Cruz Cordeiro

JOSÉ DA CRUZ CORDEIRO FILHO
(79 anos)
Escritor, Poeta, Tradutor e Compositor

* Recife, PE (12/03/1905)
+ Rio de Janeiro, RJ (16/07/1984)

Cruz Cordeiro nasceu em Recife, PE, em 12/03/1905. Era filho de José da Cruz Cordeiro e Carolina Sabóia de Albuquerque Cordeiro. Tinha cinco irmãs e um irmão: Lourdes,  Augusta, Carmem, Carozinha, Bernadete e Humberto.  Aos 7 anos mudou-se com a família para o Estado do Rio de Janeiro.

Cruz Cordeiro, aos 13 anos de idade, em foto de 9.10.1918
De família abastada, Cruz Cordeiro foi internado, na época, num famoso colégio de padres, tendo sido "educado" dentro de uma prejudicial formação católica tradicional.  Em seu único romance escrito aos 33 anos, publicado com sucesso em 1938, intitulado "Uma Sombra Que Desce", no último capítulo Solidão,  ele escreve sobre a sua permanência no conhecido colégio:

"O pai gastara fortuna na sua instrução, à moda do tempo, internando-o em um dos mais famosos colégios de padres do país. Arrancado pequeno e para muito longe de casa, Jorge pouco ou nada aprendera. Desde então não gozara mais saúde. A comida era de inferior qualidade. Não nutria. Feita como si fosse para cachorro. E depois das frugalíssimas refeições seria castigado todo aquele que não participasse do futebol, da barra-bandeira, ou de qualquer outra brincadeira assim congestionante imposta àquelas crianças afastadas do convívio e da responsabilidade de quem as botou no mundo. Do colégio não podia se queixar. As cartas eram censuradas e a vergonha de uma expulsão tolhia os mais audazes. Aos domingos, em dias de visitação, a bóia era atacada de súbita melhora. O ardil surtia o efeito desejado: eram os alunos que reclamavam sem base, meninos vadios que inventavam tramas para dar o fora do colégio... Nas férias, diante da alegria de rever a casa paterna, esquecia-se de reagir, dizer o que não podia fazer por carta, do internato. E voltava no ano seguinte para continuar a estudar sem se alimentar. Foi se enfraquecendo. Sarampo, caxumba, e um violento tifo, devolveram-no, afinal, aos seus. A sua educação se completara..."

Durante a sua juventude, iniciou na Faculdade de Engenharia e no aprendizado do violino, ambos abandonados para mais tarde dar lugar a atividades multifacetadas no campo da cultura brasileira. Foi o sócio remido nº 7 do Clube de Regadas Guanabara onde praticou vários esportes, e onde mais tarde colocou seus quatro filhos como sócios para aprender natação e frequentar o clube recreativo.

Cruz Cordeiro, o filho José Roberto e sua esposa Dora Alencar Vasconcellos (Passeio Público, RJ)
Cruz Cordeiro casou-se com Dora Alencar Vasconcellos, nascendo da união o único filho José Roberto Cordeiro, falecido aos 31 anos nos Estados Unidos, em 1969. A Embaixadora Dora Alencar Vasconcellos faleceu aos 62 anos, em 1973, como representante do Brasil junto à República de Trinidad-Tobago, sendo sepultada com honras de estado no Cemitério de São João Batista, na aléa 10, jazigo numero 3782.

Dora Vasconcellos era poetiza, e em vida deixou três livros publicados: "O Grande Caminho do Branco", "Palavra Sem Eco" e "Surdina do Contemplado". Ela iniciou parcerias com o compositor brasileiro erudito Heitor Villa-Lobos, durante a sua primeira permanência nos Estados Unidos em 1952. Dora criou inspiradas letras para algumas das belas canções da grande suíte "Floresta do Amazonas" (1958), sendo as mais conhecidas "Tarde Azul (Canção do Amor)" e "Canção do Amor (Melodia Sentimental)".


