. Mas, como era de se esperar para um membro do clero, o conservadorismo cristão substituiu a mitologia pagã, uma característica épica.

"Caramuru" tem como subtítulo "Poema Épico do Descobrimento da Bahia" e conta as aventuras de Diogo Álvares Correia, o Caramuru. Entre outras personagens do poema estão Paraguaçu, com quem Diogo se casou na França, e Moema, rival de Paraguaçu, que morreu afogada quando perseguia o navio que levava o casal para a França.

Santa Rita Durão morreu em Portugal em 24 de janeiro de 1784.


Obras
  • 1778 - Pro Anmia Studiorum Instauratione Oratio
  • 1781 - Caramuru


Araken

ABRAHAM PATUSCA DA SILVEIRA
(84 anos)
Jogador de Futebol

☼ Santos, SP (17/07/1905)
┼ Santos, SP (24/01/1990)

Abraham Patusca da Silveira, ou simplesmente Araken, foi um jogador de futebol brasileiro. Jogou no Santos, São Paulo e no Flamengo. Era irmão de Ary Patusca, grande atacante do clube no período de 1915-1923. Ambos eram primos de outro ídolo da época, Arnaldo da Silveira.

Araken fez parte do primeiro time do Santos a entrar para a história, muito antes da era Pelé.

Em 1927 formou com Siriri, Camarão, Feitiço e Evangelista o ataque dos cem gols dos quais 31 pertenceram a ele. O fato desses jogadores terem marcado 100 gols em uma edição de Campeonato Paulista já seria algo marcante mas, o que chamou mesmo a atenção, foi o fato de terem levado apenas 16 partidas para alcançar esse número, resultando em uma média fantástica de 6,25 gols por partida que, até hoje, é recorde mundial de média de gols marcados em um campeonato oficial.

O ingresso de Araken no futebol teve um fato curioso: Araken estava na Vila Belmiro vendo o jogo amistoso entre Santos e Jundiaí, ele era filho do então presidente e fundador do Santos, Sizino Patusca, e foi posto para jogar em lugar de Edgar da Silva Marques, que havia passado maus momentos antes da partida.

Araken, na época com apenas quinze anos, foi responsável por quatro dos cinco gols do Santos, no empate com o Jundiaí: 5 x 5.

Excursão à Europa Pelo Paulistano

Araken aumentou sua fama quando foi emprestado pelo Santos para participar de uma excursão à Europa, em 1925, do Paulistano, clube que não se profissionalizou. Jogando ao lado de outro craque, Arthur Friedenreich, o ótimo desempenho levou a que os jogadores brasileiros fossem chamados de "Reis do Futebol" pelos jornais franceses. Vaidoso, gostava de jogar usando uma boina.

Dono de um futebol rápido e elegante, Araken foi três vezes vice-campeão do Campeonato Paulista pelo Santos: 1927, 1928 e 1929. Nesse clube seria campeão somente em 1935, marcando um gol na última partida do campeonato, em São Paulo, contra o Corinthians, vencida por 2 x 0.

Na Seleção Brasileira

Araken foi o único jogador paulista a defender a seleção brasileira que disputou a Copa do Mundo de 1930 no Uruguai. Na ocasião, Araken estava brigado com o Santos e aproveitando a passagem do selecionado pelo porto da cidade, a caminho de Montevidéu, integrou-se ao elenco, contrariando os dirigentes paulistas.

Sem contar com sua força máxima, o Brasil foi eliminado logo na primeira fase, sendo ele criticado pelos outros jogadores da seleção, que o teriam chamado de "bailarino".

Araken Escritor

Araken Patusca escreveu um livro sobre a brilhante atuação do Paulistano em campos europeus com o título de "Os Reis do Futebol".

