Mostrando postagens com marcador Vulto Histórico. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Vulto Histórico. Mostrar todas as postagens

Anhanguera

BARTOLOMEU BUENO DA SILVA
(68 anos)
Bandeirante, Explorador e Sertanista

☼ Parnaíba, SP (1672)
┼ Vila de Goiás, GO (19/09/1740)

A história do Brasil conhece dois bandeirantes com o nome de Bartolomeu Bueno da Silva: Pai e Filho.

Bartolomeu Bueno da Silva (pai), o Anhanguera, nascido e morto em datas incertas, faz parte daqueles primeiros bandeirantes que, movidos pelas dificuldades econômicas, pelo tino sertanista e pelo espírito de aventura, partiram de São Paulo, aproveitando-se, inclusive, da localização geográfica da vila, que se assentava num centro de circulação fluvial e terrestre, para desbravar o interior do Brasil.

Desde os primeiros tempos da colonização foram constantes as arremetidas rumo ao sertão. Primeiro, numa espécie de bandeirismo defensivo, que visava garantir a expansão e a posse da terra, e que prepararia a expansão paulista do século 17, o grande século das bandeiras, aquele em que se iniciaria o bandeirismo ofensivo propriamente dito, cujo propósito era, em grande parte, o lucro imediato proporcionado pela caça ao índio. Da vila de São Paulo, especialmente, partiam as bandeiras de apresamento chefiadas por Antônio Raposo Tavares, Manuel Preto, André Fernandes, entre outros.

O apogeu do apresamento ocorreu entre 1628 e 1641, quando os paulistas resolveram arremeter contra as reduções jesuíticas espanholas, em volta das quais se agregavam centenas de indígenas sob proteção missionária.

Casa do Sertanista Anhanguera em Santana do Parnaíba
As investidas sucederam-se desde que Manuel Pinto e Antônio Raposo Tavares iniciaram os ataques à região do Guairá, em 1628, destruindo as reduções, capturando os índios e expulsando os jesuítas para a margem ocidental do rio Paraná. Depois vieram muitos outros, incluindo Bartolomeu Bueno da Silva (pai).

Gradativamente, esses sertanistas passariam do bandeirismo de apresamento para o bandeirismo minerador, em busca de minas de ouro. É nessa época que se encontra a principal bandeira de Bartolomeu Bueno da Silva.

Em 1682, sua expedição partiu de São Paulo e atravessou o território do atual Estado de Goiás, seguindo até o Rio Araguaia. Ao retornar desse rio, à procura do curso do Rio Vermelho, encontrou uma aldeia indígena do povo Goiá. Diz a lenda que as índias estavam ricamente adornadas com chapas de ouro e, como se recusassem a indicar a procedência do metal, Bartolomeu Bueno da Silva pôs fogo a uma tigela contendo aguardente, afirmando que, se não informassem o local de onde retiravam o ouro, lançaria fogo em todos os rios e fontes. Admirados, os índios informaram o local e o apelidaram de Anhanguera, em tupi, añã'gwea, que significa Diabo Velho.

Essa bandeira deu origem à lenda das minas da Serra dos Martírios, buscada por vários sertanistas, e que, segundo fontes da época, "tinha por obra da natureza uma semelhança da coroa, lança e cravos da paixão de Jesus Cristo" esculpidos em ouro e cristais.

Ainda segundo a lenda, seu filho, Bartolomeu Bueno do Silva, à época ainda um menino, o acompanhava nessa bandeira.

Anhanguera, o Filho

Bartolomeu Bueno da Silva (filho), o segundo Anhanguera, nasceu em Parnaíba, São Paulo, em 1672 e faleceu em 19/09/1740 na Vila de Goiás, em Goiás.

Em 1701, atraído pelos descobrimentos de ouro na região de Minas Gerais, o segundo Anhanguera estabeleceu-se em Sabará e, mais tarde, em São João do Pará e em Pitangui, onde foi nomeado assistente do distrito.

Os conflitos entre emboabas e mineradores de São Paulo e os levantes ocorridos em Pitangui, encabeçados por seu genro Domingos Rodrigues do Prado, levaram-no a voltar para a capitania de São Paulo e a se fixar em Parnaíba.

Em 1720 dirigiu uma representação a Dom João V, pedindo licença para voltar às terras de Goiás, onde seu pai encontrara amostras de ouro. Em troca, solicitava do soberano o direito de cobrar taxas sobre as passagens de rios.

Em 1722, sob seu comando, a bandeira seguiu para Goiás, juntamente com numerosa parentela do sertanista, que, durante quase três anos explorou os sertões goianos em busca da lendária Serra dos Martírios.

Em 1725 conseguiu encontrar ouro no Rio Vermelho, próximo à antiga capital de Goiás. Voltou à região no ano seguinte, quando, na qualidade de capitão-mor regente das minas, fundou o Arraial de Santana, elevado em 1739 à categoria de vila como Vila Boa de Goiás, atualmente Cidade de Goiás, conhecida como Goiás Velho.

Além do referido cargo, Dom João V concedeu-lhe sesmarias e a cobrança de direitos sobre a passagem de rios que conduziam às minas goianas.

No entanto, a pretexto de que o Anhanguera havia sonegado as rendas reais, o direito de passagem lhe foi retirado em 1733. Na medida em que se organizava a administração estatal de Goiás, a autoridade do sertanista ia sendo limitada pelos delegados régios.

Ao falecer, em 1740, Bartolomeu Bueno da Silva estava pobre e reduzido a um exercício de mando quase decorativo.

Na antiga capital de Goiás ainda existe a Cruz do Anhanguera, por ele levantada em 1722, e que perpetua a memória do início da colonização do território goiano.

A Expedição do Anhanguera
(José Peixoto da Silva Braga)

Após dois séculos de constante procura de pedras preciosas (ouro e diamantes) no interior da colônia, enfim, os paulistas descobriram as ricas minas da tribo Goyá. A proeza coube a expedição comandada por Bartolomeu Bueno da Silva, o Anhanguera filho, depois de uma tentativa fracassada, por quase três longos anos, perdida no desconhecido sertão goiano, onde passaram por todo o tipo de dificuldade.

A famosa expedição saiu de São Paulo em 1722, com toda a pompa da época, organizada sob as bênçãos do governador da Capitania, como o grande evento ao ano. Com um contingente de aproximadamente 250 homens, seguiu por uma estrada cavaleira percorrendo  uma rota próxima ao rio Tietê, até chegar ao Rio Grande, na divisa com Minas Gerais. Atravessaram a região onde hoje está o Triângulo Mineiro e seguiram em direção ao Rio Paranaíba para penetrar nas terras goianas, pelo rumo de Catalão, e prosseguiu margeando, posteriormente o Rio Corumbá. A partir desse local a expedição, já bastante fragilizada, devido, principalmente ao grande cansaço e a falta de mantimentos,  mudou de direção e seguiu por um caminho totalmente desconhecido, permanecendo nessa condição por quase três anos.

As terras goianas  pertenceram à Capitania de São Paulo até o ano de 1748, quando Goiás e Mato Grosso foram desmembrados e transformados em capitanias.

Cruz do Anhanguera Original

A seguir veja o precioso relato que o alferes José Peixoto da Silva Braga concedeu ao Padre Diogo Soares sobre a Expedição do Anhanhguera que fundou o primeiro povoado em terras goianas. Ambos foram membros dessa expedição.

