HECTOR JULIO PÁRIDE BERNABÓ
(86 anos)
Pintor, Gravurista, Desenhista, Ilustrador, Ceramista, Escultor, Muralista, Pesquisador, Historiador e Jornalista
* Lanús, Argentina (07/02/1911)
+ Salvador, BA (02/10/1997)
Carybé era argentino naturalizado e radicado no Brasil. Acreditava na força da miscigenação das Américas. Retratou a cultura do povo da Bahia como ninguém.
Nos dias 7 e 9 de fevereiro de 1911, nasce em Lanús, província de Buenos Aires, Hector Julio Paride Bernabó, que viria a se tornar conhecido como Carybé. Veio ao mundo no dia 7, mas este só foi informado oficialmente da chegada no dia 9, data que consta no seu registro. Talvez em virtude dos dois aniversários por ano tenha nascido sua índole festeira.
É o caçula dos 5 filhos de Enea Bernabó e Constantina Gonzales de Bernabó.
Enea, natural de Fivizzano, região da Toscana, Itália, tinha espírito aventureiro e correu o mundo. Começou suas andanças aos dezessete anos, quando foi para os Estados Unidos, e não parou mais. Andou muito até encontrar Constantina, jovem de origem brasileira residente em Posadas, Argentina. Casaram-se e recomeçaram as andanças. Tiveram 5 filhos: Arnaldo, nascido no Brasil, Zora e Delia, no Paraguai, Roberto e Hector, na Argentina.
E continuaram as andanças. Nem bem o pequeno
Hector completava 6 meses e a família já se mudava para a Itália. Lá, aprendeu as primeiras letras. Viveram em Gênova até o início da
Primeira Guerra Mundial, em 1914, quando se mudaram para Roma e onde ficaram até 1919. Mas a situação difícil do pós-guerra, aliada ao espírito andarilho, já fazia com que
Enea, sonhasse novamente com a América, onde em pouco tempo a família desembarcava, desta vez na cidade do Rio de Janeiro.
|
Pierre Verger, Jorge Amado e Hector Carybé |
Foi um começo difícil.
Enea demorou a conseguir trabalho. Mas a esposa
Constantina sabia muito e ia ensinando suas artes aos filhos, que ajudavam no sustento da casa. A primeira morada foi em Bonsucesso, trocada depois por outra na Rua Pedro Américo, no Catete. Foi nessa que deu-se uma mudança que marcaria para sempre a vida de
Hector. Escoteiro do
Clube de Regatas do Flamengo, sua tropa era caracterizada pelos apelidos de nomes de peixe:
Hector escolheu se chamar
Carybé, pequeno peixe amazônico, apelido que o acompanhou para o resto da vida.
Carybé começou a trabalhar cedo, numa farmácia do Rio de Janeiro. Depois, foi ajudante no atelier de cerâmica de seu irmão
Arnaldo. Em 1928 ingressou na
Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro, que cursou durante dois anos.
Em 1929 seu outro irmão,
Roberto, conseguiu contratos para fazer as decorações de carnaval dos hotéis
Glória e
Copacabana Palace. Os três irmãos trabalharam duro, mas valeu a pena: estes contratos renderam a pequena fortuna de dezenove contos de réis e a decisão de
Enea de retomarem as andanças, desta vez com destino à Argentina, onde chegaram a bordo do navio
Blue Star.
E é assim, tardiamente, que, aos dezoito anos, Carybé vem a conhecer a terra onde nasceu.
A família chega à Argentina junto com a crise econômica mundial e não havia trabalho. A dificuldade fez os irmãos aceitarem qualquer serviço que se apresentasse. Por fim, ingressaram no jornalismo. Na época os jornais contratavam desenhistas para publicidade, charges e ilustrações, trabalho que Carybé desenvolveu paralelamente aos desenhos e pinturas que fazia para satisfação pessoal.
Foi nessa época que, a pedido de um amigo baiano,
Josué de Barros,
Carybé trabalhou como pandeirista de
Carmem Miranda, quando esta se apresentava na
Rádio Belgrano, em Buenos Aires. Trabalho que acaba durando três temporadas. Na quarta,
Carmem Miranda chegou acompanhada do conjunto
Bando da Lua, e dispensou seu pandeirista, dando mais uma contribuição, ainda que dessa vez inconsciente, à arte.
Carybé só não fica mais triste porque, coincidentemente, os músicos eram seus velhos amigos, dos tempos da Rua Pedro Américo.