Fonte: Wikipédia

Veiga Valle

JOSÉ JOAQUIM DA VEIGA VALLE
(67 anos)
Escultor, Dourador, Pintor e Político

* Arraial da Meia Ponte (Atual Pirenópolis), GO (09/09/1806)
+ Goiás (Cidade de Goiás ou Goiás Velho), GO (29/01/1874)

José Joaquim da Veiga Valle, em geral conhecido simplesmente por Veiga Valle, foi um artista plástico pouco comentado nos livros de História da Arte do Brasil, cujo trabalho de apurado estilo artístico merece, sem dúvida, maior atenção por parte dos estudiosos da arte produzida nesse país tão rico e vasto de diversidade e sincretismo cultural que é o Brasil.

Nascido em Arraial da Meia Ponte, atualmente Pirenópolis, GO, de família simples, mas de projeção local (seu pai exercia várias atividades políticas, religiosas e comerciais), quase nada se sabe sobre sua infância e adolescência. Não frequentou ensino formal e acredita-se que tenha começado a conceber sua obra no fértil ambiente artístico e religioso em que vivia.

José Joaquim da Veiga Valle nos legou grande acervo de esculturas, hoje catalogadas em torno de trezentas peças, produzidas em meio ao sertão do cerrado, isolado das principais escolas artísticas do país.

Seguindo as inúmeras atividades do pai, em 1833 entrou para a Irmandade do Santíssimo Sacramento e, em 1837, foi eleito vereador da cidade. Mudou-se para a cidade de Goiás em 1841, a convite do então presidente da Província, José Rodrigues Jardim, com a função de dourar os altares da matriz da capital. Hospedado na casa do presidente, Veiga Valle casou-se no mesmo ano com a filha desse, Joaquina Porfíria Jardim, com quem teve oito filhos.

Em Goiás iniciou os trabalhos que mais tarde o fariam ser reconhecido como maior escultor da região. Trabalhava quase sempre com madeira cedro, que é macia, cheirosa e de grande durabilidade. Suas esculturas eram feitas em partes separadas, que depois eram encaixadas. A delicadeza de detalhes, proporções reais e impressão de movimento das esculturas são algumas das características de sua obra.

Esculpiu uma enorme variedade de santos, a maioria encomendada pelos moradores da cidade. Os mais populares eram as Madonas (representações de Nossa Senhora), Meninos Jesus, Santo Antônio e São José de Botas, padroeiro dos bandeirantes e desbravadores. Fiel seguidor da estética cristã, fez apenas uma obra profana: um nu artístico, inacabado, que mede 25 cm. Produziu de 1820 a 1873, provavelmente com ajuda de seu filho Henrique, única pessoa a quem transmitiu seus conhecimentos.

"A obra de Veiga Valle é singular por seus aspectos formais e históricos. Suas imagens são eruditas e aparentemente anacrônicas. No século XIX, a província de Goiás não passa de mera 'expressão geográfica' sem peso maior na cultura do Império. Veiga Valle é a sua manifestação isolada: uma arte que recebe a marca do extemporâneo quando referida a um modelo abstrato de estilo."
(Heliana Angotti Salgueiro "A Singularidade da Obra de Veiga Valle" - 1983, p. 25)

Suas imagens podem ser reconhecidas facilmente: a característica de seu estilo, formas e cores é singular, inconfundível, escapa à arte anônima serial que existe na estatuária religiosa. São marcadas por soluções muito particulares, tanto da técnica - desenho, cromatismo, acabamento - quanto da expressividade - fisionomia e gestualidade.

Veiga Valle é o mais destacado artista que viveu em Goiás no século XIX. Há registros de outros artistas, como o pintor Alferes Bento José de Souza, de 1782, anterior a Veiga Valle; passou dezessete anos no local, confeccionando retábulos para igrejas. Há registro de que, no fim do século XIX, o pintor André Antônio da Conceição foi à Cidade de Goiás para pintar o forro da Igreja São Francisco de Paula. Benevenuto Sardinha da Costa foi outro pintor que executou painéis documentados no Museu das Bandeiras, na mesma cidade. Dentre esses artistas, o que maior destaque obteve foi Cândido de Cássia Oliveira, professor de desenho de ornatos e figuras no Liceu de Goiás, em 1872, escultor e profundo admirador da obra de Veiga Valle.