"Saí da cidade de São Paulo a três de julho de 1722 em companhia do capitão Bartolomeu Bueno da Silva, o Anhangüera de alcunha, que era o cabo da tropa com 39 cavalos, dois religiosos bentos, frei Antonio da Conceição e frei Luiz do Sant'Anna, um franciscano, frei Cosme de Santo André, e 152 armas, entre as quais iam também vinte índios, que o Srº Rodrigo Cezar, general que então era de São Paulo deu ao cabo Bartolomeu Bueno, para a condução das cargas e necessário. Dos brancos quase todos eram filhos de Portugal, um da Bahia e cinco ou seis paulistas com os seus índios e negros e todos à sua custa.
Passado o Rio Tietê, fomos pousar neste dia junto ao mato do Jundiaí, quatro léguas distante da cidade de São Paulo. Na manhã seguinte, entramos no mato e gastamos nele quatro dias. Saídos do mato passamos o Rio Mogi, que é rio de canoa, e muito peixe tem, e dá mostras de ouro, mas com pouca conta. Aqui falhamos um dia e, no seguinte, marchando sempre ao norte, demos com um rio também de canoa, a que pusemos o nome e nele pousamos esta noite. É o caminho todo campo com alguns capões de matos, bons pastos e bastantes aguadas.
No dia seguinte passamos o rio em um vão com água pelo peito, e fomos pousar no meio do campo distância de três para quatro léguas. É todo bom caminho, bons pastos e muita caça, e tem alguns córregos com bastante peixe. Deste ponto fomos dormir distância de quatro léguas junto a um córrego, que entra como os mais no Rio Grande. Daqui passamos na manhã seguinte encostados a uns paus, e presos com uns cipós para vencermos a muita violência e grande força d'água com que corria. Neste pouso falhamos um dia, sendo a causa o requerer toda a tropa a Anhangüera lhe fizesse a resenha que lhe tinha prometido antes fazer em Mogi, e a que tinha já faltado. Escusou-se este com a promessa de que, em chegando o capitão João Leite da Silva Ortiz, seu genro, que nos tinha ficado atrás e era o outro descobridor, a faria e, caso que este não chegasse a tempo competente, a faria ele, cabo, no rio Grande.
Com esta esperança marchou toda a tropa, sete ou oito dias, sempre por campos e matos grossos, e pousando sempre à beira de córregos e rios. Não faltou em todos eles caça e peixe. Deste último pouso fomos ao Rio Grande, passamo-lo em canoas feitas de paus de sumaúma depois de dormirmos, e falhamos nele dois dias, esperando se nos fizesse a resenha prometida, mas faltou como sempre, o Anhangüera. Partiu deste sítio toda a tropa ainda junta, mas já desconfiada, e foi dormir distância de quatro léguas junto a um córrego, que deságua no Rio Grande. Aqui nos começou a faltar o mantimento, e assim nos foi preciso marchar cinco dias passando com o que dava a espingarda, pássaros, macacos, palmitos e algum mel.
No fim destes cinco dias chegamos ao Rio das Velhas, que entra no Rio Grande, é caudaloso, tem bastante peixe, mas sem mostras de ouro. Falhamos nele dois dias, pescando e caçando por ter bons matos, e para provimento da viagem. Aqui nos deixou o Anhangüera adiantando-se com parte da tropa, ficando a mais expedindo-se para seguir. Neste tempo, e ausente já o cabo, chegou João Leite com a sua gente, por cuja causa falhamos mais esse dia. No seguinte seguimos com João Leite ao Anhangüera e, depois de quatro dias de marcha, o achamos com ranchos feitos entre o mato, passamos do caminho alguns córregos, que nos permitiram o vadeá-los por ser tempo de seca.
Avistada a tropa com o cabo, lhe pediu João Leite que fizesse a resenha prometida tantas vezes não só em São Paulo, mas no sertão, porque havia desconfiado, e temia se malograsse por esta causa a empresa que ambos tinham oferecido não só ao general Rodrigo Cezar, mas ao mesmo soberano. Respondeu-lhes que a resenha era escusada, porque os emboabas, assim chamam aos reinóis, não era gente que lho merecesse. Com esta resposta, desconfiados não só os emboabas, mas ainda os poucos paulistas que nos acompanhavam, determinaram voltar-se logo para São Paulo mas, acudindo a isto João Leite, os obrigou com rogos e com promessas, e muito mais com o seu natural agrado, a que o não desamparassem.
Reduzida, a tropa se pôs em marcha depois de quinze dias de falhas, que se gastaram nestas desordens, como também em fazer algum provimento do que permitia o mato, e como este não era muito, nem todos tinham quem lhe caçasse, obrigou a alguns a matarem e comerem um cavalo que tinha quebrado uma perna, e eu fui um dos que aproveitaram dela. Aqui quisemos falhar mais alguns dias por entrarem já as águas, e temermos não só os rios e córregos, mas a falta de matos, e com ela o necessário e preciso para o sustento. Resolveu porém o cabo a marchar em ódio dos emboabas de quem era o voto. Seguiu a tropa, e fomos dormir nesse dia junto de um córrego, que tinha algum peixe, com melhores pastos e bastante mato. Aqui desconfiamos, de todo persuadidos, que o Anhangüera nos queria acabar no meio daqueles matos, e alguns houve que se resolviam a ficar, lançando roças e plantando alguns poucos pratos de milho, que tinham ainda para o seu sustento, mas o capitão João Leite os tornou de novo a animar e reduzir a que passassem avante como passaram.
Passados alguns dias de marchas, e neles alguns rios e córregos, com assaz trabalho e perigo, por serem as águas muitas, e maior a fome, nos fomos arranchar perto da meia ponte. É a Meia Ponte um rio caudaloso, tem bastante peixe, bons pastos e muito mato. Passado este rio em umas pequenas canoas, que fizemos de cascas de árvores, fomos dormir na outra banda do rio, que nos hospedou toda a noite com uma famosa trovoada, que durou até a manhã seguinte com tanta água, que não nos deu lugar a podermos fazer ranchos, e por isso me vali de uma tolda, que tinha comigo. Da Meia Ponte, distância de dois dias de viagem, se deixou ficar frei Antonio com ânimo de lançar roça com dez negros, um seu sobrinho e um mulato, com outro branco paulista, que consigo tinha. Sentiu toda a tropa naquela noite a falta do dito religioso, deu-se parte ao Anhangüera, mandou-o este persuadir a que voltasse e marchasse adiante, como faziam os mais. Mas teve por resposta visto que, a falsidade que S. M.ce tinha usado com todos, faltando a tudo o que lhes tinha prometido em São Paulo, lhe não era possível o podê-lo acompanhar, que ele determinava plantar algum milho, com que se pudesse recolher a povoado.
Desenganado o Anhangüera, marchou com a mais tropa e, julgando que indo sempre ao norte, como até ali tinha feito, lhe ficavam já atrás os Guaiazes, que procurava, mudou de rumo, e seguiu a nordeste 4ª do norte.
Passaram de cento e tantas léguas as que andamos a este rumo, sem mais sustento que o que dava o mato, e esse pouco. Nestes dias lhe fugiram ao cabo oito índios dos seus, publicando primeiro todos, que íamos errados, porque os Guaiazes nos ficavam já atrás. Destes índios foram apanhados depois de alguns dias só três, que trouxe presos João Leite, que se expediu a buscá-los com dois negros e quatro brancos: trouxe também nesta volta consigo a frei Antonio, que nos ficava distante perto de oitenta léguas: mas ainda que veio frei Antonio, nem por isso desamparou a sua roça, porque deixou nela o sobrinho com quase todos os negros. Nesta ocasião demos em umas grandes chapadas faltas de todo o necessário, sem matos, nem mantimentos, só sim com bastantes córregos, em que havia algum peixe, dourados, traíras e upiabas, que foram todo o nosso remédio, achamos também algum palmito, do que chamam jaguaroba, que comíamos assado, e ainda que é amargoso sustenta mais que os mais.
Aqui nos começou a gente a desfalecer de todo: morreram-nos quarenta e tantas pessoas entre brancos e negros, ao desamparo, e o eu ficar com vida o devo ao meu cavalo, que para me montar nele, pela nímia fraqueza em que me achava, me era preciso o lançar-me primeiro nele de braços levantados sobre o primeiro cupim que encontrava.
Vendo-se o cabo nessa miséria, e temendo a falta e mortandade de gente, e muito mais considerando o erro que tinha dado no rumo que então seguia, se valeu do céu, e foi a primeira vez que o vi lembrar-se de Deus, prometendo, e fazendo várias novenas a Santo Antonio para que nos deparasse algum gentio, que conquistado, nos valêssemos dos mantimentos que lhe achássemos, para remédio da fome, que padecíamos. Passados quinze dias com bastante moléstia, e trabalho, demos em uma picada nos mesmos campos, seguimo-la nove dias, achando nela alguns ranchos feitos de pau e ramos, com alguns grãos de milho, já nascidos: no fim destes nove dias chegamos a uma serra, cujas vertentes deságuam para o norte, e lançando adiante quatro índios a farejar o gentio os seguimos três dias de viagem. Éramos só dezesseis com o cabo, porque a mais tropa e bagagem deixamos atrás com os doentes.
Na noite do terceiro dia avistamos as rancharias do gentio, e seus fogos: emboscamo-nos no mato para lhes darmos na madrugada, mas sendo sentidos dos cachorros que tinham muitos, e bons, quando os avançamos, nos receberam com os seus arcos e flechas.
Não demos um só tiro por ordem do cabo, de que resultou o fugir-nos quase todo o gentio, o investir um deles ao sobrinho do cabo com tal ânimo que, lançando-lhe a mão à rédea do cavalo, lhe tirou a espingarda da mão, e da cinta o traçado, e dando-lhe com ela um famoso golpe em um dos ombros, e o outro no braço esquerdo, fugiu levando-lhe consigo as armas. Desembaraçado do tapuia, o paulista correu sobre ele sem mais efeito, que recuperar a espingarda que lhe largou o tapuia, retirando-se com o traçado.
Nesta mesma ocasião outro tapuia em uma das suas portas feriu levemente no peito com uma flecha a um Francisco Carvalho de Lordelo, e acudindo outro lhe deu na cabeça com um porrete de que caiu logo; caindo-lhe, deu outra porretada outro tapuia, que apareceu de novo, deixando-o já por morto.
É para admirar que, em todo esse conflito, não fizesse ação alguma mais o nosso cabo, que o andar sempre ao longe, gritando, e requerendo-nos que atirássemos só ao vento por não atemorizar o gentio.
Foi Deus servido levarmos os ranchos chovendo sobre nós as flechas e os porretes.
Retiraram-se para o mato os tapuias, mas sem nunca nos perderem de vista, e tanto que, querendo dar sepultura ao Carvalho, persuadidos de que estaria morto, procuraram em duas avançadas que nos deram, o tirá-lo e comê-lo, e vendo-se rebatidos nos pediram por acenos lhe déssemos ao menos a metade para a comerem, por ser diversa a língua da geral. Retirado o dito Francisco de Carvalho, o achamos com a boca, nariz, e feridas cheias de bichos, mas vendo que lhe palpitava ainda o coração, e que tinha outros mais sinais de vida, o recolhemos na rancharia, curando-lhe as feridas com urina e fumo, e sangrando-o com a ponta de uma faca, por não termos melhor lanceta: aproveitou tanto a cura, que o Carvalho pela noite tornou em si, abriu os olhos, mas não pôde falar, senão no dia seguinte: o regimento que teve, não passou dum pouco de angu e algumas batatas, das que achamos nas rancharias.
Em todo esse tempo nos deixou o gentio, perseguindo-nos os negros, que nos iam conduzir algumas batatas de 25 batatais que tinham grandes, e excelentes no gosto: destes negros nos mataram um, e um cavalo, o que visto pelo cabo se fez forte em um dos ranchos, que lhe pareceu melhor, mandando recolher todo o milho, que se achou, a um paiol, a que pôs guardas, como o fez também a sete índios, que cativamos, mandando-lhe lançar a todos suas correntes, excetuando um índio torto, também cativo, a que ao depois deu liberdade. Recolhido no seu rancho o Anhangüera mandou logo os doentes, e mais bagagem.
Nesse tempo se tinha humanizado já mais o gentio, buscando-nos, e servindo-nos sem arco e flecha, e admirando muito as nossas armas. Ofereceram-nos paus, trazendo-nos em um destes dias dezesseis índias ainda moças, muitas claras e bem feitas, não éramos mais os brancos, em sinal de amizade. Repugnou ao cabo aceitá-las, contradizendo todos os mais companheiros, e eu fui o que mais o persuadia a aceitá-las, dizendo-lhe que, na consideração de sermos tão poucos, e estes fracos, e mortos de fome, e muito o gentio, o não escandalizássemos, e que postas em guarda as ditas índias com as mais, que se achavam já presas, podíamos facilmente catequizar a todo o mais gentio, não só a ajuste das pazes, mas a darem-nos alguns que nos ensinassem o verdadeiro caminho dos Guaiazes. Mas a nada disto se moveu o Anhangüera com a ambição de querer para si todo o gentio, motivo por que escusou sempre a resenha, e porque desconfiado o gentio desapareceu logo no outro dia: temeroso, que ao entrar nova gente nas rancharias, eram os doentes, e bagagens, os queríamos matar para os comermos a todos; assim nô-lo certificaram as índias, que se achavam entre nós. Desesperado o cabo com a ausência do gentio, largou o torto com algumas facas, tesouras e outras galanterias, para que os persuadisse a voltar, mas o torto foi, e nunca mais o vimos.
Chama-se este gentio Quirixá, vive aldeado, usa de arco, flecha e porrete; é muito claro e bem feito; anda todo nu, assim homens como mulheres. Tinham dezenove ranchos todos redondos, bastantemente altos, e cobertos de palmito, com uns buracos junto ao chão em lugar de portas; em cada um destes viviam vinte e trinta casais juntos, as camas eram uns cestos de buritis, que lhes serviam de colchão e cobertor; eram pouco mais de seiscentas almas; estava situada toda esta aldeia junto dum grande córrego com bastante peixe, e bom: no 2o dia, que marchamos a buscá-la, encontramos um rio caudaloso, em que havia muitos peixes caijus, palmito e muita e grande caça, que nos serviu muito. Nesta aldeia achamos duzentas mãos de milho, 25 batatais, muitas araras, e também alguns periquitos, que nos serviam de sustento e de regalo: tinham também bastante cópia de cabaças e panelas, e uma grande multidão de cães, que mataram quando fugiram e se retiraram de todo, só a fim de não serem sentidos das nossas armas, como experimentamos depois nas bandeiras, que se lançaram a espiá-los.
Aqui nos detivemos três meses sem neles nos dar o cabo milho nenhum, reservando-o todo para si só, e para a sua comitiva, desculpando esta sua tirania com dizer-nos lhe era preciso para as bandeiras, que havia de lançar, mas suposto lançou duas, nem por isso foi muito o milho de que as proveu; não faltou este nem farinhas aos seus cavalos e à sua comitiva. Eu só tive a fortuna de me darem dezessete espigas, e se tive mais algum milho o devo ao trabalho, e perigo, com que o recolhi das roças, que tinha deixado o gentio de refugo; assim o fizeram todos os mais, não se isentando do mesmo trabalho ainda religiosos, por que se o quiseram, o carregaram e tiraram por suas próprias mãos, escoltados sempre de outros por medo do gentio. Antes de nos apresentarmos nos fugiram quatro dos índios, que o cabo tinha presos, e nunca mais se viram.