Com o falecimento de Dora Alencar Vasconcellos em 1973, Cruz Cordeiro casou-se em 05/12/1973 com Angelita Silva, companheira de longa data com a qual viveu até o dia do seu falecimento em 16/07/1984. Angelita Silva, com o casamento, passou a se chamar Angelita Silva da Cruz Cordeiro. Ela nasceu na Bahia, em 22/06/1910, filha de Canuto Silva Laureano e de Martinha Costa Maranhão. Da união entre Cruz Cordeiro e Angelita nasceram quatro filhos: Márcio (19/02/1943), Antônio José (23/l2/l944), Mário Eduardo (29/07/1949), e Ricardo (26/06/1951). Márcio Silva da Cruz Cordeiro, divorciado de Eliane Bastos Cordeiro, faleceu em 18/09/1995, aos 52 anos, em seu apartamento, em Botafogo, RJ. Segundo a médica atestante Drª Virgínia da Conceição Sencades Alves, a causa mortis foi desnutrição: esquizofrenia paranoide. Márcio foi enterrado no Cemitério de São João Batista, na sepultura perpétua da família de seu genitor.

Cruz Cordeiro e Angelita no Sanatório em Correias, Rio de Janeiro
Angelita formou-se em enfermagem pela Cruz Vermelha Brasileira, conhecendo Cruz Cordeiro na condição de enfermeira num hospital de cirurgia no Rio de Janeiro. Angelita e Dora tornaram-se amigas no hospital, e Dora, após acompanhar o marido durante a existência de sua prolongada enfermidade, seguiu o seu destino, a sua ambição, a sua carreira. Contratada pela família, Angelita assistiu Cruz Cordeiro também em sua recuperação num sanatório em Correias. Angelita, depois de ter sido uma das enfermeiras de Cruz Cordeiro no hospital, e sua enfermeira particular no sanatório, abandonou a profissão de enfermagem para dedicar-se ao companheiro, aos quatro filhos e à vida doméstica. Angelita faleceu em 21/03/2005, aos 94 anos, na UTI da Clínica de São Gonçalo S.A, em Niterói, RJ, tendo sido enterrada no Cemitério São João Batista na sepultura da família de seu marido.

Cruz Cordeiro, em parceria com Sérgio Alencar Vasconcellos, irmão de Dora Alencar Vasconcellos, fundou a pioneira Revista Phono-Arte, como editor e redator.  A revista teve o apoio das gravadoras e representantes de disco e de músicas impressas, inaugurando a crítica sistemática da música popular e erudita impressa e gravada no Brasil. A revista também iniciou comentários sobre filmes musicados do então chamado "cinema falado", logo que começou o filme sonoro no cinema. A Phono-Arte foi publicada com sucesso até o número 50, no período de 1928 a 1931, havendo coleções completas da revista no Museu do Som e da Imagem no Rio de Janeiro.


Logo após o término da sua importante Revista Phono-Arte, Cruz Cordeiro ingressou na RCA Victor Brasileira Inc., então recém-fundada no Brasil. No período de 1931 a 1936, exerceu cargo de publicidade e orientador artístico da empresa, na qual, por motivo de moléstia, aposentou-se prematuramente. Eram os tempos áureos de compositores como Lamartine Babo, Noel Rosa, João de Barrro, o Braguinha, Almirante, Joubert de Carvalho, e artistas como Carmen Miranda, Mário Reis e muitos outros. Cruz Cordeiro aumentou muito a venda de discos nacionais no seu período de atuação, passando a venda de 3 mil discos por  mês para 35 mil discos, conforme controlava em fichários adequados.

No auge de sua atuação bem sucedida na RCA Victor, Cruz Cordeiro foi acometido por uma doença incapacitante, forçando-o a se afastar do importante cargo que ocupava na recém-fundada empresa brasileira. Como pessoa enferma passou por vários consultórios médicos, por diversos diagnósticos equivocados e por algumas operações inúteis, até a descoberta da verdadeira causa da misteriosa doença: "um enorme abscesso nas suas nádegas, que tinham virado panelas de pus durante os dias de febre". O sofrimento físico e psíquico vivido pelo doente durante a duradoura moléstia levou Cruz Cordeiro ainda em recuperação a escrever o único romance intitulado "Uma Sombra Que Desce". O livro foi publicado em 1938 pela Cultura Moderna - Sociedade Editora Ltda., São Paulo, obtendo grande êxito ao ser lançado em 1939. Pelo seu grande sucesso e elevada qualidade literária, o romance foi traduzido para o espanhol por Bráulio Sánches Saez, e editado na Argentina pela Editorial Araújo, Buenos Aires, em 1942, na sua "Colección Universal" com o título de "Peregrinos Del Dolor".