Em 1938, os irmãos Bernabó foram contratados por um novo jornal, El Pregón, onde Carybé consegue o trabalho dos seus sonhos: viajar o mundo, herdeiro que era do espírito andarilho do velho Enea. De cada porto visitado, deveria mandar desenhos e uma breve reportagem sobre suas impressões do lugar. Assim, Carybé conhece Montevidéu, Paranaguá, Santos e Rio de Janeiro. Daí, as cidades históricas de Minas. De volta ao mar, Vitória e, finalmente, Salvador da Bahia, onde o aguardava uma surpresa que ele descreve assim:
"Na posta restante não havia dinheiro, só uma carta de meus irmãos dizendo que o jornal tinha falido, que estavam tão duros quanto eu, que tivesse boa sorte...
E tive!
Voltava, depois de seis meses de gostoso miserê, com os desenhos e aquarelas de minha primeira exposição individual, e com a certeza de que meu lugar, como pintor, era na Bahia."
De volta à Argentina, fez sua primeira exposição conjunta, com o artista
Clement Moreau, em 1939, no
Museo Municipal de Bellas Artes, em Buenos Aires, onde também teve sua primeira exposição individual, na
Galeria Nordiska Kompaniet.
Em 1941, faz as ilustrações do primeiro Calendário Esso, trabalho que lhe rende o dinheiro necessário para uma longa viagem: de barco, caminhão e trem, percorre Uruguai, Paraguai e Brasil. Na volta à Argentina, entra no país pela província de Salta, onde permanece.
Em 1944, faz sua terceira viagem à Bahia. Em Salvador, aprende capoeira com
Mestre Bimba, frequenta candomblés (notadamente o de
Joãozinho da Goméia), desenha e pinta.
Em 1945, realizou sua primeira exposição individual no Brasil, na sede do Instituto dos Arquitetos do Brasil, no Rio de Janeiro.
Em 7 de maio de 1946, casou-se com Nancy Colina Bailey, em Tartagal, província de Salta, Argentina. Os recém casados seguiram em lua-de-mel para o Rio de Janeiro.
Em 6 de maio de 1947, nasceu o primeiro filho, Ramiro, em Buenos Aires. Trabalhou na série Conquista, de 1947 a 1949.
Em 1949, publicou Ajtuss, primeiro livro inteiramente escrito e ilustrado por Carybé.
No fim de dezembro de 1949,
Carybé deixou a Argentina e veio ao Brasil. No Rio de Janeiro, recebeu do amigo
Rubem Braga uma carta em que este pedia a
Anísio Teixeira que lhe concedessem uma bolsa de trabalho na Bahia.
Em 01/01/1950 Carybé desembarcou em Salvador e desta vez para ficar.
Em 1951, expos na Secretaria de Educação da Bahia o resultado da bolsa de trabalho: a
Coleção Recôncavo. No mesmo ano, ganhou a medalha de ouro da primeira
Bienal Internacional de Livros e Artes Gráficas, pelas ilustrações do livro
Bahia, Imagens da Terra e do Povo, de
Odorico Tavares.
Em 1952, foi a São Paulo trabalhar no filme
O Cangaceiro, de
Lima Barreto. Fez 1600 desenhos de cena (storyboard). Segundo consta, foi a primeira vez na história do cinema em que um filme foi desenhado cena por cena.
Carybé foi diretor artístico do filme, tendo também participado dele como figurante.
Em 28 de agosto de 1953, nasceu sua filha Solange, em Salvador.
Em 1957, oficializa sua relação com o país que o acolheu, naturalizando-se brasileiro. No mesmo ano é confirmado
Obá de Xangô do terreiro
Ilê Axé Opô Afonjá, como
Otun Onã Shokun e
Iji Apógan na casa de
Omolu.
Em 1958, viajou para São Paulo, para realizar o mural do Banco Português. Ainda em 1958, viaja com Nancy para Nova York, seguindo daí para o México, Guatemala, Panamá e Peru, chegando, em 1959, à Bolívia e à Argentina, onde Nancy permaneceu.
Em 1961, foi homenageado com Sala Especial na
VI Bienal de São Paulo. No mesmo ano, iniciou a série de crônicas e reportagens que publicaria no
Jornal da Bahia até 1969, sob o pseudônimo
Sorgo de Alepo. Publicou o álbum de desenhos
Carybé, pela
Coleção Mestres do Desenho.
Em 1962, fez exposição individual no
Museu de Arte Moderna, em Salvador, e publicou o livro
As Sete Portas da Bahia.
Em 1963, expõs no
Nigerium Museum, em Lagos, e recebeu o título de
Cidadão da Cidade do Salvador. Desenhou com índios, pássaros e bichos o mapa do Brasil que decorava os aviões
Electra II, da
Varig.