Na demora que fizemos nesta aldeia, vendo toda a tropa que o cabo, sobre faltar a resenha tantas vezes prometida, tinha a culpa de perdermos o gentio, se amotinou, e tanto que se resolveram dois bastardos e um mulato mameluco com alguns paulistas a querer-lhe tirar a vida, e levantar a seu irmão Simão Bueno por cabo, por ser de melhor e mais dócil condição. Eu que soube a sua resolução, não obstante o não mo merecer o Anhangüera, fiz todo o possível para os dissuadir de semelhante intento, insinuando-lhes o muito que deviam a João Leite. Dissuadidos os bastardos e seus sequazes, seguimos viagem costeando o córrego da rancharia, ou aldeia, até darmos em um rio, que fomos costeando também pela parte do norte a buscar novo gentio, que nos pudesse ensinar o caminho dos Guaiazes. Nestas marchas gastamos 76 dias, andando dois deles sem achar água, de sorte que, quando chegamos às margens dum rio, foi tal alegria em nós, que cobramos nova alma, e tanto, que nem os cavalos havia os tirasse da água por mais pancadas que para isso lhes davam. Aqui falhamos 12 ou 15 dias, esperando por João Leite, que nos tinha ficado atrás em busca dos índios, e não chegava.
Neste sítio ouvindo dizer ao cabo nos ficava já perto o Maranhão me resolvi a deixá-lo, e rodar rio abaixo buscando alguma terra já povoada, por não perecer a fome e sede no meio daqueles matos. Seguiram-me três camaradas, que foram José Alves, Francisco de Carvalho, seu irmão, Manoel de Oliveira, paulista, e João da Matta, filho da Bahia, ainda rapaz, José Alves, com um negro e uma negra, seu irmão com um só negro, eu com três e um mulato, que foram todas as peças que nos escaparam da viagem do Anhangüera, entrando eu com seis negros e o mulato, o Alves com cinco e o irmão com três. Repugnou o cabo que saíssem comigo os dois irmãos sem que primeiro lhe satisfizessem quarenta e seis mil réis, que deviam a João Leite, que já era chegado com Frei Antônio, paguei por eles, porque lhe não vi outro remédio. Porém, João Leite vendo-me ausentar insistiu, e com ele Frei Antônio quanto lhe foi possível, a que não os desamparássemos; mas as insolências do cabo, que dizia publicamente havia de enforcar aos emboabas, me obrigaram a dar gosto a João Leite e a Frei Antônio. O certo era que o Anhangüera tinha passado ordem a um dos seus tapuias para matar ao Alves por uma bem leve causa; o pior foi que, vendo o mesmo Anhangüera que eu o deixava, me catequizou um negro bom mateiro, chamado Pascoal, e o deixou ficar consigo. Vendo-me sem ele voltei ao sítio do cabo distância de meia légua, rogando-lhe me restituísse o negro; respondeu-me que o negro não estava em seu poder, nem sabia dele. Fiz então procuração a frei Antônio para que o tomasse a si, e me remetesse o procedido dele, caso que o vendesse, à minha mulher Leonarda Peixota, à Cidade de Braga. Soube João Leite desta procuração e, estranhando esta ação de seu sogro, me mandou oferecer um moleque por Estevão Mascate Francês em lugar do negro, que aceitei logo por ser preciso mais gente para remar nas canoas; publicando neste tempo o cabo, que já que nos íamos, e o deixávamos, morreríamos naqueles rios e matos, por nosso próprio gosto, sendo que o melhor seria o matarmos, que o deixar-nos perecer entre as águas; não duvido que nos quisesse herdar os negros, como tinha feito a todos os mais sócios.
Estas duas canoas, e dado o meu cavalo a frei Luiz, para mo dizer em missas a N. Sa. da Boa Viagem, por lhe ter morrido o seu? rodamos rio abaixo pelo interesse do peixe, a caça, que era muita; passados oito dias de próspera viagem demos na barra doutro rio, que vinha da mão direita, e terras de Portugal, tão grande, como o por que rodávamos; passada esta barra, e depois de quatro dias, avistamos outra barra dum rio mais pequeno, que vinha da mesma parte direita, e desta a quinze ou vinte dias, buscando sempre ao norte, que era o rumo a que corria o nosso, demos em outro rio maior, que vinha da parte esquerda, em que achamos com as cheias inumeráveis jangadas feitas de buritis, que tinham rodado, e com elas sinal de haver gentio perto. Navegamos adiante e, depois de cinco ou seis dias, avistamos alguns recifes de pedras, e não poucas cachoeiras, que passamos junto à terra da parte direta, sirgando as canoas por entre os penedos, mas não com tanta cautela que não topasse uma em uma pedra e se partisse pelo meio, perdendo nela duas canastras com roupas, ouro e prata, tachos, espingardas, traçados, anzóis, linhas, e outros trastes necessários no sertão, e que nele se precisam; entre estes foi o mais sensível a perda de um pacote de chumbo com duas arrobas, escapando outro com o mesmo número, e um pequeno barril de pólvora, que veio boiando acima; escaparam também três espingardas de oito que trazíamos, e tudo o mais se perdeu.
Passado este perigo fomos na outra canoa buscar a parte esquerda por baixo da cachoeira, onde o rio fazia remanso com uma excelente praia: nela matamos dois porcos, que nos serviram de matalotagem para a viagem, e fizemos de novo outra canoa com três machados e duas enxós, que também nos escaparam, vertendo sangue as mãos por ser de tamboril duríssimo o pau de que a fizemos; gastamos na sua fabricação 12 dias abrigados à sombra daqueles matos, e como perdemos os anzóis, e linhas, perdemos também gosto ao peixe, e nos valíamos do palmito bocajuba, que depois de esfolado, e feito em uns pequenos pedaços o secávamos ao fogo, e seco o socávamos em uma pedra, e o comíamos em mingaus, servindo-nos de taco ou panela uma pequena bacia de arame, que também nos escapou. Feita a canoa seguimos nossa derrota, e passados três dias de viagem demos com um pau cortado na beira do mesmo rio: abordamos as canoas a expiar algum macaco para comermos e matarmos a fome, que era já muita quando descobrimos um arraial de gentio pouco menos distante que um ou dois tiros de espingarda; era o arraial grande, e teria mais de trinta ou quarenta ranchos redondos. Vistos, nos tornamos logo a embarcar, fugindo a todo o remar por não sermos sentidos deles, e tanto que fomos dormir distância de quatro ou cinco léguas rio abaixo, arranchando-nos no mato da parte esquerda, onde achamos algum palmito indaiá, mas foi tal a perseguição dos morcegos nessa noite, que sobre nos tirarem o sono, nos custou muito a livrar deles; porque como vínhamos já nus, tanto que fechávamos os olhos, se pregavam logo a nós e nos sangravam, de sorte que acordávamos banhados todos em sangue, motivo por que desamparamos mais cedo do que queríamos aquele sítio.
Daqui rodamos rio abaixo e demos em um jenipapeiro, com cuja fruta nos regalamos dois dias, e no fim destes como a fome era muita entramos pelas sementes das ditas frutas; mas estas nos puseram em tal estado, e impediram de tal sorte o curso, que nos consideramos mortos. Valemo-nos duns pequenos paus, e com eles em lugar de cristel obrigamos a natureza a alguma evacuação. Falhamos neste ponto 4 ou 5 dias, que gastamos em buscar alguma caça para comermos, e, para que nos não faltasse também o peixe, fizemos do virote duma espada, que cortamos a enxó, um formoso anzol, e aguçado com uma pedra tiramos bastante peixe, servindo-nos de linha um pouco de ambé, era o peixe excelente, muito, e grande, e tanto como o do mar: matamos também aqui muitos barbados que, postos de moquém, nos serviram de nova matalotagem para o caminho. Caminhamos rio abaixo e depois dalguns dias nos quebrou a outra canoa em uma pedra, que estava na beira duma grande correnteza em que demos; aqui se nos acabou de perder tudo, e eu, como não sabia nadar, me peguei à mesma canoa, valendo-me dum cipó, com que me atei a ela e fui sair em um recife de pedras: pior sucedeu a um dos meus negros, que rodou pela cachoeira abaixo mais de dois ou três tiros de espingarda levado da correnteza da água; e, quando o supúnhamos já morto, o achamos sentado sobre um grande penedo que havia no meio do rio, tinha este um quarto bom de légua de largo. Perdemos também aqui o nosso estimado anzol, que nos roubou um formoso e grande peixe, e assim ficamos só a palmito e jenipapo, e esses quando os achávamos.
Neste pouso consertamos a canoa, e, rodando pelo rio mais de quinze dias abaixo, nos vimos obrigados em todos eles a dormir nas suas ilhas, que eram muitas, enterrados na areia por medo do gentio, que era inumerável, e o mais é sem podermos dar um só tiro, para remédio da fome, que não era pouca. Aqui vimos várias barras doutros rios pequenos, que duma e doutra parte se metiam no em que rodávamos: passadas estas descobrimos a poucas léguas a barra dum grande rio, que vinha da mão direita, dormimos essa noite entre uma e outra barra, mas saindo na manhã seguinte costeando o rio pela mesma parte direita, pela extraordinária largura, que aqui tinha, demos com um grande palmital, e nele com três gentios junto à praia; pegou um dos companheiros na espingarda, tirou a um, e feriu-o; ferido, acudiu logo todo o mais gentio, que andava ao corredio (sic), dando tais urros, e tocando tão horríveis tararacas, que parecia se nos abrira naquele sítio o inferno, valeu-nos não ter este gentio de canoa, atravessamos logo o rio, fugindo quanto então nos foi possível; aqui nos vimos perdidos novamente porque as ondas, e marretas eram tais, ao atravessar da corrente, que tememos muito nos submergissem; chegamos bem cansados e quase mortos a uma ilha e, prendendo as canoas em uma das suas pontas, nos fomos arranchar na outra enterrando-nos na areia para evitar o gentio se viesse sobre nós.
Passado este susto, depois de dois dias de viagem, sem mais sustento, que os dos coquinhos, que nos davam alguns palmitos, com algum palmito indaiá, onde se achava, demos em um outro perigo, topando no meio do rio com um recife de pedras, em que a minha canoa se viu perdida, porque saída das pedras deu em um jupiá, aonde depois de dezessete ou dezoito voltas que nele deu, a mesma violência d?água a lançou fora; a outra tomou melhor caminho: foi encostada à terra e passou sem susto; dormimos esta noite na beira do mesmo rio junto a um mato, com não menos fome, e chuva que foi muita e durou toda a noite. Passados dois dias de viagem matamos uma anta, mas tão magra, que por tal nos esperou um tiro, de que caiu, e mal assada se comeu; nessa noite demos em trilha de brancos com que cobramos sem dúvida novos alentos: e vimos entrar no nosso da parte esquerda um rio, que ao depois soubemos ser Araguaia, e o por que navegamos o Tocantins. Seguimos a dita trilha, por ser esta sempre à beira do rio, e, dando daí a três dias com oito ilhas, nos vimos perplexos por não sabermos o canal que seguiríamos; buscamos então a terra e, junto a ela e duns penedos, quisemos varar as canoas, e não pudemos pela pouca água que ali havia.
Falhamos aqui quatro dias buscando algum palmito, ou caça, que era pouca, e como a fome era mais, mandei ao meu mulato a matar alguma coisa para comer; voltou este sem nada, mas só com o seguro de ter achado picada certa de branco; peguei da espingarda, e assim nu, como estava, segui a dita picada, acompanhado só do paulista, e a menos de quarto de léguas avistamos uma missão dos R. R. P. P. da companhia que formava de novo. Vendo-nos um dos padres nus, e com armas, fugiu logo e deu aviso ao mais, persuadido que era gentio Manas, que também usa de armas de fogo pelo comércio que tem com os holandeses, e são nossos inimigos. Acudiu prontamente o capitão-mor, que se achava entre os padres, com toda a sua soldadesca armada, e tocando caixas; acudiam também os índios com os seus arcos e flechas: lançando em terra as armas, e batendo as palmas em sinal de paz, nos veio buscar logo o R. P. Marcos Coelho, que era o superior da missão, e vendo que éramos portugueses nos levou consigo com extraordinária alegria e amor, e ouvindo-nos contar o que tínhamos padecido não podia reter as lágrimas, e assim, sabendo que tínhamos mais companheiros, os mandou logo buscar pelos índios em uma das suas canoas, e chegados, por não haver na capela outro sino, nos recebeu com três alegres repiques, que formavam os golpes dum pequeno ferro em uma pedra.
Nesta primeira e amorosa hospedagem começamos a matar logo a fome: não faltaram feijão e peixe, e como um e outro eram temperados, não deixou de o estranhar por muito tempo o estômago. Durou-nos esta alegria só quinze dias, porque no fim deles nos remeteu ao Pará, ao dito capitão-mor Domingos Portela de Mello, gastando vinte dias na viagem. Chegados ao Pará, se deu parte ao governador João da Maia da Gama, veio este ver-nos logo ao porto, e ouvindo os trágicos sucessos da viagem, que trazíamos, nos não deu crédito, antes intentou prender-nos para justificarmos se os negros, que trazíamos, eram nossos ou furtados à mesma tropa de que tínhamos desertado; respondi-lhe que catequizasse os negros e que se catequizados confessassem não serem nossos, nos castigasse, o que não obstante e menos a miséria em que nos via, pois estávamos todos nus, e com a pele só sobre os ossos, nos deixou ficar na mesma praia, e porto das canoas, sem resolver nada, e sem mais sustento e cama que a que nos deram os cavacos e cascas dos paus do estaleiro real.
Porém emendaram logo na manhã seguinte os particulares a indispensável falta deste seu governador, vindo nos buscar à praia do estaleiro o reverendo cônego João de Mello, com mais algumas pessoas graves da cidade, e compadecidos do miserável estado em que nos viam, nos levaram a todos para as suas casas. Eu tive a do mesmo reverendo cônego João de Mello; João Alves foi para a de Manoel de Góes com seu irmão; Manoel de Oliveira para a de João de Souza, filho de Basto, e João da Matta para a de João da Silva, filho de Guimarães. No Pará adoeci depois dalguns meses duma febre que me pôs em perigo, e tanto que, degenerando em maleitas, estive ungido; duraram-me estas oito meses; enquanto estive de cama levaram alguns dos negros mau caminho, porque um me morreu de bobas e o mulato, de veneno que lhe deu uma tapuia: e assim me embarquei só com dois para o Maranhão; destes conservo ainda um, porque o outro me foi preciso vendê-lo para comprar dois cavalos que me conduziram a estas Minas, gastando no caminho dez únicos meses com alguns dias falhos; e desde que deixamos o grande Anhangüera até Deus nos trazer ao Pará quatro meses e onze dias, entrando nestes as falhas.
Lembra-me que antes de darmos no Jupiá, quando fugimos do gentio de que falo acima nos números 21 e 22, por ser o rio muito largo, e quase morto, nos lançamos à matroca aquela noite, prendendo uma canoa à outra, e dormindo todos os mais, eu por mais temeroso e acautelado vigiei toda a noite, e não me valeu de pouco; porque ouvindo roncar ao longe o mesmo rio, os acordei gritando que tínhamos perto cachoeira, e assim foi porque varados em uma ilha, vimos logo na madrugada o perigo de que escapamos de noite: porque a cachoeira era horrível, e tão alta, que teria quinhentos palmos, e entre penedo bruto, que fazia mais formidável e com tantas ondas, fumaças e cachões que parecia um inferno; passamos por cima duns recifes lançando as canoas pelo canal à fortuna: saíram estas abaixo da cachoeira cheias de água, e rombos, tiramo-las, então a nado, e consertadas como pudemos, seguimos nossa derrota. Estes são, R. Senhor os trabalhos, as misérias e as grandes conveniências que tirei das novas Minas dos Guaiazes etc."

