Severino Araújo

SEVERINO ARAÚJO DE OLIVEIRA
(95 anos)
Compositor, Instrumentista e Maestro

* Limoeiro, PE (23/04/1917)
+ Rio de Janeiro, RJ (03/08/2012)

Severino Araújo de Oliveira  foi um músico, compositor, maestro, clarinetista e também regente da Orquestra Tabajara, que assumiu com 21 anos de idade.

Seu pai era professor de música e regente da banda local e a mãe fazia da música sua diversão predileta. Além dele, os irmãos também tornaram-se músicos, todos sendo integrantes mais tarde da Orquestra Tabajara. Manuel como trombonista, Plínio como baterista, José, mais tarde, conhecido como Zé Bodega, seria sax tenor e o mais novo, Jaime, seria o primeiro saxofone.

Um dos pioneiros na fusão de elementos do jazz e do choro na música brasileira, Severino Araújo começou a estudar música aos seis anos de idade, tendo aulas com o pai. Aos oito, tornou-se assistente do pai. Aos doze anos  já tocava clarinete e fez seu primeiro arranjo, para uma banda dirigida por seu pai, José Severino de Araújo, e aos dezesseis já escrevia sucessos de carnaval.

Em 1933, sua família mudou-se para o interior da Paraíba, indo residir na cidadezinha de Ingá, a mesma que inspirou o compositor Joubert de Carvalho a compor a célebre canção "Maringá", que daria nome posteriormente à cidade do norte do Paraná.

Aos 16 anos iniciou sua carreira artística fazendo arranjos para a banda da cidade de Ingá. E tocando clarinete, quando necessário. Sua fama como clarinetista se espalhou e em 1936 foi convidado para integrar como primeiro clarinetista a banda da Polícia de João Pessoa. Mudou-se então para a capital paraibana, onde durante um ano tocou na banda da Polícia.

Em 1937, o governo da Paraíba fez uma série de contratações para a recém-inaugurada PRI-4, a emissora oficial, inclusive uma orquestra inteira, a Orquestra Tabajara, que já existia animando diversos bailes na região. Nessa época, entretanto, vários de seus componentes tiveram de deixá-la, pois foram convocados para o serviço militar. O maestro Luna Freire teve então de contratar músicos no Recife e convidou Severino Araújo para juntar-se à mesma como primeiro clarinetista.

Em 1938, o regente e pianista Luna Freire faleceu repentinamente e a direção da rádio resolveu convidar Severino Araújo para assumir a orquestra. Impôs como condição para assumir a orquestra a contratação de mais um trombone, um saxofone e um trompete. Chamou então, os irmãos Manuel e Jaime, além de um ex-colega da banda da Polícia de João Pessoa. Até deixar a Paraíba, a orquestra era composta de três trompetes, três trombones e quatro saxofones, além do ritmo com quatro elementos. Mais tarde entrariam na orquestra seus dois outros irmãos.

Em 1943, foi convocado para o Exército, indo servir durante um ano, no 15º R.I. num lugar chamado Aldeia, no interior de Pernambuco. Nessa época, compôs seu famoso "Um Chorinho em Aldeia", que se tornaria seu primeiro sucesso popular.

Em 1944, recebeu, através do ex-colega Porfírio Costa, convites para trabalhar profissionalmente na capital do país. Os convites eram do Cassino Copacabana e da Rádio Tupi. Aceitou o convite da Rádio Tupi e embarcou para o Rio de Janeiro. Nesse período foi contratado pela Gravadora Continental onde gravou seus primeiros discos, ainda em outubro de 1944. No primeiro, dirigindo uma orquestra de estúdio, acompanhou o cantor Déo no frevo "Vou Pra Pernambuco" e no samba "Vaidade de Mulher". No segundo, apenas com orquestra, gravou os frevos "Chegou a Minha Vez" e "Pitiguary". No terceiro, fez o acompanhamento orquestral para o cantor Jorge Tavares no samba "Apareça Quem Disse" e no frevo "Regina".

