Líbero Badarò

GIOVANNI BATTISTA LIBERO BADARÒ
(32 anos)
Jornalista, Político e Médico

* Laigueglia, Itália (1798)
+ São Paulo, SP (21/11/1830)

Giovanni Battista Libero Badarò nasceu em 1798, na vila de Laigueglia, perto de Gênova. Seu pai era um médico liberal de extraordinária erudição, como atestam gravuras retratando sua imensa biblioteca. Estudou em Gênova e Bolonha, antes de se formar em Medicina, em agosto de 1825, pela Universidade de Turim. Recém-formado, decidiu ganhar o mundo. Tinha 28 anos, mas parecia mais velho. Era alto e magro, usava longas suíças e óculos de lentes redondas.

Líbero Badarò chegou ao Brasil, em 1826, atraído por uma terra que, aos olhos de muitos, já era o país do futuro e uma das poucas nações governadas por um imperador tido como liberal que aceitava livremente a submeter-se a uma Constituição. No Brasil, ele nacionalizou-se, radicou-se. Ainda no Rio de Janeiro, tornou-se amigo de outro jornalista que se destacava pelas ideias liberais, Evaristo da Veiga. Em pouco tempo, ele e seus correligionários viram suas teses perderem terreno perante o avanço das forças conservadoras, diante das quais o imperador Dom Pedro I, que num dia de glória havia sido aclamado como "Protetor Perpétuo do Brasil", se isolava e assumia atitudes autoritárias a cada dia que passava.

Líbero Badarò chegou a São Paulo no início de 1828. Nessa época, os sinais de que a reação conservadora ganhava força estavam por toda a parte e seus líderes eram cada vez mais truculentos. Mesmo assim, ele lançou, em 23 de outubro de 1829, o seu "Observador Constitucional" - um bissemanário sem anúncios, de 30 cm de altura por 20 cm de largura, quatro páginas e vendido por 80 réis, impresso na tipografia do jornal que já circulava na cidade, "O Farol Paulistano", de José da Costa Carvalho, com quem se hospedou, antes de alugar uma pequena casa na Rua São José, atual Rua Líbero Badaró.

Em São Paulo, os reacionários ocupavam os principais cargos provinciais: o de governador, exercido numa interinidade sem fim pelo vice-governador e bispo Dom Manoel Joaquim Gonçalves de Andrade, o de comandante de armas, coronel Carlos Maria de Oliva, e o de chefe do Poder Judiciário, o desembargador ouvidor Candido Ladislau Japi-Assú. Este odiava especialmente Líbero Badarò, por tê-lo lançado no ridículo ao induzi-lo a revelar seu ignorante conservadorismo, censurando peças teatrais que não existiam.

Os redutos liberais eram formados por alguns cidadãos que compunham a pequena burguesia, pelos estudantes da ainda incipiente Faculdade de Direito e pela maioria da Câmara Municipal, que chegou a requerer ao governador em exercício que tomasse providências diante do "procedimento anticonstitucional, arbitrário e tirânico do ouvidor". Apreensivos, seus amigos cuidavam para que não andasse só. Mas foi só que ele voltou para casa naquela noite de 20 de novembro de 1830.

Túmulo de Líbero Badarò
O Crime Aconteceu na Rua Que Hoje Leva Seu Nome

Líbero Badaró se aproximava de sua casa entre 22:30 hs e 23:00 hs de 20 de novembro de 1830, quando viu dois homens sentados nas proximidades. Na rua escura, iluminada apenas pela lua cheia, perguntaram-lhe se era o Drº João Baptista Badaró. Diante da resposta afirmativa, disseram que vinham de parte do ouvidor. Líbero Badarò mal teve tempo de dizer que não era amigo de Candido Ladislau Japi-Assú quando sentiu no ventre o impacto do tiro de pistola. A bala causou ferimentos internos incuráveis que lhe provocaram uma agonia dolorosa por quase 24 horas, tempo suficiente para que, na presença de testemunhas respeitadas na cidade, fosse interrogado pelo juiz José da Silva Merciana, cujos "autos da devassa" detalhadamente elaborados permitiram à polícia capturar alguns suspeitos.