Minas Gerais, Passagem das Congonhas, 25 de agosto de 1734.

(Ass.) José Peixoto da Silva

Dom Pedro II

PEDRO DE ALCÂNTARA JOÃO CARLOS LEOPOLDO SALVADOR BIBIANO FRANCISCO XAVIER DE PAULA LEOCÁDIO MIGUEL GABRIEL RAFAEL GONZAGA
(66 anos)
Segundo e Último Monarca do Império do Brasil

* Rio de Janeiro, RJ (02/12/1825)
* Paris, França (05/12/1891)

Dom Pedro II, alcunhado "o Magnânimo", foi o segundo e último monarca do Império do Brasil, tendo reinado o país durante um período de 58 anos. Nascido no Rio de Janeiro, foi o filho mais novo do Imperador Dom Pedro I do Brasil e da Imperatriz Dona Maria Leopoldina da Áustria e, portanto, membro do ramo brasileiro da Casa de Bragança. A abrupta abdicação do pai e sua viagem para a Europa deixaram Pedro com apenas cinco anos Imperador e levaram a uma infância e adolescência triste e solitária. Obrigado a passar a maior parte do seu tempo estudando em preparação para imperar, ele conheceu momentos breves de alegria e poucos amigos de sua idade. Suas experiências com intrigas palacianas e disputas políticas durante este período afetaram grandemente o seu posterior caráter. Dom Pedro II cresceu para se tornar um homem com forte senso de dever e devoção ao seu país e seu povo. Por outro lado, ele ressentiu-se cada vez mais de seu papel como monarca.

Tendo herdado um Império no limiar da desintegração, Dom Pedro II transformou o Brasil numa potência emergente na arena internacional. A nação cresceu para distinguir-se de seus vizinhos hispano-americanos devido a sua estabilidade política, a liberdade de expressão zelosamente mantida, respeito aos direitos civis, a seu crescimento econômico vibrante e especialmente por sua forma de governo: uma funcional monarquia parlamentar constitucional. O Brasil também foi vitorioso em três conflitos internacionais, que foram a Guerra do Prata, a Guerra do Uruguai e a Guerra do Paraguai, sob seu reinado, assim como prevaleceu em outras disputas internacionais e tensões domésticas.

Dom Pedro II impôs com firmeza a abolição da escravidão apesar da oposição poderosa de interesses políticos e econômicos. Um erudito, o Imperador estabeleceu uma reputação como um vigoroso patrocinador do conhecimento, cultura e ciências. Ele ganhou o respeito e admiração de estudiosos como Charles Darwin, Victor Hugo e Friedrich Nietzsche, e foi amigo de Richard Wagner, Louis Pasteur e Henry Wadsworth Longfellow, dentre outros.

Apesar de não haver desejo por uma mudança na forma de governo da maior parte dos brasileiros, o Imperador foi retirado do poder num súbito golpe de Estado que não tinha maior apoio fora de um pequeno grupo de líderes militares que desejam uma república governada por um ditador. Dom Pedro II havia se cansado da posição de Imperador e se tornado desiludido quanto as perspectivas do futuro da monarquia, apesar de seu grande apoio popular. Ele não permitiu qualquer medida contra sua remoção e não apoiou qualquer tentativa de restauração da monarquia. Ele passou os seus últimos dois anos de vida no exílio na Europa, vivendo só e com poucos recursos.

O reinado de Dom Pedro II veio a um final incomum - ele foi deposto apesar de altamente apreciado pelo povo e no auge de sua popularidade, e algumas de suas realizações logo foram desfeitas visto que o Brasil deslizou para um longo período de governos fracos, ditaduras e crises constitucionais e econômicas. Os homens que o exilaram logo começaram a enxergá-lo como um modelo para a República brasileira. Algumas décadas após sua morte, sua reputação foi restaurada e seus restos mortais foram trazidos de volta ao Brasil como os de um herói nacional. Sua reputação perdurou até o presente. Os historiadores o enxergam numa visão extremamente positiva, e ele é comumente considerado o maior brasileiro.

Dom Pedro II aos 10 meses de idade (1826)
Primeiros Anos

Nascimento

Dom Pedro nasceu as 02:30 hs do dia 2 de dezembro de 1825 no Paço de São Cristóvão, na cidade do Rio de Janeiro. Batizado em homenagem a São Pedro de Alcântara, seu nome completo era Pedro de Alcântara João Carlos Leopoldo Salvador Bibiano Francisco Xavier de Paula Leocádio Miguel Gabriel Rafael Gonzaga.

Pelo seu pai, o Imperador Dom Pedro I, ele era membro do ramo brasileiro da Casa de Bragança e seu nome era precedido pelo honorífico "Dom" ("Senhor" ou "Lorde") desde o nascimento. Ele foi neto do rei português Dom João VI e sobrinho de Dom Miguel I. Sua mãe foi a Arquiduquesa Maria Leopoldina da Áustria, filha de Francisco II, último monarca do Sacro Império Romano-Germânico. Pela sua mãe, Dom Pedro II era sobrinho de Napoleão Bonaparte e primo carnal dos Imperadores Napoleão II da França, Francisco José I de Áustria-Hungria e Dom Maximiliano I do México.

O único filho do sexo masculino legítimo de Dom Pedro I a sobreviver a infância, ele foi oficialmente reconhecido como herdeiro do trono brasileiro com o título de Príncipe Imperial em 6 de Agosto de 1826. A Imperatriz Maria Leopoldina morreu em 11 de dezembro de 1826, poucos dias após dar a luz a um menino natimorto, quando Pedro tinha um ano de idade. Pedro não guardou recordações de sua mãe, a não ser pelo o que depois foi contado a ele. A influência e lembrança de seu pai também apagou-se com o tempo, e não guardou fortes imagens de Dom Pedro I, mas apenas algumas poucas e vagas lembranças.

Dois anos e meio após a morte de Maria Leopoldina, o Imperador Dom Pedro I casou-se com Amélia de Leuchtenberg. O Príncipe Pedro passou pouco tempo com sua madrasta, no entanto, eles criaram um relacionamento afetuoso e mantiveram contato até a morte dela em 1873. O Imperador Dom Pedro I abdicou em 7 de Abril de 1831, após um longo conflito com a facção liberal, que por sua vez iria mais tarde dividir-se nos dois partidos dominantes na monarquia, os partidos Conservador e Liberal, dominante no parlamento. Dom Pedro I e Amélia partiram imediatamente para a Europa, onde Dom Pedro I iria lutar para restaurar sua filha Maria II, cujo trono em Portugal havia sido usurpado por seu irmão Miguel I. Deixado para trás, o Príncipe Imperial Pedro tornou-se "Dom Pedro II, Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil".

O Imperador Dom Pedro II aos 12 anos vestindo o uniforme imperial de gala (1838)
Educação

Ao deixar o país, o Imperador Dom Pedro I selecionou três pessoas para cuidarem de seu filho e das filhas remanescentes. A primeira foi José Bonifácio de Andrada e Silva, seu amigo e líder influente da independência brasileira, nomeado tutor. A segunda foi Mariana Carlota de Verna Magalhães Coutinho, depois Condessa de Belmonte, que detinha o cargo de aia desde o nascimento de Dom Pedro II. Quando bebê, Dom Pedro II a chamava de "dadama", pois não pronunciava corretamente a palavra "dama". Ele a considerava sua mãe de criação, e continuaria a chamá-la por afeto de "dadama" mesmo já adulto. A terceira pessoa escolhida foi Rafael, um veterano negro da Guerra da Cisplatina. Rafael era um empregado do paço pelo qual Dom Pedro I possuía uma profunda confiança e pediu para que olhasse por seu filho - um pedido no qual levaria a termo até o resto de sua vida.

José Bonifácio foi destituído de sua posição em dezembro de 1833 e substituído por outro tutor. Dom Pedro II passava os dias estudando, com apenas duas horas livres para recreação. Ele acordava as 06:30 da manhã e começava seus estudos as sete, continuando até as dez da noite, quando ia para cama. Um grande cuidado foi tomado em sua educação para incentivar valores e uma personalidade diferente da impulsividade e irresponsabilidade demonstradas pelo seu pai. Sua paixão por leitura o permitiu assimilar qualquer informação. Dom Pedro II não era um gênio, mas era inteligente e tinha grande capacidade para acumular conhecimento com facilidade.

O Imperador teve uma infância solitária e infeliz. A perda súbita de seus pais o assombraria por toda a vida. Ele teve poucos amigos de sua idade e o contato com suas irmãs era limitado. O ambiente em que foi criado o tornou uma pessoa tímida e carente que enxergava nos livros um refúgio e ao mesmo tempo uma fuga do mundo real.

A coroação de Dom Pedro II aos 15 anos de idade em 18 de julho de 1841
Coroação Antecipada

A elevação de Dom Pedro II ao trono imperial em 1831 levou a um período de crises, o mais conturbado da história do Brasil. Uma regência foi criada para governar em seu lugar até que atingisse a maioridade. Disputas entre facções políticas resultaram em diversas rebeliões e levaram a uma situação instável, quase anárquica, sob os regentes.

A possibilidade de diminuir a idade em que o jovem Imperador seria considerado maior de idade, ao invés de esperar até que completasse 18 anos de idade em 2 de dezembro de 1843, era levada em consideração desde 1835. A ideia era apoiada, de certa forma, pelos dois principais partidos políticos. Acreditava-se que aqueles que o auxiliassem a tomar as rédeas do poder estariam em posição para manipular o jovem inexperiente. Aqueles políticos que haviam surgido na década de 1830 haviam se tornado familiares aos perigos de governar.

De acordo com o historiador Roderick J. Barman, "eles haviam perdido toda a fé em sua habilidade para governar o país por si só. Eles aceitaram Dom Pedro II como uma figura de autoridade cuja presença era indispensável a sobrevivência do país". O povo brasileiro também apoiava a diminuição da maioridade, e consideravam Dom Pedro II "o símbolo vivo da união da pátria". Esta posição "deu a ele, aos olhos do público, uma autoridade maior do que a de qualquer regente".

Aqueles que defendiam a imediata declaração de maioridade de Dom Pedro II passaram uma moção requisitando ao Imperador que assumisse poderes plenos. Uma delegação foi enviada a São Cristóvão para perguntar se Dom Pedro II aceitaria ou rejeitaria a declaração antecipada de sua maioridade. Ele respondeu timidamente que "sim" quando perguntado se desejaria que a maioridade fosse diminuída  e "já" quando indagado se desejaria que viesse a ter efeito naquele momento ou preferiria esperar até o seu aniversário em dezembro.