Ainda em fins de 1944, apresentou na Rádio Tupi com a Orquestra Marajoara o choro "Chorinho em Aldeia", com magistral interpretação de clarinete. Essa transmissão ocorreu num domingo e foi gravada em acetato pela emissora. Já na segunda-feira inúmeros telefonemas pediam para que a rádio reprisasse a gravação.

Em 1945, obteve um grande sucesso e que se tornou um clássico da Música Popular Brasileira, o choro "Espinha de Bacalhau" de sua autoria gravado com a Orquestra Tabajara, que no mesmo ano chegou ao Rio de Janeiro também contratada pela Rádio Tupi.

Em 1946 gravou, entre outras, os choros "Brejeiro" (Ernesto Nazareth), "Sonoroso" (K-Ximbinho), "Molengo" (Severino Araújo) e a marcha "Cidade Maravilhosa" (André Filho), em ritmo de samba.

Em 1947, gravou, entre outras composições, os choros "Malicioso" (Geraldo Medeiros), "Um Chorinho Para Clarinete" (Severino Araújo), o frevo "A Mamata é Boa" (Jones Johnson) e o frevo-canção "Voando Pra Recife" (Jonas Cordeiro).

Em 1949, gravou com Claudionor Cruz no vocal o choro "Cintilante" (Claudionor Cruz e José de Freitas). Gravou ainda no mesmo ano, de Noel Rosa e Vadico o samba "Feitiço da Vila", além de diversos frevos, entre os quais "Januário no Frevo" (Jonas Cordeiro), "O Macobeba Vem Aí" (Levino Ferreira) e "Zé Carioca no Frevo" (Geraldo Medeiros).

Em 1951, gravou os frevos "Tá Esquentando" (Zumba), "Último Dia" (Levino Ferreira) e o frevo-canção "É Frevo, Meu Bem" (Capiba), com vocal de Carmélia Alves. No mesmo ano, apresentou-se com enorme sucesso juntamente com a orquestra americana de Tommy Dorsey nas festividades de inauguração da TV Tupi.

Em 1952, gravou de sua autoria os choros "Saxomaníaco", "Mirando-te", "Um chorinho em Cabo Frio" e o baião "Baião Pra maluco". No mesmo ano, viajou com sua orquestra para Paris acompanhado do vocalista Jamelão para fazer uma apresentação de carnaval. O sucesso foi tão grande que acabaram ficando um ano em Paris. 

Em 1954, gravou de Capiba, com vocal de Carmélia Alves, o frevo-canção "Vamos Pra Casa de Noca?", os frevos "Gracinha no Frevo" (Levino Ferreira) e "Centenário" (Geraldo Medeiros). Nesse ano, encerrou-se o contrato com a Tupi e a orquestra saiu em excursão pelos estados de Goiás, Minas Gerais e São Paulo. Retornaram ao Rio no meio do ano e em novembro partiu em nova excursão desta vez aos estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Em 1955, saiu com sua orquestra em excursão a Montevidéu onde permaneceram por 40 dias. No mesmo ano, foram contratados pela Rádio Mayrink Veiga, onde a orquestra permaneceu por quatro anos. Nesse período gravou o LP "A Tabajara no Frevo", com uma coletânea de frevos. Ainda em 1955, foi escolhido pelo crítico Silvio Túlio Cardoso, através da coluna "Discos Populares" escrita por ele para o jornal O Globo, como o "regente da melhor orquestrar do ano", recebendo como prêmio um "disco de ouro" entregue em cerimônia no Golden Room do Copacabana Palace.

Em 1959, gravou o samba "A Felicidade" (Tom Jobim e Vinicius de Moraes). Em 1961, gravou o LP "Recife 400 Anos", com diversas composições em homenagem à capital pernambucana, entre as quais "400 Anos de Glórias" de sua autoria, "Recife, Capital do Frevo" (Geraldo Medeiros), "Diabo Solto" (Levino Ferreira) e "Homenagem a Recife" (Geraldo Medeiros e F. Corrêa da Silva). No mesmo período, gravou o LP "12 Ritmos Brasileiros" no qual sua orquestra interpretou samba, baião, marchinha, toada, maxixe, marcha de rancho, capoeira, samba-canção, coro, maracatu, cateretê e frevo.

