(81 anos)
Estilista, Maquiador, Ator Transformista e Drag Queen
☼ São Paulo, SP (1939)
┼ São Paulo, SP (03/06/2020)
Eduardo Albarella, conhecido artisticamente como Miss Biá, foi estilista, maquiador, ator transformista e uma das Drag Queens pioneiras no Brasil, com cerca de 60 anos de carreira, nascido em São Paulo, SP, no ano de 1939.
No início dos anos 60, Eduardo Albarella, office boy, na época com 21 anos, ficou surpreso com todo o glamour visto ao assistir um show de dançarinas, entre elas a travesti Geórgia, num show de cabaré da noite paulistana. A partir daquele momento, decidiu que o palco seria seu lugar e com ajuda de uma amiga, conseguiu roupas, perucas e jóias para construir seu alter-ego inspirador: a Biá. O nome já era seu apelido devido a música "Biá Tá Tá", cantada pela Carmen Miranda, e o miss é incorporado futuramente, após ser anunciada como "Miss".
Suas apresentações começam em casas de espetáculo, tendo sido convidada pela boate La Vie En Rose para sua primeira apresentação cantando a música "Diz Que Fui Por Aí" (Zé Keti e Hortêncio Rocha), interpretada pela cantora Nara Leão. No final da noite, foi escolhida a melhor e daí começou a fazer outros trabalhos. Essa foi a primeira vez que ocorreu um show só com travestis e o acontecimento parou o trânsito da capital paulistana, pois muitos ficaram curiosos com o espetáculo.
Com o interesse de alguns artistas e intelectuais, os shows, com muito brilho, orquestra e performances super produzidas, ganham espaço em boates e começam a surgir as primeiras boates LGBT's. As casas exibiam espetáculos de interpretações das divas clássicas, como Diana Ross, Gina Lollobrigida, Judy Garland e, a preferida da Biá, a Liza Minelli. Porém, como fazer isso durante o regime militar (1964-1985), quando um homem (biológico) poderia ser preso por não estar portando trajes destinados ao gênero masculino?
Assim como os homens e mulheres transexuais e travestis, os artistas transformistas eram perseguidos e assediados pelos repressores do Estado. Eram comuns as abordagens policiais e prisões por "Atentado Violento ao Pudor", acusados de prostituição se vistos dentro da personagem, quando transitavam de uma casa de show à outra.
Miss Biá conta que não tinha como sair montada pelas ruas, no máximo conseguiria usar maquiagem, disfarçada por estar "vestido de hominho". Em entrevista para Globo, relembra que "Tinha um delegado que era o tormento de todo gay, ele vinha aqui… e uma vez levou quase 600 presas!", se referindo ao delegado José Wilson Richetti, responsável por coordenar operações de "limpeza" em São Paulo.
O trabalho era difícil e as perseguições muitas. Miss Biá conta que nunca foi visto pela família, tendo que viver uma vida-dupla: de dia, jogava futebol com seus amigos e trabalhava nos escritórios. A noite, perdia sua timidez e medos encarnando a glamurosa Miss Biá, que só seria conhecida pela família mais de 50 anos depois, como contou Miss Biá em entrevista para o Museu da Diversidade Sexual.
Com o aumento da censura dos "Tempos de Chumbo", Eduardo Albarella pausou suas apresentações em seu alter-ego transformista e passou a se apresentar como dançarino junto à vedetes. Depois de anos de repressão acirrada, os show voltaram a acontecer mais livremente e Eduardo Albarella se torna um grande maquiador e estilista, conhecido pelas celebridades que entrevistava nos seus shows, interpretando uma sátira à apresentadora Hebe Camargo, para quem trabalhou como estilista por anos, chegando a ser premiado e ter seu vestido catalogado no Museu de Arte de São Paulo.
Falar da trajetória da Miss Biá é falar de muitas casas noturnas, como a Corinto, Medieval e a NostroMondo. Nessas boates, a grande Miss Biá levou alegria e inspiração por meio da sua arte e carisma para milhares de pessoas por diversas gerações nos mais de 60 anos de carreira.
Em cada uma das diversas casas que surgiram, os LGBT+ e artistas da noite podiam sentir um gosto de liberdade e aceitação, um sentimento de irmandade os uniam onde apoio e resistência andavam juntos frente à um país dominado pela repressão e preconceito.
Meu nome é Eduardo Albarella, mas sou mais conhecido como Miss Biá, primeira e única. Nasci - e moro até hoje - em São Paulo, em uma família de classe média alta.
Meu pai morreu aos 27 anos, vítima de nefrite aguda. Eu estava com apenas 2 anos, não tive a oportunidade de chamá-lo de papai.
Estou na vida há 79 anos e na noite há 58. Passei pela ditadura, tive muitas rejeições, mas sempre me dei muito bem, graças a Deus, porque bonequinha nova e bonita sempre consegue abrir portas.
Na infância, fui um menininho comum: não tirava a sobrancelha, não tinha trejeitos, era natural. Minha família nunca retrucou minha maneira de viver. Quando adolescente, não imaginava que faria palco, nunca tive vontade de trabalhar em boate. Mudei de ideia quando fui a um cabaré, o Avenida, na Avenida Duque de Caxias, no centro de São Paulo, e vi um homem montado pela primeira vez. Fiquei encantada e pensei: "Nossa, que beleza, eu também quero!".
Estava com duas amigas "mulheres-veados". Assim que elas souberam, garantiram que me emprestariam tudo: peruca, roupa, jóias e até um anel de esmeralda, divino. Topei o desafio e falei com o pessoal da boate. Mesmo duvidando de minha coragem, me aceitaram. De peruca castanha, com mechas, penteada por Silvinho, o cabeleireiro das estrelas, cantei "Diz Que Fui Por Aí" (Zé Keti e Hortêncio Rocha). Na época, ou cantava ou não trabalhava. Essa história de dublar veio muito tempo depois.
Minha primeira apresentação foi um sucesso e me rendeu um contrato para o primeiro show de transformistas de São Paulo, na boate La Vie en Rose. Na época não existia boate gay. Trabalhei muitos anos em boates héteros. E, como não havia nada parecido, repercutiu muito e só não continuou com força porque a ditadura interrompeu.
Ser um ator transformista em tempos de censura era difícil. Não podíamos sair na rua de peruca, pois éramos taxadas de prostitutas. Tínhamos de ir com a peruca na mão às boates e só nos "transformávamos" lá dentro. Se a polícia encrencasse com alguma de nós, levava à prisão, e lá ficávamos por dias, sem justificativa. Tive a sorte de nunca ter passado por isso, mas muitos amigos passaram. Na época, nossos espetáculos eram submetidos à censura. Se não gostassem, não havia show. Para driblá-la, me apresentei por um tempo de "menino" com uma porção de artistas, como Wilza Carla e Sônia Mamede.
Eduardo Albarella faleceu na manhã de quarta-feira, 03 /06/2020, aos 81 anos, em São Paulo, SP, vítima de Covid-19. Estava internado há cerca de dez dias por causa da Covid-19.
A Associação da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo emitiu uma nota de pesar:
"Miss, Biá, persona de Eduardo Albarella de 80 anos, começou na arte do transformismo no início da década de 60 e não parou mais. Arte, irreverência e bom humor. Estamos em luto. A saudade estará sempre presente!"