Cruz Cordeiro, Angelita, Márcio e Antônio José, em Barbacena, MG.
Em consequência de sua prolongada enfermidade, Cruz Cordeiro foi aposentado na época por invalidez com 1 salário mínimo. O seu salário da RCA Victor foi pago durante um bom tempo mesmo após o início de sua doença, em razão da generosidade do diretor da empresa no Brasil, o norte-americano Mr. Evans. Após a sua aposentadoria por invalidez e completa recuperação, Cruz Cordeiro trabalhou até a velhice como datilógrafo na firma Werco Comércio e Indústria S.A., de seu parente Paulo Fernando Marcondes Ferraz. Além de ser um exímio datilógrafo, Cruz Cordeiro era conhecedor do inglês e do francês, tendo inclusive trabalhado como tradutor para aumentar a renda doméstica.

Como tradutor do inglês e do francês, a Casa Editora Vecchi Ltda., Rio de Janeiro, lançou suas traduções: "Abandonados" (1943) de Nevil Shute; "O Flagelo de Deus" (1953) de  Maurice Leblanc; "A Ilha dos 30 Ataúdes" (1952) de Maurice Leblanc; "Falso Testemunho" (1956) de Irving Stone; "Um Retrato de Mulher" (1945) de J.H. Wallis; "Os Mais Belos Contos Terroríficos" (1945) de famosos autores (Tradução de 4 dos 23 contos); "A Grande Audácia" (1955) de Maurice Leblanc.


Nos seus números de agosto 1941, novembro/dezembro de 1942, janeiro 1943 e janeiro/fevereiro 1944, a revista de cultura A Ordem, sob a direção de Alceu Amoroso Lima, revelou Cruz Cordeiro como poeta, publicando seus poemas: "Regresso", "História de Jangadeiro", "Aquele Velho", "Luz e Sombra", "Prece" e o "Problema do Poeta".

Anonimamente e
Na intimidade de cada pouso,
Silenciosamente e
No indevassável de cada alma,
Tudo vai tendo o seu próprio desconhecido
No concerto da beleza universal.
E assim somos como os búzios,
Que não falam: a vida em nós,
Como nas conchas diante do mar profundo,
É ressonância que a palavra,
Embora dom milagroso,
Jamais traduz exatamente.
E se tudo é silêncio e anonimato,
Se tudo ressoa sem palavras,
Se tudo é harmonia e beleza,
Por que então fazer poemas,
Que pedem títulos,
Que levam palavras e que
Se endereçam à alma de todas as criações?
(Poema - O Problema do Poeta)

Ainda, de 1939 a 1957, exerceu inúmeras outras atividades, conforme o texto abaixo escrito pelo próprio Cruz Cordeiro.

  • 1939 - Na revista Cine-Rádio Jornal, de Celestino Silveira, Rio de Janeiro, colaborou, frequente e animadamente, na seção "Fala o Amigo Fan", com seu nome literário Cruz Cordeiro  e, posteriormente, sob o pseudônimo de Tupiniquim, sempre em defesa da música brasileira popular, de que se tornou um dos seus melhores conhecedores e críticos.
  • 09/03/1940 - No famoso jornal crítico-literário de Brício de Abreu, Dom Casmurro, estreou com um trabalho de Linguística e Filologia, que passariam a ser a sua principal especialidade desde então, intitulado "A Ortografia dos Vocábulos Indígenas e Afro-negros". No mesmo periódico seguiu colaborando longo tempo até, praticamente, sua extinção.
  • 1941 - Colaborou com artigos para Diretrizes, publicação de Samuel Wainer e de projeção na época. Passou  a ser um dos colaboradores efetivos da Revista Filológica, publicação mensal sob a direção de Rui Almeida, que publicou até 1944. Ainda, tornou-se colaborador da Revista do Arquivo Municipal, publicação do Departamento de Cultura de São Paulo, onde se publicaram trabalhos seus como "Os Fundamentos Econômicos nas Origens dos Nomes Brasil e América" (Vol. LXXVIII de agosto/setembro 1941) e "Terminações Mineralógicas" (Vol. CII, 1945). Tornou-se colaborador do conceituado suplemento literário do Diário de Notícias, do Rio de Janeiro, sob a direção de Raul Lima, tendo sua colaboração sido variada, focalizando de preferência, porém, temas linguísticos, filológicos e de música popular e folclórica brasileira.
  • Janeiro de 1942 – A Revista do Brasil (Ano V, 3ª fase, nº 43) publicou seu importante trabalho "A Língua Brasileira".
  • 1945 - Ingressa como colaborador dos Diários Associados, de Assis Chateaubriand, em constante colaboração através do suplemento literário do seu órgão líder no Rio de Janeiro: O Jornal, de preferência sobre assuntos de linguística, filologia, folclore e música popular brasileira.
  • 1955/1956 – Convidado por Lúcio Rangel, criador da Revista da Música Popular, Cruz Cordeiro escreve sobre folcmúsica e música popular brasileira, e apresenta uma discografia mensal da Produção Nacional.
  • 1957 -  Passa a colaborar também no suplemento literário do Jornal do Comércio, do Rio de Janeiro.