Em 1962, foi contratado com sua orquestra pela Rádio Nacional onde permaneceu por dois anos. Pouco depois assinou contrato com a TV Rio, com uma nova formação da orquestra, incluindo então os trompetes de Hamilton, Geraldo e Mozart, os trombones de Manuel Araújo, Edson Maciel, Zanata e Tião, os saxofones de Jaime Araújo, Odilon, Hélio Marinho, Jaime Ribeiro e Genaldo, e os percussionistas Oscar, Gabriel, Plínio, Chiquinho, Elias e Freitas.

Em 1967, lançou pela CBS o LP "A Tabajara No Hit Parade" com diversos sucessos daquele momento entre os quais "Eu Te Darei o Céu" (Roberto Carlos e Erasmo Carlos), "Namoradinha De Um Amigo Meu" ( Roberto Carlos), "O Chorão" (Luiz Keller e Edson Mello), entre outras, além de composições estrangeiras.

Em 1968, ao terminar o contrato com a TV Rio, resolveu aposentar-se após 35 anos de trabalho. Mas a aposentadoria não foi definitiva pois prosseguiu fazendo bailes e shows.

Em 1975, a Continental lançou o LP "Severino Araújo e Sua Orquestra Tabajara", fazendo um apanhado da carreira do maestro e de sua orquestra em 12 gravações. No mesmo ano, a Odeon lançou o LP "Severino Araújo e Orquestra Tabajara" dentro da série Depoimento em seu volume 1, trazendo regravações de antigos sucessos e novas gravações como "Se Não For Por Amor" (Benito di Paula), "Dente Por Dente" (Martinho da Vila) e "Fogo Sobre Terra" (Toquinho e Vinicius de Moraes).

Em 1976, apresentou-se com sua orquestra no espetáculo "Seis e Meia" no Teatro João Caetano no Rio de Janeiro. Em 1977, a Continental lançou o LP "A Tabajara de Severino Araújo" trazendo regravações de antigos sucessos, além de novas gravações como a do choro "Tico-Tico No Fubá" (Zequinha de Abreu).

Nos anos 80, apresentou-se com enorme sucesso com sua orquestra na "Domingueira Voadora", série de bailes dominicais realizados na casa de espetáculos Circo Voador na bairro da Lapa no Rio de Janeiro. Em 1991, lançou pela Fama o LP "Anos Dourados", onde estão presentes diversos clássicos das Big Bands dos anos 1930 e 1940.

A orquestra continuou com o maestro Severino Araújo à frente durante os anos 90 fazendo shows e realizando gravações num verdadeiro recorde de longevidade. Lançou mais de 100 discos entre 78rpm e LPs. O maestro teve sua biografia escrita pela jornalista Beatriz Coelho Silva. Em 1997, completou 80 anos de idade ainda à frente da Orquestra Tabajara.

Em 2000, regeu a Orquestra Tabajara no acompanhamento do cantor Jamelão no CD "Por Força Do Hábito". No mesmo ano, completou 60 anos à frente da Orquestra Tabajara revivendo a "Domingueira Voadora", então na Fundição Progresso, centro cultural no bairro da Lapa no Rio de Janeiro. Lançou também mais um CD da orquestra com músicas de Carlos Gomes e Chiquinha Gonzaga, entre outros.

Em 2003, no aniversário de 70 anos da Orquestra Tabajara regeu o baile de número 13.644 da orquestra. Em 2004, com a reabertura do Circo Voador voltou a reger a Orquestra Tabajara no tradiconal baile da "Domingueira Voadora". Em 2005, regeu a Orquestra Tabajara no show de fechamento da série "Orquestras Populares Brasileiras" no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio de Janeiro.