No dia seguinte, em 23 de julho de 1840, a Assembléia Geral (o parlamento brasileiro) declarou formalmente Dom Pedro II maior aos 14 anos de idade. Lá, a tarde, o jovem Imperador prestou o juramento de ascensão. Foi aclamado, coroado e consagrado em 18 de julho de 1841.

Teresa Cristina esposa de Dom Pedro II, aos 24 anos de idade (1846)
Consolidação

Casamento

O fim da regência facciosa estabilizou o governo. Com um legítimo monarca no trono, a autoridade foi revestida numa única e clara voz. Dom Pedro II percebia o seu papel como o de um árbitro, mantendo seus conceitos pessoais de lado para não afetarem o seu dever de desemaranhar disputas políticas partidárias. O jovem monarca era dedicado, realizando inspeções diárias pessoais e visitas a repartições públicas. Seus súditos eram impressionados com a sua aparente auto-confiança, apesar de que sua timidez e falta de desenvoltura eram vistas como defeitos. Seu jeito reservado de falar apenas uma ou duas palavras a cada vez tornavam conversações diretas extremamente difíceis. Sua natureza taciturna era manifestação de uma prevenção quanto a relações próximas que tinha origem nas experiências de abandono, intriga e traição que vivenciou na infância.

Por trás das cenas, um grupo de servos palacianos de alto nível e notáveis políticos tornou-se conhecido como "Facção Áulica", e também "Clube da Joana", por estabelecerem influência sobre o jovem Imperador - e alguns eram de fato próximos, como Mariana de Verna.

Dom Pedro II foi usado com maestria pelos áulicos para eliminar seus inimigos, reais ou imaginários, através da remoção de seus rivais. Acesso a pessoa do monarca por políticos rivais e as informações que este recebia eram cuidadosamente controladas. Uma rodada contínua de negócios de governos, estudos, eventos e aparições pessoais, utilizadas como distrações, mantiveram o Imperador ocupado, isolando-o efetivamente e impedindo-o de perceber a extensão do quanto estava sendo explorado.

Preocupados com a taciturnidade e imaturidade do Imperador, os áulicos acreditavam que um casamento poderia melhorar o seu comportamento e sua personalidade. O governo do Reino das Duas Sicílias ofereceu a mão da Princesa Teresa Cristina. Um retrato foi enviado e este revelava uma jovem e bela mulher, o que levou Dom Pedro II a aceitar a proposta.

Eles foram casados por procuração em Nápoles em 30 de maio de 1843. A nova Imperatriz do Brasil desembarcou no Rio de Janeiro em 3 de setembro de 1843. Ao vê-la pessoalmente o Imperador aparentou estar claramente decepcionado. A pintura que havia recebido era claramente uma idealização. A Teresa Cristina real era baixa, um pouco acima do peso, coxa e apesar de não ser feia, também não era bonita. Ele fez pouco para esconder sua desilusão. Um observador afirmou que ele deu às costas a Teresa Cristina, outro disse que ele estava tão chocado que precisou sentar, e é possível que ambos tenham ocorrido. Naquela noite Dom Pedro II chorou e reclamou para Mariana de Verna, "Eles me enganaram, Dadama!". Foram necessárias horas para convencê-lo de que o dever exigia que ele seguisse em frente com o matrimônio. Uma celebração nupcial, com a ratificação dos votos tomados por procuração e o conferimento de uma benção nupcial, ocorreu no dia seguinte, 4 de setembro.


Estabelecimento da Autoridade Imperial

Por volta de 1846 Dom Pedro II já havia amadurecido fisica e mentalmente. Ele não era mais o jovem inseguro de 14 anos idade que se permitia levar por boatos, por sugestões de complôs secretos, e outras táticas manipuladoras. Ele cresceu num homem, que com 1, 90 m de altura, olhos azuis e cabelos loiros, era descrito como belo. Com seu crescimento, suas fraquezas desapareceram e suas qualidades de caráter vieram a tona. Ele aprendeu não só a ser imparcial e dedicado, mas também cortês, paciente e sensato. A medida que ele começou a exercer por completo sua autoridade, suas novas habilidades sociais e dedicação no governo contribuíram grandemente para sua eficiência imagem pública. O historiador Roderick J. Barman o descreveu: "Ele mantinha suas emoções sob disciplina férrea. Ele nunca era rude e nunca perdia a cabeça. Ele era excepcionalmente discreto com as palavras e cauteloso na forma de agir".

No fim de 1845 e no início de 1846 o Imperador realizou uma viagem pelas províncias mais ao sul do Brasil, passando por São Paulo, do qual o atual Paraná então fazia parte, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Ele ficou surpreso pela recepção entusiástica e calorosa que recebeu em todas as províncias. Este sucesso o encorajou  pela primeira vez na vida, a agir de forma confiante por iniciativa e juízos próprios. Mais importante, este período viu o fim da Facção Áulica. Dom Pedro II eliminou com sucesso toda e qualquer influência que os áulicos detinham ao removê-los de seu círculo íntimo ao mesmo tempo em que evitava uma perturbação pública.

Dom Pedro II enfrentou três graves crises entre 1848 e 1852. O primeiro teste veio como a confrontação ao tráfico ilegal de escravos provenientes do continente africano. Este havia sido legalmente extinto como parte de um tratado com a Grã-Bretanha. O tráfico permaneceu inalterado, no entanto, e o parlamento britânico promulgou o Bill Aberdeen em 1845, autorizando navios de guerra britânicos de abordarem navios de carga brasileiros e apreender os que estivessem envolvidos no tráfico. Enquanto o Brasil se encontrava preso a este problema, a Revolta Praieira eclodiu em 6 de novembro de 1848. Se tratou de um conflito entre facções políticas locais na província de Pernambuco, e foi suprimida em março de 1849. A Lei Eusébio de Queirós foi promulgada em 4 de setembro de 1850, provendo ao governo brasileiro autoridade ampla para combater o tráfico ilegal de escravos. Com esta nova ferramenta, o Brasil passou a eliminar a importação de escravos. Por volta de 1852 esta primeira crise estava eliminada, com a Grã-Bretanha reconhecendo que o tráfico havia sido suprimido.

A terceira crise envolveu um conflito com a Confederação Argentina relacionado a ascendência sobre os territórios ao redor do Rio da Prata e da livre navegação de seus afluentes. Desde a década de 1830 que o ditador argentino Dom Juan Manuel de Rosas apoiava rebeliões dentro do Uruguai e do Brasil. Somente em 1850 que foi possível ao Brasil reagir a ameaça que representava Rosas. Uma aliança foi forjada entre o Brasil, Uruguai e províncias rebeldes argentinas, levando a Guerra do Prata e a consequente queda do governante argentino em fevereiro de 1852. Nas palavras do historiador Roderick J. Barman, " uma porção considerável do crédito deve ser... assinalado ao Imperador, cuja cabeça fria, tenacidade em seu propósito, e um senso do que era possível se revelaram indispensáveis".

O sucesso do Império em sua atuação nas três crises aumentou consideravelmente a estabilidade e prestígio da nação, e o Brasil emergiu como um poder no hemisfério. Internacionalmente, os europeus começaram a enxergar o país como personificador de ideais liberais familiares, como liberdade de imprensa e respeito constitucional a liberdades civis. Sua monarquia parlamentarista representativa se firmava em grave contraste a mistura de ditaduras e instabilidade endêmica as demais nações da América do Sul durante este período.


Crescimento

Dom Pedro II e a Política

Dom Pedro II, aos 20 anos de idade (1846)
No início da década de 1850, o Brasil gozava de estabilidade interna e de prosperidade econômica. A nação estava sendo ligada de um ponto a outro através de linhas férreas, telegráficas e de navios a vapor, unindo-a em uma única entidade. Na opinião pública em geral, tanto doméstica quanto externa, esses feitos eram possíveis devido a duas razões: "ao seu governo como uma monarquia e pela personalidade de Dom Pedro II".

Dom Pedro II não era nem uma figura ornamental como os monarcas da Grã-Bretanha e nem um autocrata à maneira dos czares russos. O Imperador exercia poder através da cooperação com políticos eleitos, interesses econômicos e apoio popular. Esta interdependência e interação fizeram muito para influenciar a direção do reinado de Dom Pedro II. Os mais notáveis sucessos políticos do Imperador foram alcançados devido a maneira cooperativa e de não-confrontação no qual ele agia quanto a interdependência e interação com interesses diversos e com as figuras partidárias nos quais ele tinha que lidar. Ele era impressionantemente tolerante, raramente se ofendendo com críticas, oposição, ou mesmo incompetência. Ele era cuidadoso em nomear somente candidatos altamente qualificados para posições no governo, e buscava coibir a corrupção. Ele não tinha autoridade constitucional para forçar a aceitação as suas iniciativas sem o devido apoio, e sua maneira colaboradora quanto a governar manteve a nação progredindo e permitiu ao sistema político funcionar com sucesso.

As incertezas de sua infância e a exploração sofrida nas mãos de outros durante a sua juventude fizeram com que o Imperador se determinasse a manter um controle sobre seu próprio destino. Em sua visão, para atingir a auto-determinação seria necessário obter poder necessário e mantê-lo. Ele usava sua ativa e essencial participação no direcionamento do governo como meios de influência. Sua direção se tornou indispensável, apesar de que nunca resultou em um "governo de um homem só". O Imperador respeitava as prerrogativas da legislatura  mesmo quando os políticos resistiam, postergavam ou frustravam seus objetivos e nominações.

O sistema político nacional brasileiro assemelhava-se ao de outras nações parlamentaristas. O Imperador, como Chefe de Estado, pediria a um membro do Partido Conservador ou do Partido Liberal para formar um gabinete. O outro partido formaria a oposição na legislatura, como contrapeso ao novo governo. "Em seu manejo dos dois partidos, ele tinha que manter uma reputação de imparcialidade, trabalhar de acordo com a vontade popular, e evitar qualquer imposição flagrante de sua vontade na cena política".

A presença ativa de Dom Pedro II na cena política era parte importante da estrutura do governo, que também incluía o gabinete de ministros, a Câmara dos Deputados e o Senado (os últimos dois formavam a Assembléia Geral ou Parlamento). A maior parte dos políticos apreciavam e apoiavam o papel do Imperador. Muitos haviam vivido durante o período regencial, quando a falta de um monarca que poderia manter-se acima de interesses mesquinhos e próprios levou a anos de luta entre facções políticas. Suas experiências com a vida pública criaram neles a convicção de que o Imperador era "indispensável para paz e prosperidade permanente do Brasil".

Dom Pedro II por volta dos 22 anos de idade (1848)
Esta é uma cópia posterior de um 
daguerreótipo presumivelmente perdido.
É a fotografia sobrevivente mais antiga do Imperador
Vida Doméstica

O casamento de Dom Pedro II e Teresa Cristina começou mal. Com maturidade, paciência, e o nascimento de seu primeiro filho, Afonso, o relacionamento melhorou. Mais tarde Teresa Cristina teve outros três filhos: Isabel (1846), Leopoldina (1847) e por último, Pedro (1848). Contudo, Afonso e Pedro morreram na infância, o que devastou o Imperador. Além de sofrer como pai, sua visão do futuro do Império mudou completamente. Apesar de sua afeição por suas filhas, ele não acreditava que a Princesa Isabel, apesar de sua herdeira, teria qualquer chance real de prosperar no trono. Ele acreditava que o seu sucessor precisava ser um homem para que a monarquia fosse viável. Ele passou cada vez mais a enxergar o sistema imperial como inexoravelmente preso a si, que não sobreviveria a sua morte. Isabel e sua irmã receberam uma educação excepcional, apesar de não terem sido preparadas para governar sobre a nação. Dom Pedro II excluía deliberadamente Isabel da participação nos negócios e decisões de governo.

Por volta de 1850, Dom Pedro II começou a ter casos discretos com outras mulheres. A mais famosa e duradoura dessas relações envolveu Luísa Margarida de Barros Portugal, Condessa de Barral, com quem ele formou uma relação de amizade romântica e íntima, mas não adúltera, depois que a nomeou aia de suas filhas em novembro de 1856.