Santa Bárbara - Acervo do Museu de Arte Sacra da Igreja da Boa Morte, Cidade de Goiás
Influências Artísticas

Pouco se sabe a respeito da iniciação artística de Veiga Valle, mas o mais provável é que tenha recebido ensinamentos do padre Manuel Amâncio da Luz. Não há relatos que comprovem os dotes artísticos do padre, e o que se nota é que o aluno superou seu mestre.

Em uma época em que o interior do Brasil encontrava-se totalmente isolado das principais correntes e produções culturais, o acesso aos meios de comunicação era bastante difícil. Desta feita, eram raros os livros, gravuras, desenhos e pinturas em Goiás.

Há registros de que Veiga Valle nunca saiu do interior do Estado, desta forma as fontes de sua inspiração artística foram, sobretudo, as imagens sacras que chegavam de Portugal, do Rio de Janeiro ou da Bahia, em direção às igrejas e oratórios particulares. Haviam também outros ornamentos, como altos-relevos na prataria portuguesa, baiana e carioca que enfeitavam as igrejas, identificados como folhas de acanto, conchas, guirlandas, treliças ou guilhochês, elementos presentes também em algumas de suas obras.

Outras fontes podem ser as porcelanas importadas, os bordados dos paramentos religiosos e da indumentária litúrgica vindas de Portugal, França e Itália, e também os livros de preces e devoção, as Bíblias ilustradas. Desta forma, mantinha contato com a iconografia religiosa, as simbologias e códigos canônicos. Como se pode notar, era vasta sua fonte de inspiração, somando-se a isso um gênio de intensa criatividade, apurado rigor técnico e refinado senso estético.

O professor Bruno Correia Lima, em seu livro "O Genial Santeiro em Goiás", diz que:

"a par de sua extraordinária sensibilidade artística, deve ter sofrido influência também das produções neoclássicas do ambiente em que viveu (…). Provavelmente apoiou-se nos santos existentes, pelo menos quanto à indumentária e simbolismo, além da natural obediência que os artistas devem ter à iconografia cristã."
(
Elder Camargo de Passos "Veiga Valle: Seu Ciclo Criativo" - 
1997, p. 117)

"Veiga Valle é artista do Império. Não obstante, sua escultura é ambivalente: pautando-se por padrões estilísticos do Neoclassicismo, é moderna; prolongando a codificação barroca, está aparentemente deslocada. Singular porque trabalha isolado, desprovido do apoio de prática anterior e local, é escultor de vulto: dominando dois estilos, não raro os combina numa única imagem ( … ) Erudita, não é extemporânea a obra de Veiga Valle. Não é por ser realizada em província estagnada e distante que o seu barroco pode receber o apelativo tardio."
(Heliana Angotti Salgueiro "A Singularidade da Obra de Veiga Valle - 1983, p. 19)

São Miguel Arcanjo - Madeira policromada. Acervo do Museu de Arte Sacra da Igreja da Boa Morte, Cidade de Goiás.
A Técnica

A execução de imagens pode ser dividida em três etapas distintas: primeiro, a estrutura ou o suporte, que são a madeira e o entalhe; segundo, uma base intermediária entre a madeira e a capa de douração e pintura: o aparelho; e por fim a douração, a policromia e o esgrafiado. A separação entre os ofícios de entalhador, dourador e pintor foi menos efetiva no Brasil do que em Portugal, pois como se pode perceber, Veiga Valle ocupava-se de todas as etapas do processo.

Ele esculpia, principalmente, em madeira cedro, pois a considerava macia, cheirosa e de grande durabilidade, mas utilizou também o bálsamo e o jatobá. A madeira era abatida na lua minguante, época em que a seiva encontra-se recolhida na raiz, para evitar a incidência de caruncho. Depois os troncos permaneciam em repouso por cerca de oito meses na sombra, quando eram cortados em tamanhos diversos e então passavam por um processo rudimentar de imunização, cozidos em tacho de cobre, em água misturada a vários vegetais, com o objetivo de retirar as resinas restantes e proporcionar maior dilatação dos poros da madeira, tornando-a mais resistente ao clima árido do cerrado. Após a secagem dos cepos, iniciava-se o processo escultórico.