Morte

Severino Araújo morreu no dia 3 de Agosto de 2012, aos 95 anos, vítima de Falência Múltipla dos Órgãos ocorrida em decorrência de uma Infecção Urinária. Diabético, ele estava internado desde 20 de julho no Hospital Ipanema Plus, na zona sul do Rio de Janeiro. O enterro ocorreu na tarde de sábado (04/08/2012) no Cemitério São João Batista, em Botafogo.

Fonte: Dicionário Cravo Albin da MPB

Maria Bonita

MARIA GOMES DE OLIVEIRA
(27 anos)
Cangaceira

☼ Glória, BA (08/03/1911)
┼ Poço Redondo, SE (28/07/1938)

Maria Gomes de Oliveira, vulgo Maria Bonita foi a primeira mulher a participar de um grupo de cangaceiros.

Maria Bonita, nasceu em 08/03/1911 no Sítio da Malhada da Caiçara, povoado da então cidade de Santo Antonio da Glória, BA. Depois da emancipação, o endereço da rainha do cangaço passou integrar a cidade de Paulo Afonso, BA.

Filha de pais humildes, José Gomes de Oliveira e Maria Joaquina Conceição Oliveira, Maria Bonita casou-se muito jovem.  Aos 15 anos, Maria se casava com o sapateiro José Miguel da Silva, apelidado Zé do Neném. O casal permaneceria junto durante cinco anos, mas, como José era estéril, eles não tiveram filhos. As brigas entre os dois eram muito freqüentes e, a cada desavença, Maria costumava se mudar para a casa dos pais, que ficava próxima à Cachoeira de Paulo Afonso. 

Maria Bonita antes de ingressar no cangaço
E foi, justamente, numa dessas "fugas domésticas" que ela encontrou Virgulino Ferreira, o Lampião, em 1929. Por aquela fazenda passou Virgulino Ferreira da Silva, o famoso e temido Lampião. Uns dizem que, sem nunca tê-lo visto, Maria já nutria um grande amor platônico pelo cangaceiro. Outros afirmam que a mãe dela segredara, ao próprio Lampião, a existência daquela paixão. E, há quem jure, que foi Luís Pedro, um dos integrantes do bando, quem insistiu para Lampião conhecê-la.

Independentemente de como tenha sido, o fato é que a atração entre eles foi imediata e recíproca: o cangaceiro caiu de amores por Maria e vice-versa. Impressionado por sua beleza, passou a chamá-la de Maria Bonita. E, ao invés de ficar três dias na fazenda, como era de praxe, permaneceu dez, vivenciando com a esposa de Zé do Neném um tórrido romance. 

Ao fim dos dez dias, sem medir riscos e dificuldades, Maria Bonita colocou suas roupas em dois bornais, despediu-se do marido para sempre, abraçou os familiares, e partiu com Lampião rumo à caatinga. Foi a primeira mulher a se inserir oficialmente no bando, abrindo um precedente até então inabalável. Os demais cangaceiros respeitavam-na muito, referindo-se a ela como Dona Maria, Maria de Lampião ou Maria do Capitão. Era o ano 1931 e Maria Bonita tinha 20 anos. 

 A partir daí, outras mulheres também entraram para o cangaço. Seria uma verdadeira revolução feminista, uma vez que se emanciparam e impuseram respeito. Muito embora não participassem dos combates, de forma direta, elas eram preciosas colaboradoras, tomando parte das brigadas e empreitadas mais perigosas, cuidando dos feridos, cozinhando, lavando, e, principalmente, dando amor aos companheiros. Fosse representando um porto seguro, ou funcionando como um ponto de apoio importante, para se implorar algum tipo de clemência junto aos cangaceiros, as representantes do sexo feminino contribuíam para acalmar e humanizar os homens, limitando-lhes os excessos de desmandos. Muitas portavam armas de cano curto e, em caso de defesa pessoal, estavam sempre prontas para atirar. Excetuando-se Lampião e Maria Bonita, os casais mais famosos do cangaço foram: Corisco e Dadá, Galo e Inacinha, Moita Brava e Sebastiana, José Sereno e Cila, Labareda e Maria, José Baiano e Lídia, e Luís Pedro e Neném