Por toda a sua vida, o Imperador manteve a esperança de encontrar a sua alma gêmea, algo que ele sentia ter sido roubado de si ao ser obrigado a casar por razões de Estado com uma mulher pelo qual ele nunca teve paixão. Isto é apenas um dos exemplos que ilustram a dupla personalidade do Imperador: uma que era Dom Pedro II, que levava com afinco o seu dever no papel de Imperador que o destino havia lhe imposto, e outra que era Pedro de Alcântara, que considerava o cargo imperial um fardo ingrato e que estava mais feliz nos mundos da literatura e da ciência.

Dom Pedro II era o que atualmente se considera um trabalhador compulsivo, e sua rotina era exigente. Ele normalmente acordava as sete da manhã e não dormia antes das duas da madrugada do dia seguinte. Seu dia inteiro era reservado aos negócios de Estado e o pouco tempo livre disponível era gasto lendo e estudando. O Imperador vestia diariamente uma simples casaca, calça e gravata pretas. Para ocasiões especiais ele usava o uniforme de gala e só aparecia vestido com o manto imperial e portando a coroa e cetro duas vezes ao ano, na abertura e encerramento da Assembléia Geral.

Dom Pedro II obrigava políticos e funcionários públicos a seguirem seus exemplos de padrões exigentes. O Imperador exigia que os políticos trabalhassem oito horas por dia e adotou uma política exigente de seleção de funcionários públicos baseada na moralidade e mérito. Para estabelecer o padrão, ele vivia de forma simples. Bailes e eventos de corte cessaram após 1852. Ele também recusou as reiteradas propostas para aumentarem o valor de sua lista civil (Rs 800:000$000 por ano, ou cerca de $405,000 ou £90,000 em 1840) desde 1840, quando representava 3% dos gastos públicos, até 1889, quando havia caído para 0,5%. Ele recusava luxo, uma vez explicando: "Também entendo que despesa inútil é furto a Nação".

Patrono das Artes e das Ciências

Dom Pedro II por volta do 61 anos (1887)
"Nasci para consagrar-me às letras e às ciências ", o Imperador comentou em seu diário pessoal em 1862. Ele sempre teve prazer em ler e encontrou nos livros um refúgio para a sua posição. Sua habilidade para relembrar trechos que havia lido no passado era notável. Os interesses de Dom Pedro II eram diversos, e incluíam antropologia, geografia, geologia, medicina, direito, estudos religiosos, filosofia, pintura, escultura, teatro, música, química, poesia e tecnologia. No final de seu reinado, havia três livrarias em São Cristóvão contendo mais de 60.000 livros. Sua paixão por linguística o levou por toda a vida a estudar novas línguas, e ele era capaz de falar e escrever não somente em português, mas também em latim, francês, alemão, inglês, italiano, espanhol, grego, árabe, hebraico, sânscrito, chinês, provençal e tupi. Tornou-se o primeiro brasileiro fotógrafo quando adquiriu uma câmera de daguerreótipo em março de 1840. Criou um laboratório fotográfico em São Cristóvão e outro de química e física. Ele também construiu um observatório astronômico no paço.

A erudição do Imperador surpreendeu Friedrich Nietzsche quando ambos se conheceram. Victor Hugo falou dele: "Senhor, és um grande cidadão, és o neto de Marco Aurélio", e Alexandre Herculano o chamou de um "príncipe cuja opinião geral o considera como o primeiro de sua era graças à sua mente dotada, e devido à sua constante aplicação desse dom para as ciências e cultura".

Dom Pedro II tornou-se membro da Royal Society, da Academia de Ciências da Rússia, das Reais Academias de Ciências e Artes da Bélgica e da Sociedade Geográfica Americana. Em 1875 foi eleito membro da Académie des Sciences francesa, uma honra dada anteriormente a somente dois outros chefes de estado: Pedro, o Grande e Napoleão Bonaparte.

Dom Pedro II trocou cartas com cientistas, filósofos, músicos e outros intelectuais. Muitos de seus correspondentes se tornaram seus amigos, incluindo Richard Wagner, Louis Pasteur, Louis Agassiz, John Greenleaf Whittier, Michel Eugène Chevreul, Alexander Graham Bell, Henry Wadsworth Longfellow, Arthur de Gobineau, Frédéric Mistral, Alessandro Manzoni, Alexandre Herculano, Camilo Castelo Branco e James Cooley Fletcher.

Dom Pedro II cedo percebeu que tinha a oportunidade para utilizar seu conhecimento que havia acumulado em uso prático para o benefício do Brasil. O Imperador considerava a educação como de importância nacional e era ele mesmo um exemplo do valor do aprendizado. Ele comentou: "Se eu não fosse Imperador, eu gostaria de ser um professor. Eu não conheço tarefa mais nobre do que direcionar as jovens mentes e preparar os homens de amanhã."

A educação também colaborou no seu objetivo de criar um sentimento de identidade nacional brasileira. Seu reino viu a criação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro para promover pesquisa e preservação nas ciências históricas, geográficas, culturais e sociais. A Imperial Academia de Música e Ópera Nacional e o Colégio Pedro II também foram fundados, o último servindo como modelo para escolas por todo o Brasil.

A Imperial Escola de Belas Artes, estabelecida por seu pai, recebeu maior apoio e fortalecimento. Utilizando sua lista civil, Dom Pedro II providenciou bolsas de estudo para brasileiros frequentarem universidades, escolas de arte e conservatórios musicais na Europa. Ele também financiou a criação do Instituto Pasteur, assim como a casa de ópera Bayreuth Festspielhaus de Wagner, além de outros projetos semelhantes. Seus esforços foram reconhecidos tanto em casa quanto no exterior. Charles Darwin falou dele: "O Imperador faz tanto pela ciência, que todo sábio é obrigado a demonstrar a ele o mais completo respeito."

Popularidade e Conflito Com a Grã-Bretanha

No fim de 1859, Dom Pedro II partiu em viagem as províncias ao norte da capital, visitando Espírito Santo, Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco e Paraíba. Após quatro meses ele retornou, em fevereiro de 1860. A viagem foi um grande sucesso, com o Imperador sendo alegre e calorosamente recepcionado em todos os lugares.

A primeira metade dos anos 1860 viu-se paz e prosperidade no Brasil. Liberdades civis foram mantidas. Liberdade de expressão existia desde a independência do Brasil e continuou a ser defendida com veemência por Dom Pedro II. O Imperador encontrou em jornais da capital e das províncias uma forma ideal de manter conhecimento da opinião pública e da situação em geral da nação. Outra maneira de monitorar o Império foi através de contato direto com seus súditos. Uma oportunidade para isto era durante as audiências públicas regulares nas terças e sábados, onde qualquer pessoa de qualquer classe social, inclusive escravos, poderiam ser admitidos e apresentar suas petições e estórias. Visitas a escolas, colégios, prisões, exibições, fábricas, quartéis, e outras aparições públicas apresentavam mais oportunidades a ele de reunir informação em primeira mão.

A tranquilidade desapareceu quando o cônsul britânico no Rio de Janeiro, William Dougal Christie, quase iniciou uma guerra entre sua nação e o Brasil. Christie, que acreditava na diplomacia das canhoneiras, enviou um ultimato contendo exigências abusivas provenientes de dois incidentes menores ocorridos no fim de 1861 e começo de 1862. O primeiro foi o naufrágio de uma barca comercial na costa do Rio Grande do Sul que resultou no saque de sua carga pela população local. O segundo foi a prisão de dois oficiais britânicos embriagados que causavam distúrbios nas ruas do Rio de Janeiro.

O governo brasileiro se recusou a ceder, e Christie enviou ordens para que navios de guerra britânicos capturassem embarcações mercantes brasileiras como indenização. A Marinha do Brasil foi preparada para o conflito iminente, foi ordenada a compra de artilharia costeira, assim como de encouraçados e as defesas nas costas tiveram permissão para atirar contra qualquer navio de guerra britânico que tentasse capturar embarcações mercantes brasileiras. Dom Pedro II foi a maior razão da resistência do Brasil, ele rejeitou qualquer sugestão para que o país cedesse. A resposta veio como surpresa para Christie, que mudou seu tom e propôs um acordo pacífico através de arbitragem internacional. O governo brasileiro apresentou suas demandas e, ao ver a recusa do governo britânico, cortou relações diplomáticas com a Grã-Bretanha em junho de 1863.

Guerra do Paraguai

Primeiro Voluntário da Pátria

Com a ameaça de guerra com a Grã-Bretanha, o Brasil teve que dirigir suas atenções para suas fronteiras ao sul. Outra guerra civil havia começado no Uruguai jogando seus dois partidos políticos um contra o outro. O conflito interno levou ao assassinato de brasileiros e ao saque de suas propriedades no Uruguai. O governo brasileiro decidiu intervir, temeroso de aparentar fraqueza frente a possibilidade de conflito com os britânicos. Um exército brasileiro invadiu o Uruguai em dezembro de 1864, iniciando a breve Guerra do Uruguai, que terminou em 20 de fevereiro de 1865.

Enquanto isso, em dezembro de 1864 o ditador do Paraguai, Francisco Solano López se aproveitou da situação para estabelecer seu país como poder regional. O exército paraguaio invadiu a província brasileira do Mato Grosso, atual estado do Mato Grosso do Sul, resultando na Guerra do Paraguai. Quatro meses depois, tropas paraguaias invadiram território argentino como um prelúdio de uma invasão à província brasileira do Rio Grande do Sul.

A par da anarquia reinante no Rio Grande do Sul e da incapacidade e incompetência de seus chefes militares em resistirem ao exército paraguaio, Dom Pedro II decidiu ir à frente de batalha pessoalmente. Tanto o gabinete quanto a Assembleia Geral se recusaram a aquiescer ao desejo do Imperador. Após receber também a recusa do Conselho de Estado, Dom Pedro II fez o seu memorável pronunciamento: "Se os políticos podem me impedir que siga como imperador, vou abdicar e seguir como voluntário da Pátria" - uma alusão aos brasileiros que se voluntariaram para ir a guerra e que ficaram conhecidos por toda a nação como "Voluntários da Pátria". O próprio monarca foi chamado popularmente de "Voluntário Número Um".

Dom Pedro II partiu para o sul em julho de 1865. Ele desembarcou no Rio Grande do Sul poucos dias depois e seguiu de lá por terra. A jornada foi realizada montada a cavalo e por carretas, e à noite o imperador dormia em tenda de campanha. Dom Pedro II alcançou Uruguaiana, uma cidade brasileira ocupada pelo exército paraguaio, em 11 de setembro. Quando de sua chegada, a força paraguaia já se encontrava cercada.

O Imperador cavalgou a uma distância de um tiro de rifle de Uruguaiana para demonstrar sua coragem, mas os paraguaios não o atacaram. Para evitar mais derramamento de sangue, ele ofereceu os termos de rendição ao comandante paraguaio, que os aceitou. A coordenação das operações militares por Dom Pedro II e seu exemplo pessoal teve um papel decisivo na repulsa à invasão paraguaia do território brasileiro. Havia uma crença generalizada de que a guerra estava próxima de seu fim e que a rendição de Francisco Solano López era iminente. Antes de partir de Uruguaiana, ele recebeu o embaixador britânico Edward Thornton, que se desculpou publicamente em nome da Rainha Vitória e do governo britânico pela crise entre os dois Impérios. O Imperador considerou suficiente esta vitória diplomática sobre a mais poderosa nação do mundo e reatou relações amistosas entre as duas nações. Ele retornou ao Rio de Janeiro e foi recebido com enormes celebrações.

Conclusão da Guerra

Contra todas as expectativas, a guerra prosseguiu por cinco anos. Durante este período, o tempo e a energia de Dom Pedro II foram dedicados ao conflito. Ele se ocupou no recrutamento e equipamento de tropas para reforçar as linhas de frente de batalha, e na construção de novos navios de guerra. Ao mesmo tempo procurou impedir que querelas entre os partidos políticos prejudicassem o esforço de guerra. Sua recusa em aceitar qualquer resultado que não a total vitória sobre o inimigo foi essencial para o resultado final da guerra. Sua tenacidade foi recompensada com a notícia de que Francisco Solano López morrera em batalha em 1 de março de 1870, levando ao fim do conflito bélico.

