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José Bonifácio

JOSÉ BONIFÁCIO DE ANDRADA E SILVA
(74 anos)
Naturalista, Geólogo, Estadista e Poeta

* Santos, SP (13/06/1763)
+ Niterói, RJ (06/04/1838)

José Bonifácio de Andrada e Silva foi um naturalista, estadista e poeta brasileiro. É conhecido pelo epíteto de "Patriarca da Independência" por ter sido uma pessoa decisiva para a Independência do Brasil.

Pode-se resumir brevemente sua atuação dizendo que foi ministro do Reino e dos Negócios Estrangeiros de janeiro de 1822 a julho de 1823. De início, colocou-se em apoio à regência de Dom Pedro de Alcântara. Proclamada a Independência, organizou a ação militar contra os focos de resistência à separação de Portugal, e comandou uma política centralizadora. Durante os debates da Assembleia Constituinte, deu-se o rompimento dele e de seus irmãos Martim Francisco Ribeiro de Andrada e Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva com o imperador.

Em 16/07/1823, Dom Pedro I demitiu o ministério e José Bonifácio passou à oposição. Após o fechamento da Constituinte, em 11/11/1823, José Bonifácio foi banido e se exilou na França por seis anos. De volta ao Brasil, e reconciliado com o imperador, assumiu a tutoria de seu filho quando Dom Pedro I abdicou, em 1831. Permaneceu como tutor do futuro imperador até 1833, quando foi demitido pelo governo da Regência.

Os irmãos de José Bonifácio: Antônio Carlos e Martim Francisco
Origem Familiar

Membro de família da aristocracia portuguesa, José Bonifácio nasceu nos fins do século XVIII, em Santos, no litoral da então Capitania de São Paulo. O pai, Bonifácio José Ribeiro de Andrada, casado com sua prima Maria Bárbara da Silva, era a segunda fortuna da cidade, possuidor de bens no valor de 8:000$000. José Ribeiro de Andrada, o avô, casado com Ana da Silva Borges, pertencia a antiga família portuguesa do Minho e de Trás-os-Montes, parente dos Condes de Amares e Marqueses de Montebelo, ramo dos Bobadelas-Freires de Andrada.

Bonifácio José Ribeiro de Andrada, que morreria em 1789, era considerado ágil, desembaraçado e inteligente. Arredondou sua fortuna como mercante e ocupou diversos cargos e ofícios. Tinha dois irmãos formados em Coimbra, e um terceiro irmão era padre.

Sua mãe, Dona Maria Bárbara da Silva, teve dez filhos, quatro mulheres e seis homens. Seu pai foi seu primeiro mestre, mas em Santos não era possível ir além do ensino primário. Mudou-se para São Paulo em 1777.

Estudos

Em São Paulo, frequentou aulas de gramática, retórica e filosofia, nos cursos abertos por Dom Frei Manuel da Ressurreição, dono também de boa biblioteca. Era o ensino preparatório para o ingresso na universidade em Coimbra, para onde iam os brasileiros com alguns recursos. Tinha 16 anos quando, com seus irmãos Antônio Carlos e Martim Francisco, José Bonifácio requereu habilitação de genere, passo indispensável à carreira eclesiástica. Não havia universidades no Brasil nem qualquer prelo.

Em 1783, partiu do Rio de Janeiro para Portugal, matriculando-se em outubro na Universidade de Coimbra e iniciando a 30/10/1783 seu curso de estudos jurídicos, acrescidos um ano mais tarde, 11 e 12 de outubro de 1784, dos de matemática e filosofia natural.

Além dos cursos, leu muito. Já poetava, e em uma ode sua surgem os nomes de Leibnitz, Newton e Descartes. Leu sobretudo Rousseau e Voltaire, mas leu também Montesquieu, Locke, Pope, Virgílio, Horácio e Camões, e se indignou contra o "mostro horrendo do despotismo". Seus versos apelavam para as promessas da independência recém-proclamada dos Estados Unidos. Ainda estudante, cuidou de duas questões por cuja solução em vão se empenharia mais tarde: a civilização dos índios, a abolição do tráfico negreiro e da escravidão dos negros.

Carreira

Cedo demonstrou vocação para as pesquisas científicas. A exploração de minas conhecia um auge considerável com o crescimento das necessidades ligadas à Revolução Industrial. José Bonifácio concluiu, em 16/06/1787, seu curso de Filosofia Natural e, a 05/07/1788, o de Leis.