Cabe ressaltar que, apesar de receberem a proteção paternalista dos cangaceiros, a vida das mulheres era bastante difícil. Levar a termo as gestações no desconforto da caatinga, por exemplo, significava sofrimento e, muitas vezes, logo após o parto, elas eram obrigadas a fazer longas caminhadas, fugindo das volantes. Caso não possuíssem uma resistência física incomum, não conseguiam sobreviver àquele cotidiano inóspito. 

Após ter ido viver com Lampião, Maria Bonita engravidou, mas, com pouco tempo, perdeu espontaneamente o feto. E este não seria o único aborto que teve na vida. Em 1932, contudo, ela conseguiu levar a termo a gestação, dando à luz à sombra de um umbuzeiro, no meio da caatinga, em Porto de Folha, no Estado de Sergipe. Lampião foi seu parteiro. A criança, uma menina que chamaram de Expedita Ferreira Nunes

A despeito de ser um bandido temido por muitos, Lampião era um homem extremamente jeitoso, dotado de grande capacidade de improvisação: confeccionava suas roupas, fazia os curativos, encanava pernas e braços quebrados, realizava os partos das companheiras dos cangaceiros, entre outros. Superdotado de inteligência, ele era, ao mesmo tempo, guerrilheiro, médico, farmacêutico, dentista, vaqueiro, poeta, estrategista e artesão.

Expedita Ferreira Nunes
No tocante à  Expedita Ferreira Nunes, vale salientar dois pontos importantes:
  • Não era permitida a presença de crianças no bando. Logo que nasciam, os bebês eram entregues aos parentes não engajados no cangaço, ou deixados com familiares de padres, coronéis, juízes, militares, ou fazendeiros.
  • A vida dos cangaceiros era instável, com intensas perseguições, tiroteios e confrontos. Por esses motivos, Lampião e Maria Bonita não podiam criar Expedita.
E os fatos, a partir daí, se tornaram, também, uma questão polêmica. Uns disseram que  Expedita foi entregue a tio João, irmão de Lampião, que nunca fez parte do cangaço, e outros, testemunharam que ela foi deixada com o vaqueiro Manuel Severo, na Fazenda Jaçoba. Seja lá como tenha sido, Maria Bonita não pôde criar a própria filha pois a sua vida já estava intimamente ligada à própria linha do cangaço.  

 Em uma luta contra a volante pernambucana, na vila de Serrinha, próximo ao município de Garanhuns, PE, a mulher de Lampião foi baleada. Como estava perdendo muito sangue, o Capitão Virgulino deu ordem para que a luta fosse encerrada imediatamente, pegou a sua amada nos braços e seguiu rumo ao município de Buíque, onde ela tratou os ferimentos na vila de Guaribas.


No dia 27/07/1938, conforme o costume de anos a fio, o bando acampou na Fazenda Angicos, situada no sertão de Sergipe, esconderijo tido por Lampião como o de maior segurança. Era noite, chovia muito e todos dormiam em suas barracas. Na madrugada do dia 28, porém, a volante chegou tão de mansinho que nem os cães pressentiram. Quando alguém deu o alarme, já era tarde demais.

Quando os policiais abriram fogo com metralhadoras portáteis, os cangaceiros não puderam empreender qualquer tentativa viável de defesa. O ataque durou uns vinte minutos, e poucos conseguiram escapar ao cerco e à morte. Lampião foi ferido gravemente e, logo em seguida, o mesmo ocorreu com Maria Bonita.