Mais de 50 mil soldados brasileiros morreram e os custos da guerra foram equivalentes a onze vezes a receita anual do governo. No entanto, o país se encontrava tão próspero que o governo pôde quitar o débito em apenas dez anos. O conflito foi um estímulo para a produção e para o crescimento econômico nacional. Dom Pedro II recusou a proposta da Assembléia Geral de erguer uma estátua equestre sua para comemorar a vitória e ao invés preferiu utilizar o dinheiro necessário para construir escolas de ensino primário.

Apogeu

Um Abolicionista no Trono

Dom Pedro II por volta dos 25 anos de idade (1851)
A vitória diplomática sobre o Império Britânico e a vitória militar sobre o Uruguai em 1865, seguida da bem-sucedida conclusão da guerra com o Paraguai em 1870, resultou no que foi chamado de "Era Dourada" e apogeu do Império brasileiro. A década de 1870 foram bons anos para o Brasil e a popularidade do imperador era maior do que nunca. Progressos foram feitos tanto na esfera política quanto na social e todos os segmentos da sociedade foram beneficiados com as reformas e pela prosperidade nacional crescente. A reputação internacional do Brasil melhorou consideravelmente graças a sua estabilidade política e potencial de investimento. O império era visto como uma nação moderna e progressiva sem equivalente nas Américas, com a única exceção dos Estados Unidos. A economia começou rapidamente a crescer e a imigração floresceu. Estradas de ferro, navegação e outros projetos de modernização foram adotados. Com "a escravidão fadada à extinção e outras reformas projetadas, as perspectivas de 'avanços morais e materiais' pareciam vastas".

Em 1870, poucos brasileiros eram contrários à escravidão, e ainda menos brasileiros opunham-se publicamente à ela. Dom Pedro II era um dos poucos que o faziam, considerando a escravidão "uma vergonha nacional". O imperador nunca possuiu escravos.

Em 1823, escravos formavam 29% da população brasileira, mas essa porcentagem caiu para 15,2% em 1872. A abolição da escravatura era um assunto delicado no Brasil. Escravos eram usados por todos, do mais rico ao mais pobre. Dom Pedro II desejava por fim à escravidão gradualmente para pouco impactar a economia nacional. Ele conscientemente ignorava o crescente prejuízo político à sua imagem e à monarquia em consequência de seu suporte à escravidão.

O imperador não tinha autoridade constitucional para diretamente intervir e por um fim na escravidão. Ele precisaria usar todas seus esforços para convencer, influenciar e ganhar suporte entre os políticos para atingir sua meta. Seu primeiro movimento público contra a escravidão ocorreu em 1850, quando ele ameaçou abdicar a menos que a Assembléia Geral declarasse o tráfico negreiro no Atlântico ilegal.

Após a fonte estrangeira do fornecimento de novos escravos ter sido eliminada, Dom Pedro II dedicou sua atenção no começo dos anos 1860 em remover a fonte restante: a escravidão de crianças nascidas como escravos. Legislação foi feita através de sua iniciativa, mas o conflito com o Paraguai atrasou a discussão da proposta na Assembléia Geral.

Dom Pedro II abertamente pediu a gradual erradicação da escravidão em 1867. Ele foi pesadamente criticado, e seu movimento foi condenado como "suicídio nacional". Opositores frequentemente diziam que "a abolição era seu desejo pessoal e não o desejo da nação". Por fim, foi decretada a lei Lei do Ventre Livre em 28 de setembro de 1871, sob a qual todas crianças nascidas de mulheres escravas após aquela data eram consideradas livres.

As crianças remanescentes de Dom Pedro II em 1855
Princesas Leopoldina e Isabel (sentada)
Viagem a Europa e Norte da África

Em 25 de maio de 1871 o imperador e sua esposa viajaram à Europa. Ele há tempo ansiava por férias no exterior. Quando chegou a notícia de que sua filha mais nova, a princesa Leopoldina, então com 23 anos, havia morrido de tifo em Viena, ele finalmente encontrou um motivo forte para partir. Ao chegar em Lisboa, imediatamente dirigiu-se ao Palácio das Janelas Verdes, onde encontrou-se com sua madrasta, Amélia de Leuchtenberg, que não via há quarenta anos. O encontro foi emocionante e Dom Pedro II escreveu no seu diário:

"Eu chorei de felicidade e também de dor por ver minha mãe tão afetuosa para comigo, mas também por vê-la tão idosa e doente"

Em seguida ele visitou a Espanha, a Grã-Bretanha, a Bélgica, a Alemanha, Áustria, Itália, Egito, Grécia, Suíça e França. Em Coburgo visitou a tumba de sua filha. Sua impressão sobre a viagem foi de um tempo de "alívio e liberdade". Viajando com o nome de Dom Pedro de Alcântara, insistia em ser tratado informalmente e em parar apenas em hotéis. Passava seus dias em passeios e encontrando com cientistas e outros intelectuais com quem partilhava interesses. A viagem foi um sucesso, e suas maneiras nobres e curiosidade valeram-lhe notícias respeitosas nas nações que visitou. Este prestígio aumentou quando chegaram à Europa as notícias sobre a aprovação da Lei do Ventre Livre. Ele e sua comitiva voltaram em triunfo ao Brasil em 31 de março de 1872.

A Questão Religiosa

Dom Pedro II aos 39 anos de idade (1865)
Logo após sua chegada Dom Pedro II enfrentou uma crise inesperada, a chamada "Questão Religiosa". No Brasil vigorava o regime de união entre Igreja e Estado, o padroado, significando que o governo exercia controle sobre vários aspectos da vida religiosa nacional, nomeando padres e bispos para suas designações e pagando-lhes salário. Reservava-se também o direito de aprovar ou não as determinações canônicas da Santa Sé. Na mesma época, sob influência da corrente ultramontana do catolicismo, conservadora e ortodoxa, a qual reivindicava a supremacia absoluta da Igreja em todos os assuntos, os bispos de Olinda e do Pará interditaram irmandades sob sua jurisdição alegando que entre seus membros havia maçons, uma vez que a maçonaria era condenada pela Igreja. Entretanto, legalmente a maçonaria era autorizada a funcionar no Brasil. Haviam inclusive inúmeros padres maçons, pois no país havia uma forte tendência liberal.

O governo tentou fazer com que os bispos obedecessem às leis em vigor, mas ambos recusaram, alegando fidelidade às orientações ultramontanas. Os bispos acabaram presos e condenados a trabalhos forçados em 1874. Pouco depois a sentença foi comutada em prisão simples.

O Imperador era católico, mas aceitava algumas ideias liberais, como a liberdade de pensamento e a teoria da evolução. Nem ele nem a Igreja desejavam um rompimento, mas o governo não poderia tolerar uma desobediência explícita à lei. A questão religiosa desencadeou uma grande polêmica, que nem a anistia dos bispos em 1875 aplacou, vindo a enfraquecer a posição do governo.

Dom Pedro II (sentado, à direita) nas cataratas do Niágara (1876)
Viagem aos EUA, Europa e Oriente Médio

Mais uma vez o Imperador viajou para o exterior, desta vez indo aos Estados Unidos. Ele foi acompanhado por seu leal criado Rafael, que o criou na infância. Dom Pedro II chegou à Nova York em 15 de abril de 1876, e de lá viajou pelo interior do país, indo até São Francisco no oeste, Nova Orleans no sul, Washington, D.C., no noroeste, e Toronto, Canadá. Sua viagem foi um "triunfo completo", tendo Dom Pedro II causado uma profunda impressão no povo americano por sua simplicidade e gentileza. Depois atravessou o Atlântico, onde visitou a Dinamarca, Suécia, Finlândia, Rússia, o Império Otomano e a Grécia. Em sequência foi para a Terra Santa, Egito, Itália, Áustria, Alemanha, França, Grã-Bretanha, Países Baixos, Suíça e Portugal. Ele voltou ao Brasil em 22 de setembro de 1877.

As viagens de Dom Pedro II ao exterior causaram um profundo impacto psicológico. Enquanto viajava, ele estava praticamente livre das restrições impostas pelo seu cargo. Sob o pseudônimo Pedro de Alcântara, ele aproveitava a satisfação de se mover como uma pessoa comum, até mesmo viajando por trem apenas com sua esposa. Apenas quando viajava para fora era que o Imperador podia se desvincilhar das formalidades e exigências da vida que conhecia no Brasil. Se tornou mais difícil se readaptar às suas rotinas como Chefe de Estado ao retornar. Com a morte prematura de seus filhos do sexo masculino, a fé do Imperador no futuro da monarquia se evaporara. Suas viagens para o exterior agora o tornaram ressentido do peso que o destino colocara em seus ombros quando era apenas uma criança de cinco anos de idade. Se antes ele não tinha interesse em assegurar o trono para a próxima geração, agora ele não tinha interesse sequer em mantê-lo em seu tempo de vida.

Dom Pedro II vestido com o uniforme de almirante aos 44 anos de idade.
Os anos de guerra envelheceram prematuramente o Imperador
Declínio e Queda

Na década de 1880 o Brasil continuou a prosperar e a diversidade social aumentou notavelmente, testemunhando inclusive o primeiro movimento pelos direitos da mulher. Por outro lado, as cartas que Dom Pedro II escreveu neste período revelam um homem cansado do mundo, cada vez mais alienado e pessimista. Ele permanecia fiel às suas obrigações como Chefe de Estado e era meticuloso em seu cumprimento, apesar de frequentemente sem entusiasmo. Por causa do crescente "indiferentismo do Imperador pela sorte do destino do regime" e por sua falta de atitude em defesa do sistema imperial quando ele começou a ser questionado, historiadores têm atribuído a "principal, talvez única, responsabilidade" pela queda da monarquia à Dom Pedro II.

Após a sua experiência com os perigos e obstáculos de governo, as figuras políticas que surgiram na década de 1830 olharam para o Imperador como provedor de uma fonte fundamental de autoridade essencial tanto para governar quanto para a sobrevivência nacional. Estes velhos estadistas morreram ou se retiraram da vida pública até que, nos anos 1880, eles haviam sido quase todos substituídos por uma geração mais nova de políticos que não haviam experienciado os primeiros anos do reinado de Dom Pedro II, quando perigos internos e externos ameaçaram a existência da nação. Eles haviam apenas conhecido uma administração estável e prosperidade. Em grande contraste com aqueles da era anterior, a nova geração não via razão para manter e defender a instituição imperial como força benéfica unificadora para a nação. O papel de Dom Pedro II em atingir uma era de unidade nacional, estabilidade e bom governo eram agora ignorados e desconsiderados pelas elites dirigentes. Por seu sucesso, o Imperador havia tornado sua posição desnecessária.

A falta de um herdeiro que pudesse prover de forma possível uma nova direção para a nação também diminuiu as perspectivas a longo termo para a continuação da monarquia brasileira. O Imperador amava sua filha Isabel, mas ele considerava a ideia de uma sucessora feminina como contrária ao papel requerido de um governante do Brasil. Ele enxergava a morte de seus dois filhos como um sinal de que o Império estava destinado a ser suplantado. A resistência a aceitar uma mulher governante também era compartilhada pela classe política. Apesar da Constituição permitir a sucessão feminina ao trono, o Brasil ainda era um país bastante tradicional, e apenas um sucessor masculino era percebido como capaz de ser um Chefe de Estado.

O republicanismo era um credo elitista que nunca floresceu no Brasil, e que tinha pouco apoio nas províncias. Mas uma ameaça séria à monarquia foi a combinação de ideias republicanas e a disseminação do positivismo entre os oficiais de baixa e média patente no exército, o que levou a indisciplina nas tropas. Eles sonhavam com uma república ditatorial que acreditavam ser superior a monarquia democrática liberal.

Dom Pedro II em 1887, com 61 anos.
Um imperador cansado de sua coroa e resignado quanto ao fim da monarquia.
A Abolição da Escravatura e o Golpe de Estado Republicano

A saúde do Imperador declinava consideravelmente, e seus médicos sugeriram que ele buscasse tratamento na Europa. Ele partiu em 30 de junho de 1887. Em Milão ele passou duas semanas entre a vida e a morte, recebendo até mesmo a extrema unção. Em 22 de maio de 1888, ainda na cama se recuperando, recebeu a notícia de que a escravidão havia sido abolida no Brasil. Deitado na cama, com uma voz fraca e lágrimas nos olhos, ele disse: "Grande povo! Grande povo!".