Ao juiz, Líbero Badarò declarou que não conhecia os atacantes, mas pelo sotaque sabia que eram alemães e, indagado se tinha suspeita de quem eram os responsáveis, não hesitou em apontar como mandante o desembargador-ouvidor Candido Ladislau Japi-Assú. Era mais do que uma suspeita, pois até o escrivão da Ouvidoria, Amaro José Vieira, em seu depoimento posterior ao crime, disse tê-lo advertido diversas vezes que escutara de seu chefe afirmações de que pretendia matá-lo. O que o jornalista não sabia era que seu assassinato foi cuidadosamente planejado e sua execução - segundo pesquisa de Argimiro da Silveira, publicada na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo em 1890 -, começou numa chácara da Freguezia do Braz, quando ao tenente Carlos José da Costa, vindo do Rio de Janeiro para matá-lo, foi indicado o alemão Henrique Stock para acompanhá-lo, identificar e executar a vítima. Líbero Badarò faleceu em consequência de hemorragia interna, às 22:00 hs de 21 de novembro.

A notícia do atentado a Líbero Badarò se espalhou rapidamente e a pequena capital da Província de São Paulo viveu dias agitados, com grupos armados percorrendo as ruas exigindo a prisão dos autores e mandantes do crime. Henrique Stock e outro alemão logo foram presos, mas o ouvidor se refugiou na casa do comandante militar, de onde só saiu depois de uma negociação com o bispo-governador interino com a participação de outros membros do Conselho e Governo da Província, entre os quais se destacou o mais tarde regente, padre Diogo Antônio Feijó. A pretexto de protegê-lo da ira popular e sob a alegação de que o acusado gozava de foro privilegiado, foi decidido que Candido Ladislau Japi-Assú seria conduzido ao Rio de Janeiro, não preso, mas sob escolta, para lá ser julgado.

"(...) Terrível liberdade de imprensa, que clama a uns não matarás, a outros não prenderás, não substituirás o teu interesse ao dos mais; não te servirás de autoridade pública para satisfazer as tuas vinganças, não sacrificarás o teu dever ao poder! Incapazes de resistir à evidência dos argumentos positivos sobre que se apoia a necessidade de imprensa, os amigos das trevas se vestem da capa da moral e do sossego público, apontam os abusos desta liberdade, a calúnia, a difamação, as provocações diárias, os axincalhes continuados, que tornam a vida um suplício. É, meu Deus! Os abusos? E do que se não abusa neste mundo? Forte raciocínio! E porque se abusa de uma qualquer cousa, já, já suprima-se? E aonde iríamos com estas supressões? Um mau juiz abusa do seu ministério: suprima-se a magistratura; um mau sacerdote abusa da religião: suprima-se a religião; um mau marido abusa do matrimônio: suprima-se o matrimônio! Forte raciocínio, dizemos outra vez! Suprimam-se os abusos que será melhor. A lei contra os abusos existe; sirvam-se dela; e se não é boa, faça-se outra; e liberdade a todos de esclarecerem os legisladores, pela imprensa livre (...)"

(Texto de autoria de Líbero Badaró, publicado no jornal Observatório Constitucional)

Última frase: "Morre um liberal, mas não morre a liberdade!"

Henrique Stock foi julgado pela Junta de Justiça de São Paulo, que o condenou a "galés perpétuas", iniciando o cumprimento da pena em Guarapuava, no Sudoeste do Paraná. O julgamento de sua apelação da sentença foi transferido para o Rio de Janeiro e entregue ao Tribunal da Relação, cujos membros, em 18 de junho de 1831, haviam absolvido seu colega Candido Ladislau Japi-Assú, decisão aplicada também ao alemão acusado de autor material do assassinato.

Líbero Badaró foi o primeiro jornalista assassinado no Brasil em virtude do ofício que exercia e o primeiro caso em que os assassinos, beneficiados por suas relações, viveram o resto de suas vidas na impunidade, apesar das provas que os incriminavam.

Cinquenta e nove anos mais tarde, alguns dias após a Proclamação da República, a urna mortuária do jornalista foi transferida da cripta da Capela do Carmo para o Cemitério da Consolação.

Fonte: Da Boca Sai

Pérola Byington

PÉROLA ELLIS BYINGTON
(83 anos)
Filantropa e Ativista Social

* Santa Bárbara, SP (03/12/1879)
+ Nova York, Estados Unidos (06/11/1963)

Filha dos americanos Mary Ellis McIntyre e Roberto D. McIntyre, descendentes de famílias que imigraram dos Estados Unidos após a Guerra Civil, Pearl Byington nasceu em 03 de dezembro de 1879, na Fazenda Barrocão, em Santa Bárbara do Oeste, SP. Além da filha Pearl, que mais tarde adotaria o nome de Pérola, o casal teve as meninas Mary e Lillian.

Em Piracicaba, SP, Pérola iniciou os estudos. Foi aluna do Jardim de Infância da Escola Americana, fundada e dirigida por Miss Watts e a professora e médica belga Maria Renotte, que além de ter sido, na última década do século XIX, a primeira e única médica na capital paulista por mais de uma década e haver se dedicado à criação de uma filial da Cruz Vermelha em São Paulo, como defensora dos direitos femininos participou da fundação da Aliança Paulista Pelo Sufrágio Feminino, tendo sido uma das vice-diretoras. Mais tarde Pérola tranferiu-se para o colégio fundado por sua mãe.