Ainda assim, ela rastejou até o companheiro, que ainda respirava, e pediu para ele ser poupado. Mas, suas preces foram inúteis. Arrastada pelos cabelos por um dos soldados, José Panta de Godoy, a cangaceira foi degolada viva. Sua cabeça ficou pendurada no pescoço. O próprio Godoy contou, no local da chacina, como procedeu para separar a cabeça de Maria Bonita:

"Depois de cortar a cabeça, que até tive que bater no osso, saiu muito sangue, e eu enfiei o dedo dentro do tutano que tinha e barriei tudo, que era de um branco danado".

Feito isso, o corpo foi colocado em posições grotescas, para risos da volante. Das 34 pessoas presentes no bando, 11 foram mortas em Angico. Bastante eufóricos com a vitória, os soldados ainda saquearam e mutilaram os mortos, roubando-lhes todo o dinheiro, ouro, e jóias. Com Maria Bonita morreu, também, a mulher mais famosa da história do cangaço.

Maria Bonita
Os soldados colocaram as cabeças cortadas, como troféus de vitória, em latas de querosene contendo aguardente e cal. E, para alimentar os urubus, deixaram os corpos mutilados e ensangüentados a céu aberto. Mesmo em adiantado estado de decomposição, as cabeças percorreram uma parte do Nordeste brasileiro, sendo exibidas à população. Elas atraiam multidões, onde quer que fossem expostas.

No Instituto de Medicina Legal de Maceió, as cabeças foram medidas, pesadas e examinadas, pois havia a hipótese de que, um indivíduo normal, não se tornava bandido. Em outras palavras, era preciso haver características sui generis, um tipo de tara sertaneja, para que alguém se transformasse em cangaceiro.

Depois de muitos estudos, no entanto, contrariando aquela tese, os pesquisadores concluíram que as cabeças não apresentavam qualquer sinal de degenerescência física, tampouco anomalias ou displasias, e classificaram-nas, simplesmente, como dolicocéfalas. Feito isto, os restos mortais seguiram para o sul do país e, de lá, para Salvador, onde permaneceram seis anos na Faculdade de Odontologia da Universidade Federal da Bahia. Lá, os pesquisadores, não conformados com o laudo anterior, tornaram a medir, pesar, estudar as cabeças. Isto representou, apenas, mais uma das tentativas inúteis para se descobrir uma patologia preexistente. Depois dessa romaria, aqueles trunfos de guerra ficaram expostos, por mais de 30 anos, no Museu Nina Rodrigues, em Salvador.

Benjamin Abrahão ao lado de Lampião, Maria Bonita e o restante do bando.
As famílias dos cangaceiros lutaram junto à Justiça, durante muito tempo, visando proporcionar um enterro digno aos seus parentes. Isto só veio a ocorrer, porém, depois do Projeto de Lei nº 2.867, de 24 de maio de 1965, que teve sua origem nos meios universitários de Brasília, em particular, nas conferências do poeta Euclides Formiga, e que foi reforçado pelas pressões da população. Neste sentido, após longos anos de exposições, de estudos e protestos, no dia 6 de fevereiro de 1969, as cabeças de Maria Bonita e Lampião foram sepultadas no Cemitério da Quinta dos Lázaros, em Salvador.

Em se tratando da memória do cangaço, do banditismo, da cultura violenta, indiferença e insensibilidade perante o sangue e a morte, entre outros temas, Maria Bonita tem sido pesquisada por acadêmicos, e destacada através da literatura, do cinema, da fotografia, das artes. Os trovadores e poetas populares nordestinos, ao longo dos anos, compuseram muitos versos, inclusive cantados, utilizando o seu nome. Um deles foi o seguinte:

Acorda, acorda Maria Bonita,
Acorda, vem fazer o café,
Que o dia já vem raiando,
E a polícia já está de pé.

Maria Bonita e Lampião possuem familiares em Aracaju, SE. Expedita Ferreira Nunes, a única filha do casal, casou-se com Manuel Messias Neto, dando quatro netos, Djair, Gleuse, Isa e Cristina, à mítica "Rainha do Cangaço".