Dom Pedro II retornou ao Brasil e desembarcou no Rio de Janeiro em 22 de agosto de 1888. O "país inteiro o recebeu com um entusiasmo jamais visto. Da capital, das províncias, de todos os lugares, chegaram provas de afeição e veneração." Com a devoção expressada pelos brasileiros com o retorno do Imperador e da Imperatriz da Europa, a monarquia aparentava gozar de apoio inabalável e parecia estar no ápice de sua popularidade.

A nação brasileira desfrutava de grande prestígio no exterior durante os anos finais do Império, e havia se tornado um poder emergente no cenário internacional. Previsões de perturbações na economia e na mão-de-obra causadas pela abolição da escravatura não se realizaram e a colheita de café de 1888 foi bem-sucedida. Contudo, o fim da escravidão desencadeou em uma transferência explícita do apoio ao republicanismo pelos grandes fazendeiros de café. Detentores de grande poder político, econômico e social no país, os fazendeiros apreciaram a abolição como confisco de propriedade privada. Para evitar uma reação republicana, o governo aproveitou o crédito fácil disponível no Brasil como resultado de sua prosperidade. Ele disponibilizou grandes empréstimos a juros baixos aos cafeicultores e distribuiu fartamente títulos de nobreza e outras honrarias a figuras políticas influentes que haviam se tornado descontentes. O governo também tomou medidas indiretas para administrar a crise com os militares revivendo a moribunda Guarda Nacional, que então existia praticamente apenas no papel.

As medidas tomadas pelo governo alarmaram os republicanos civis e os militares positivistas. Estes entenderam as ações do governo como uma ameaça aos seus propósitos, o que os incitou à reação. A reorganização da Guarda Nacional foi iniciada pelo gabinete em agosto de 1889, e a criação de uma força rival levou os dissidentes no corpo de oficiais do exército a cogitarem atos extremos. Para ambos os grupos, republicanos e militares dissidentes, haviam se tornado um caso de "agora ou nunca". Apesar de não haver desejo entre a maior parte da população brasileira para uma mudança na forma de governo, os republicanos civis passaram a pressionar os oficiais civis a derrubar a monarquia.

Os positivistas realizaram um golpe de Estado em 15 de novembro de 1889 e instituíram uma república. As poucas pessoas que presenciaram o acontecimento não perceberam que se tratava de uma rebelião. A historiadora Lídia Besouchet afirmou que "raramente uma revolução havia sido tão minoritária".

Durante todo o processo, Dom Pedro II não demonstrou qualquer emoção, como se não se importasse com o desenlace. Ele rejeitou todas as sugestões para debelar a rebelião feitas por políticos e militares. Quando soube da notícia de sua deposição, simplesmente comentou: "Se assim é, será minha aposentadoria. Trabalhei demais e estou cansado. Agora vou descansar". Ele e sua família foram mandados para o exílio na Europa, partindo em 17 de novembro.

A última fotografia da família imperial no Brasil (1889)
Exílio e Legado

Últimos Anos

Houve resistência monarquista significante após a queda do Império, o qual foi sempre reprimida. Distúrbios contra o golpe ocorreram, assim como batalhas renhidas entre tropas monarquistas do Exército contra milícias republicanas. O novo regime suprimiu com rápida brutalidade e total desdenho por todas as liberdades civis quaisquer tentativas de criar um partido monarquista ou de publicar jornais monarquistas.

A Imperatriz Teresa Cristina faleceu poucos dias após a sua chegada à Europa e Isabel e sua família se mudaram para outro lugar enquanto seu pai se estabeleceu em Paris. Seus últimos dois anos de vida foram solitários e melancólicos, vivendo em hotéis modestos com quase nenhum recurso e escrevendo em seu diário sobre sonhos em que lhe era permitido retornar ao Brasil.

Certo dia realizou um longo passeio pelo rio Sena em carruagem aberta, apesar da temperatura extremamente baixa. Ao retornar para o Hotel Bedford à noite, sentiu-se resfriado. A doença evoluiu nos dias seguintes até tornar-se uma pneumonia. O estado de saúde de Dom Pedro II rapidamente piorou até a sua morte às 00:35 hs do dia 5 de dezembro de 1891. Suas últimas palavras foram: "Deus que me conceda esses últimos desejos - paz e prosperidade para o Brasil."

Enquanto preparavam seu corpo, um pacote lacrado foi encontrado no quarto com uma mensagem escrita pelo próprio Imperador:

"É terra de meu país, desejo que seja posta no meu caixão, se eu morrer fora de minha pátria"

O pacote que continha terra de todas as províncias brasileiras foi colocada dentro do caixão.

A Princesa Isabel desejava realizar uma cerimônia discreta e íntima, mas acabou por aceitar o pedido do governo francês de realizar um funeral de Chefe de Estado. No dia seguinte, milhares de personalidades compareceram a cerimônia realizada em Madeleine. Além da família de Dom Pedro II, estavam: Francisco II, ex-rei das Duas Sicílias, Isabel II, ex-rainha da Espanha, Luís Filipe, Conde de Paris, e diversos outros membros da realeza européia. Também estavam presentes o general Joseph Brugère, representando o presidente Sadi Carnot, os presidentes do Senado e da Câmara, assim como senadores, deputados, diplomatas e outros representantes do governo francês. Quase todos os membros da Academia Francesa, do Instituto de França, da Academia de Ciências Morais e da Academia de Inscrições e Belas-Artes também participaram. Representantes de outros governos, tanto do continente americano, quanto europeu se fizeram presentes, além de países longínquos como Turquia, China, Japão e Pérsia.

Em seguida o caixão foi levado em cortejo até a estação de trem, de onde partiria para Portugal. Apesar da chuva incessante e da temperatura extremamente baixa, cerca de 300.000 pessoas assistiram ao evento. A viagem prosseguiu até a Igreja de São Vicente de Fora, próximo a Lisboa, onde o corpo de Dom Pedro II foi depositado no Panteão dos Braganças em 12 de dezembro de 1891.

Os membros do governo republicano brasileiro, "temerosos da grande repercussão que tivera a morte do Imperador", negaram qualquer manifestação oficial. Contudo, o povo brasileiro não ficou indiferente ao falecimento de Dom Pedro II, pois a repercussão no Brasil foi também imensa, apesar dos esforços do governo para a abafar. Houve manifestações de pesar em todo o país: comércio fechado, bandeiras a meio pau, toques de finados, tarjas pretas nas roupas, ofícios religiosos. Foram realizadas missas solenes por todo o país, seguidas de pronunciamentos fúnebres em que se enalteciam Dom Pedro II e o regime monárquico".

Dom Pedro II em seu leito de morte, 6 de dezembro de 1891.
O livro embaixo do travesseiro sob sua cabeça simboliza que, mesmo após a morte, sua mente descansa sobre o conhecimento.
Legado

Os brasileiros se mantiveram apegados a figura do imperador popular a quem consideravam um herói e continuaram a vê-lo como o Pai do Povo personificado. Esta visão era ainda mais forte entre os brasileiros negros ou de ascendência negra, que acreditavam que a monarquia representava a libertação. O fenômeno de apoio contínuo ao monarca deposto é largamente devido a uma noção generalizada de que ele foi "um governante sábio, benevolente, austero e honesto".

Esta visão positiva de Dom Pedro II, e nostalgia por seu reinado, apenas cresceu a medida que a nação rapidamente caiu sob o efeito de uma série de crises políticas e econômicas que os brasileiros acreditavam terem ocorridas devido a deposição do Imperador. Ele nunca cessou de ser considerado um herói popular, mas gradualmente voltaria a ser um herói oficial.

Surpreendentemente, fortes sentimentos de culpa se manifestaram dentre os republicanos, que se tornaram cada vez mais evidentes com a morte do Imperador no exílio. Eles elogiavam Dom Pedro II, que era visto como um modelo de ideais republicanos, e a era imperial, que acreditavam que deveria servir de exemplo a ser seguido pela jovem república.

No Brasil, as notícias da morte do Imperador causaram um sentimento genuíno de remorso entre aqueles que, apesar de não possuírem simpatia pela restauração, reconheciam tanto os méritos quanto as realizações de seu falecido governante.

Seus restos mortais, assim como os de sua esposa, foram finalmente trazidos ao Brasil em 1921 a tempo do centenário da independência brasileira em 1922 e o governo desejava dar a Dom Pedro II condizentes aos de Chefe de Estado. Um feriado nacional foi decretado e o retorno do Imperador como herói nacional foi celebrado por todo o país. Milhares participaram da cerimônia principal no Rio de Janeiro.

O historiador Pedro Calmon descreveu a cena: "Os velhos choravam. Muitos ajoelhavam-se. Todos batiam palmas. Não se distinguiam mais republicanos e monárquicos. Eram brasileiros". Esta homenagem marcou a reconciliação do Brasil republicano com o seu passado monárquico.

Os historiadores possuem uma grande estima por Dom Pedro II e seu reinado. A literatura historiográfica que trata dele é vasta e, com a exceção do período imediatamente posterior a sua queda, enormemente positiva, e até mesmo laudatória. O Imperador Dom Pedro II é comumente considerado por historiadores o maior brasileiro.

De uma maneira bem similar aos métodos que foram usados pelos republicanos do começo do século XX, os historiadores apontam as virtudes do Imperador como exemplos a serem seguidos, apesar de que nenhum foi longe o bastante para propôr a restauração da monarquia. O historiador Richard Graham comentou:

"A maior parte dos historiadores do século XX, além disso, têm olhado nostalgicamente para o período (do reinado de Dom Pedro II), usando suas descrições do Império para criticar - as vezes sutilmente, outras vezes nem tanto - os regimes republicanos e ditatoriais subsequentes do Brasil."


Títulos e Honrarias

Formas de Tratamento e Títulos

  • 02/12/1825 - 07/04/1831: Sua Alteza Imperial O Príncipe Imperial
  • 07/04/1831 - 15/11/1889: Sua Majestade Imperial O Imperador

A forma de tratamento e o título completo do monarca foram "Sua Majestade Imperial Dom Pedro II, Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil".

Honrarias

O Imperador Dom Pedro II foi Grão-mestre das seguintes ordens brasileiras:

  • Imperial Ordem de Nosso Senhor Jesus Cristo
  • Imperial Ordem de São Bento de Avis
  • Imperial Ordem de Sant'Iago da Espada
  • Imperial Ordem do Cruzeiro do Sul
  • Imperial Ordem de Pedro Primeiro
  • Imperial Ordem da Rosa.

Dom Pedro II foi membro das seguintes ordens estrangeiras:

  • Grã-Cruz da Ordem de Santo Estêvão da Áustria-Hungria
  • Grande Cordão da Ordem de Leopoldo da Bélgica
  • Grã-Cruz da Ordem da Estrela da Romênia
  • Cavaleiro da Ordem do Elefante da Dinamarca
  • Grã-Cruz da Ordem de São Januário das Duas Sicílias
  • Grã-Cruz da Ordem de São Fernando e do Mérito das Duas Sicílias
  • Grã-Cruz da Legião de Honra da França
  • Grã-Cruz da Ordem do Salvador da Grécia
  • Grã-Cruz da Ordem Neerlandesa do Leão dos Países Baixos
  • Cavaleiro da Ordem do Tosão de Ouro da Espanha
  • Cavaleiro Estrangeiro da Ordem da Jarreteira do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda
  • Grã-Cruz da Ordem Soberana e Militar de Malta
  • Grã-Cruz da Ordem Equestre do Santo Sepulcro de Jerusalém
  • Grã-Cruz da Sagrada Ordem Militar Constantiniana de São Jorge
  • Grã-Cruz da Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa de Portugal
  • Grã-Cruz da Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito de Portugal
  • Grã-Cruz da Ordem da Águia Negra da Prússia
  • Grã-Cruz de todas as Ordens de Cavalaria da Rússia
  • Grã-Cruz da Ordem da Anunciação da Itália
  • Grã-Cruz da Ordem do Serafim da Suécia
  • Grã-Cruz da Ordem da Estrela Polar da Suécia
  • Grã-Cruz (Primeira Classe) da Ordem de Medjidié do Império Turco-Otomano

Fonte: Wikipédia