Aos catorze anos, completou os preparatórios para a Escola Normal. Contudo, como não tinha ainda a idade mínima para inscrição que era de dezesseis anos, foi impedida de matricular-se. Recebeu então aulas particulares, com exceção de latim, que aconteciam em uma escola masculina. Pérola ficava atrás de um biombo para não atrapalhar a aula do professor. Apenas em 1899 obteve o diploma de professora.

Ainda na Escola Normal, fez os preparatórios no Curso Anexo da Academia de Direito de São Paulo. Sua intenção não foi bem recebida pelos acadêmicos, então desfavoráveis à abertura do curso ao sexo feminino e Pérola não foi aprovada no exame de geografia.

Casou-se em 1901, com um dos pioneiros da indústria brasileira, Alberto Jackson Byington, com quem teve dois filhos, Alberto e Elizabeth. Em 1912 o casal partiu para os Estados Unidos, para onde haviam levado os filhos para estudar. Como consequência da Primeira Guerra Mundial a família não pode voltar ao Brasil e Pérola passou a colaborar com a Cruz Vermelha americana captando recursos.

Hospital Pérola Byington
Ao retornar ao país na década de 20, deparam-se com a cidade de São Paulo em efervescente desenvolvimento econômico e social. Encontraram também os contrastes econômicos e sociais que caracterizavam a população. Pérola então passou a trabalhar na Cruz Vermelha, ao lado de Maria Renotte, sua antiga conhecida, chegando a exercer o cargo de diretora do Departamento Feminino.

Em 1930, aos cinqüenta anos, junto à educadora sanitária Maria Antonieta de Castro, fundou a Cruzada Pró-Infância, em São Paulo, entidade voltada ao combate da mortalidade infantil, cujos índices eram assustadores então. Pérola foi eleita diretora geral e assim permaneceu por 33 anos.

O programa de ações da entidade incluía, inclusive, tentar junto aos poderes públicos a concretização obtenção de leis favoráveis à gestante e à criança, além de criar dispensários com serviços de clínica geral, higiene infantil, pré-natal, fisioterapia, dietética e odontologia. 

A criação de uma casa para abrigar mães solteiras, em uma época em que eram discriminadas, e casadas sem apoio familiar foi iniciativa pioneira. Pérola compreendia ser a maternidade função social do estado e defendia a assistência à mãe solteira como uma forma de enfrentamento dos problemas sociais. Era combativa defensora da educação sexual.

Como consequência, projetos infantis e creches com serviços de psicologia foram implantados. O hospital-infantil inaugurado em 1959 oferecia, ainda, cursos para estagiários acadêmicos. O funcionamento da Cruzada dependia da participação de todos. Pérola e seu grupo conseguiram constituir uma rede de solidariedade. Profissionais famosos atuavam voluntariamente no Ambulatório-Central, enquanto outros atendiam gratuitamente os pacientes nas residências. Laboratórios realizavam exames sem cobrar aos pacientes e algumas farmácias doavam medicamentos.

Praça Pérola Byington
Pérola foi também, uma das pioneiras na cobrança da divulgação causas da alta mortalidade no parto e pós-parto, objetivando melhorar a qualidade do pré-natal. Por uma de suas cobranças públicas, ocorrida em julho de 1938, na Semana das Mães, recebeu críticas das autoridades. Sua persistência para a institucionalização do Dia e da Semana da criança visava não motivos comerciais, mas acreditava que seria uma importante forma de chamar a atenção sobre os problemas da infância.

Colaborou ainda para ajudar a eleger Carlota Pereira de Queiroz, médica paulistana e primeira mulher eleita deputada federal no Brasil, na Constituinte de 1934.

Por sua atuação essencial à história da assistência à infância, Pérola foi alvo de várias homenagens. Em 1947 recebeu o título de Membro Honorário da Sociedade Brasileira de Pediatria. Até a ocasião, a única não-pediatra, a merecer tamanha distinção.

Emprestou seu nome ao antigo Hospital da Cruzada, batizado de Pérola Byington após seu falecimento, em 1963, e também à praça localizada em frente ao hospital, na Avenida Brigadeiro Luiz Antonio, região central da cidade de São Paulo. Em 1978 seu busto foi inaugurado na praça.

A maior homenagem certamente à Pérola, contudo, é a forma como seu hospital hoje em dia é conhecido pela população: Hospital da Mulher.