Ao longo dos anos 60, criou vários painéis, dentre os quais:
- 1964 - Em concreto, fachada do Edifício Bráulio Xavier, na Praça Castro Alves, em Salvador (15X5m)
- 1965 - Mural em concreto para a fábrica da Willys, em Recife, e Índios (óleo sobre madeira), para o Banerj, no Rio de Janeiro
- 1967 - Mural em concreto para o Bradesco, na agência da Rua Chile, em Salvador, medindo 3X36m
Em 1966, participou de exposições em Bagdá (patrocínio da
Fundação Calouste Gulbekian) e Roma (coletiva no
Palazzo Piero Cortona, realizada por
Assis Chateaubriand). No mesmo ano publicou
Olha o Boi.
Em 1971, percorreu o Brasil com a exposição dos painéis
Os Orixás (Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre, Florianópolis, Brasília, Curitiba, Belo Horizonte, Recife e Fortaleza). No Rio de Janeiro, acompanhou os ensaios do bailarino russo
Rudolf Nureyev, encontro que rendeu o álbum
Nureyev. Ilustrou
Cem Anos de Solidão, de
Gabriel Garcia Márquez.
Participou, em 1973, da primeira
Exposição de Belas Artes Brasil/Japão, em Tóquio, Atami, Osaka, São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, sendo agraciado com a Medalha de Ouro. Ainda em 1973, criou o mural da Assembléia Legislativa da Bahia (Concreto - 11X16m). Participou da Sala Especial - Homenagem a Tarsila do Amaral, Flávio de Carvalho e Maria Martins, na
XII Bienal de São Paulo.
Em 1978 criou, para o
Banco do Estado da Bahia, o mural
Fundação da Cidade de Salvador (Técnica mista - 4X18m) e ilustrou
A Morte e a Morte de Quincas Berro D’Água, de
Jorge Amado.
Em 1979, fez o mural Oxossi, no Parque da Catacumba, no Rio de Janeiro (Concreto 2,20X1,10m). Publicou Sete Lendas Africanas da Bahia, pasta com xilogravuras de sua autoria.
Em abril de 1983, inaugurou a mostra
Iconografia dos Deuses Africanos no Candomblé da Bahia, no
The Caribbean Cultural Center, em Nova York. Desenhou cenários e figurinos para o
Balé Gabriela, Cravo e Canela, apresentado no
Teatro Municipal do Rio de Janeiro.
Em 1984, na Cidade do México, fez a exposição
Semblanza de Dioses y Ritos Afrobrasileños, no
Museo Nacional de Las Culturas. Realizou exposição individual no
Philadelphia Arts Institute, nos Estados Unidos. Criou a escultura
Homenagem à Mãe Baiana (Bronze - 3,30m), em Salvador. Moldou três murais para o
Hotel da Bahia (Concreto - 108m2) e pintou outro para o
Aeroporto Internacional de Salvador (Óleo sobre tela - 2,08X5m).
Em 1985, ilustrou o livro
Lendas Africanas dos Orixás, de
Pierre Verger e fez a cenografia e os figurinos da ópera
La Bohème, encenada no
Teatro Castro Alves, em Salvador. Em 1986, realizou a exposição
Retrospectiva 1936/1986, no Núcleo de Arte do
Desenbanco.
Em 1988, passou de
Otun a
Obá Onâ Xokun do terreiro do
Ilê Axé Opô Afonjá. Permaneceu em São Paulo entre março e outubro, fazendo os murais do
Memorial da América Latina, cuja autoria divide com o amigo
Poty Lazzarotto. São seis painéis, medindo 15x4m cada. Destes, executou três:
Os Povos Africanos,
Os Ibéricos e
Os Libertadores.
Em 1989, fez uma mostra individual no
Museu de Arte de São Paulo e lançou o livro
Carybé, que abrange toda a sua obra até aquele momento, com edição e fotografias de
Bruno Furrer, para a
Odebrecht.
Em 1992 participou da exposição
Jorge Amado e as Artes Plásticas, no
Museu de Arte da Bahia. No mesmo ano, viajou com
Nancy para a Europa, onde fez uma exposição individual na Alemanha, no
International Sommertheatre, no
Festival de Hamburgo. Também foi a Paris, onde expõs 10 painéis dos
Orixás no
Centro Georges Pompidou, ainda em comemoração aos 80 anos de
Jorge Amado. Ainda em 1992 tem o quadro
São Sebastião adquirido pelos
Musei Vaticani.
Em 1993, expõs pela terceira vez na Galeria de Arte do
Casino Estoril, em Portugal. Em 1995, fez exposições de uma série de gravuras em diversas galerias, nas cidades de São Paulo, Campinas, Curitiba, Belo Horizonte, Foz do Iguaçu, Porto Alegre, Cuiabá, Goiânia, Fortaleza e Salvador.
Em 02 de outubro de 1997, faleceu em Salvador vítima de problemas cardíacos. Certamente não por coincidência, no Terreiro do
Ilê Axé Opô Afonjá.