O Jornal do Brasil, no Caderno Especial, em 26/01/1975, publica a Carta de Leitor de Cruz Cordeiro, intitulada "Fato Social e Fato Artístico", referindo-se às análises de caráter sociológico do historiador e crítico José Ramos Tinhorão, relativas aos compositores e letristas da nossa música popular.


O jornalista, escritor, crítico e historiador Sérgio Cabral entrevistou Cruz Cordeiro em sua residência, na Rua General Góis Monteiro, nº 88, apto 303, Botafogo, RJ. A extensa entrevista foi publicada no jornal O Globo, em 22/07/76, com o título "Cruz Cordeiro – O Primeiro Colunista de Discos do Brasil". A grande reportagem também foi publicada no livro "ABC do Sérgio Cabral – Um Desfile dos Craques da MPB" (Editora Codecri - Rio de Janeiro, 1979). Quando Cruz Cordeiro foi entrevistado por Sérgio Cabral, ele já tinha a idade avançada de 71 anos.

Entre os 72 e 73 anos de idade (1977/1978), Cruz Cordeiro foi internato no Hospital da Lagoa do Rio de Janeiro para a retirada de um coágulo no cérebro. Apesar de a cirurgia invasiva ter sido bem sucedida pela competência dos médicos na época, mais tarde Cruz Cordeiro sofreu um derrame cerebral que paralisou o seu lado esquerdo. Ele permaneceu em sua residência neste lamentável estado irreversível até o dia de seu falecimento, assistido por uma enfermeira e por sua sempre dedicada Angelita. Tendo ido visitar meu querido pai neste dia, estava em seu quarto e ao lado da sua cama, e junto à minha mãe presenciei a sua vida se esvaindo através de uma dispneia.

José da Cruz Cordeiro Filho faleceu em 16/07/1984 às 22:00 hs, aos 79 anos de idade. Segundo a Certidão de Óbito atestada pelo médico Drº Ismar Fernandes, a causa mortis foi Insuficiência Cardiorrespiratória e Arterioesclerose Cerebral.

Cruz Cordeiro foi sepultado no Cemitério São João Batista, no túmulo perpétuo da família, de mármore preto, encimado por uma grande imagem branca de Santa de Lourdes. A antiga sepultura, que tem espaço para três urnas funerárias, fica à esquerda logo após a entrada do Cemitério São João Batista, e da rua principal já pode se ver não muito distante a imagem bonita da alta escultura.

Meu pai era um homem de poucas palavras e não dado a manifestações físicas de carinho, embora fosse muito atento aos estudos dos seus quatro filhos. Eu mesmo tive professores particulares de português, francês e matemática, quando não ia bem nestas matérias durante o curso primário e básico comercial.  E comprou um piano para que eu fizesse o curso completo do instrumento, pois uma professora de música afirmou que eu tinha muito talento para o piano, embora mais adiante tenha abandonado o curso por não me sentir motivado. Todos os filhos, sem exceção, no momento próprio, foram inscritos no Instituto Brasil-Estados-Unidos (IBEU), e ao contrário dos demais irmãos abandonei o curso de inglês logo no início.

Estou cansado de presenciar fatos consumados,
De ter notícias de desgraças ou de vitórias,

Acabei por detestar os acontecimentos.
Queria que Deus me desse a pré-ciência
O dom divinatório e a mais absoluta vidência,
Que me fizesse entrar no espírito de todas as coisas,
Que me coordenasse com a essência universal e
me concedesse, desde logo,
A paz imensa que pressinto no infinito.
(Poema - Prece)

Antônio José, ao lado de seus pais Cruz Cordeiro e Angelita, na sua primeira exposição individual no Foyer da Sala Cecília Meireles, realizada no período de 06/07 a 06/08/1979
O filho de Cruz Cordeiro, Antônio José Silva da Cruz Cordeiro, autor da presente biografia resumida, homenageando o seu querido, saudoso e admirado pai, organizou, anteriormente, o site Revista Phono-Arte,  e do qual retirou  a maioria das informações desta biografia à pedido de Marcos Carvalho, criador deste blog.

Fonte: Antônio José Silva da Cruz Cordeiro e Revista Phono-Arte

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