As suas imagens não se constituíam, na sua maioria, de peças inteiriças: os membros eram esculpidos separadamente e depois encaixados. Após o término do talhe, a peça era preparada para a carnação e a policromia. As falhas na madeira eram cobertas com camadas de gesso e cola à base de clara de ovo ou boldo africano. Após a fase de aplicação e polimento do aparelho, colocava-se o "bolo armênio" ou "francês": óxido de ferro hidratado. Todas as misturas, tintas, colas e banhos eram preparados pelo artista.

Fazia o douramento com folhetas de ouro e prata importados da Alemanha ou vindas do Rio de Janeiro, Bahia e Minas Gerais. A douração e a prateação eram feitas pelo mesmo processo, em que as folhas eram espanejadas com uma broxa fina. Após a secagem fazia-se a brunidura, depois envernizava-se para evitar a oxidação. A fixação das folhetas era feita nos mantos, véus e camisolas, porém algumas de suas peças são totalmente douradas.

A próxima etapa é a pintura, ou policromia, por cima da douração. A pigmentação de sua paleta se compunha de materiais naturais, em maior parte; em menores quantidades, importada da Europa.

Da vegetação - urucum, ruibarbo, açafrão, resinas, etc. - extraía cores como amarelo e vermelho, um pouco de azul e muito raramente o verde. Os matizes eram obtidos pela mistura dos pigmentos. Alguns animais eram usados como fonte de corantes, como um inseto chamado cochonilha, que dá um tom escarlate brilhante, ou moluscos de tom sépia e púrpura. Os corantes minerais mais empregados foram o óxido de ferro, de cor vermelho-escuro, popularmente conhecido como sangue-de-boi, ou terra de cor amarela, violeta e vermelha. Alguns tons mais raros na natureza, como matizes de verde e azul, eram trazidas do Rio de Janeiro: tintas importadas da Europa, uma vez que não haviam, ainda, indústrias no país.

Após a aplicação da tinta na imagem dourada, segue-se para a ornamentação: o esgrafiado ou estofamento. Os desenhos são feitos com o esgrafito, um tipo de estilete, retirando a camada externa de tinta seca e deixando em evidência a camada interna, o "pão-de-ouro" brunido, revelando os ornamentos feitos do contraste entre a pigmentação e o dourado.

No esgrafiado o artista compõe desenhos de traços finos regulares e contínuos, caracteristicamente rococó, onde se observam os buquês de flores, medalhões ovais, volutas, formas de conchas, folhas de acanto, palmas. Há ornamentos planos e em alto relevo, que remetem a trabalhos de ourivesaria, com fineza de execução.

A carnação é o nome dado ao tom de pele que se colocava nas partes descobertas do corpo, como o rosto, braços, mãos, pés e pernas. Os olhos, em uma fase mais avançada, passaram a ser feitos de vidro. A última etapa era o envernizamento. Os vernizes eram feitos de resinas, gomas ou bálsamos em álcool, terebintina ou óleo de linhaça.

São Joaquim com bastão - Madeira policromada
O Estilo

Podemos observar a influência Veiga Valle em outros artistas. Mas, ao que tudo consta, não teve alunos em sua oficina: ele trabalhava sozinho, ou provavelmente com a ajuda de seu filho Henrique.

Sua obra caracteriza-se, sobretudo, pela produção de imagens sacras, que eram produzidas por encomenda da igreja e de particulares. O artista atendia não só ao público local como também recebia encomendas de outros estados. Os santos que esculpia variavam de acordo com o gosto de cada cliente. As imagens de maior destaque eram as madonas, que eram representadas por Nossa Senhora da ConceiçãoNossa Senhora D’AbadiaNossa Senhora dos RemédiosNossa Senhora das DoresNossa Senhora da PenhaNossa Senhora do Bom PartoNossa Senhora das MercêsNossa Senhora da GuiaNossa Senhora do CarmoNossa Senhora do Rosário, etc.

O acervo levantado por Elder Passos comprova que as imagens de Nossa Senhora da ConceiçãoNossa Senhora D’Abadia eram as de maior devoção popular. Segundo o autor, a madona é, por si, um tema barroco por excelência. Os santos são personagens históricos ou legendários, enquanto que a virgem é um ser celestial, de transcendência pura, elevando a devoção ao nível da comunhão com o transcendente, com Deus.

Esse é o traço mais marcante da produção denominada barroca: a supremacia da igreja católica, haja vista que a arte barroca se caracteriza sobretudo pelo tema religioso. Por meio da riqueza e profusão de cores e imagens presentes nas igrejas, atraíam-se os fiéis em busca da salvação. Quando se fala de arte barroca no Brasil estamos, necessariamente, remetendo à arte sacra.

Com uma breve descrição das imagens de Nossa Senhora, observem-se algumas das principais características de Veiga Valle. No ápice da imagem, véu esvoaçante decorado com flores, estrelas, pontos, etc, na beirada dos mantos, como acabamento aparece uma tarja dourada com cunhos de baixo-relevo, emoldurando cabelos castanhos repartidos ao meio. Sobre os ombros, um xale ornado em listras de várias cores e dourado. As túnicas que cobrem as peças prendem-se à cintura com faixas ou cintos decorados com motivos florais variados. Os espaços vazios são preenchidos com linhas horizontais, verticais, transversais, côncavas, de acordo com a dobra do tecido e sua inventividade.

Conforme o tamanho da peça, eram variáveis a decoração e os ornamentos. As peças maiores apresentam túnica com larga faixa desenhada em alto relevo feito de gesso com douramentos. As mangas do vestuário embaixo da túnica são visíveis entre o cotovelo e o punho, de cores e desenhos contrastantes com a tonalidade suave e homogênea da túnica, geralmente em tom rosa-forte com xadrez dourado. As mangas da túnica têm contorno verde metálico. Vendo-se a peça de frente, observa-se a frente e o verso dos mantos, com o verso em tom mais forte criando contraste e dando destaque à beleza do conjunto. A imagem está pisando, geralmente, numa esfera de cor azul-marinho, com aplicações de cabeças de querubins com asas.

O seu período de atividade artística compreendeu a época entre 1820 e 1873. Veiga Valle teve que interromper a produção de suas obras em decorrência da doença que o abalou, vindo a falecer alguns meses depois, aos 68 anos, em 29 de janeiro de 1874, na Cidade de Goiás.

Nas comemorações do centenário de morte, sua sepultura foi transferida para o Museu de Arte Sacra da Boa Morte, onde está exposta boa parte de sua obra.

Imaginário erudito, profundo conhecedor de anatomia, iconografia, valores espaciais, entalhadura, douração, pintura, esgrafiado e dos segredos dos materiais, se o artista não frequentou escolas, isso não o fez menos genial, e a expressão de sua sensibilidade artística é fato comprovado pelo legado de sua obra.

Até o ano de 1940 a arte de Veiga Valle permaneceu no anonimato, e as suas obras eram conhecidas apenas nas igrejas e oratórios em Goiás e Mato Grosso, onde muitas vezes seus proprietários ignoravam o valor artístico de suas peças. Foi quando apareceu em Goiás o artista plástico João José Rescala, que conheceu o trabalho do escultor e ficou admirado pela qualidade das peças. Teve então a iniciativa de organizar a primeira exposição da obra de Veiga Valle, realizando uma catalogação de grande parte do acervo. A partir de então a arte de Veiga Valle começou a se difundir entre os historiadores de arte, realizaram-se exposições e foram editados artigos em revistas e livros, alguns dos quais são utilizados como fonte deste trabalho.

O que se pode observar é que as pesquisas sobre a imaginária brasileira ainda estão incompletas. Há com certeza um rico patrimônio artístico a ser ainda descoberto e estudado, para que se possa ter um panorama cada vez mais abrangente da variedade artística e cultural existente do Brasil.

Fonte: Biapó e Wikipédia