Recebeu em Portugal apoio do Duque de Lafões, Dom João de Bragança, que em 1780 fundara a Academia das Ciências de Lisboa e, a 08/07/1789 fez, perante o Desembargo do Paço, a leitura que o habilitava a exercer os lugares da magistratura. Quatro meses antes, em 04/03/1789, fora admitido como sócio livre da Academia, o que lhe abrira os caminhos de uma carreira de cientista. Por temperamento, interessava-se por estudos de que resultassem em alguma utilidade, colocando a ciência a serviço do aperfeiçoamento humano. Tinha por divisa: Nisi utile est quod facimus, stulta est gloria. Sua primeira memória apresentada à Academia foi "Memória Sobre a Pesca das Baleias e Extração de seu Azeite: Com Algumas Reflexões a Respeito das Nossas Pescarias".

Excursão Científica Pela Europa

Foi comissionado em 18/02/1790 para empreender, às custa do Real Erário, uma excursão científica pela Europa, para adquirir, por meio de viagens literárias e explorações filosóficas, os conhecimentos mais perfeitos de mineralogia e mais partes da filosofia e história natural.

Assim, nos meados de 1790, José Bonifácio estava em Paris na fase inicial da Revolução Francesa. Cursou, de setembro de 1790 a janeiro de 1791, os estudos de química e mineralogia e, até abril, aulas na Escola Real de Minas. Seus biógrafos citam contatos com Lavoisier, Chaptal, Jussieu e outros.

Foi eleito sócio-correspondente da Sociedade Filomática de Paris e membro da Sociedade de História Natural, para a qual escreveria uma memória sobre diamantes no Brasil, desfazendo erros. Já não era um simples estudante - começava a falar com voz de mestre.

Partiu depois para aulas práticas na Saxônia, em Freiberga, cuja Escola de Minas frequentou em 1792, recebendo dois anos mais tarde um atestado de que havia frequentado um curso completo de Orictognosia e outro de Geognosia. Ali cursou também a disciplina de siderurgia, com o professor Abraham Gottlob Werner. Percebia o atraso de Coimbra em relação a outros centros de estudo na Europa - a escola de Freiberg marcaria sua orientação. Ali teve como amigos Alexander von Humboldt, Leopold von Buch e Del Río.

Percorreu minas do Tirol, da Estíria e da Caríntia. Foi a Pavia, na Itália, ouvir lições de Alessandro Volta. Em Pádua, investigou a constituição geológica dos Montes Eugâneos, escrevendo a respeito um trabalho em 1794, chamado "Viagem Geognóstica aos Montes Eugâneos".

Onde deu completo desenvolvimento a seus estudos foi na Suécia e na Noruega, a partir de 1796, caracterizando em jazidas locais quatro espécies minerais novas, entre os quais a petalita e o diópsido, e oito variedades que se incluíam em espécies já conhecidas - a todos esses minerais descreveu pela primeira vez e deu nome.

Viajou mais de dez anos pela Europa, absorto em seus trabalhos científicos e, aos 37 anos, era um cientista conhecido e consagrado. Regressou a Portugal em setembro de 1800. Visitara, além dos países citados, a Dinamarca, a Bélgica, os Países Baixos, a Hungria, a Inglaterra e a Escócia.

Em Portugal

Dois meses depois de chegar a Portugal, em novembro de 1800, partiu para a Estremadura com seu irmão Martim Francisco Ribeiro de Andrada e com Carlos Antônio Napion, encarregados de pesquisas mineralógicas, e sobre as quais escreveu uma memória. Mal chegado da viagem, foi designado para nova missão: examinar os pinhais reais dos Medos e Virtudes, nos terrenos de Almada e Sesimbra. Tornou-se dele admirador Dom Rodrigo de Sousa Coutinho, Conde de Linhares. Eram parentes distantes e se tornaram amigos.

Ocupou a cátedra de Metalurgia, especialmente criada para ele, na Universidade de Coimbra, por Carta Régia de 15/04/1801. Era obrigado a ali permanecer pelo prazo mínimo de seis anos. Foi nomeado intendente-geral das Minas e Metais do Reino, e membro do Tribunal de Minas, pela Carta Régia de 18/05/1801, e deveria dirigir as Casas da Moeda, Minas e Bosques de todos os domínios portugueses. Por decreto de 08/07/1801, recebeu o encargo de administrar as antigas minas de carvão de Buarcos (Mina do Cabo Mondego) e restabelecer as abandonadas fundições de ferro de Figueiró dos Vinhos e Avelar. Por decreto de 12/11/1801, foi feito diretor do Real Laboratório da Casa da Moeda de Lisboa e incumbido de remodelar o estabelecimento. Pela Carta Régia de 01/07/1802 recebeu o encargo de superintender e ativar as sementeiras de pinhais nos areais das costas marítimas. Pelo alvará de 13/07/1807, foi nomeado superintendente do Rio Mondego e Obras Públicas de Coimbra. Mas pouco ou nada pôde levar a cabo, pois tinha de enfrentar a rotina portuguesa, em resistência "ora passiva a qualquer esforço renovador, ora ativa, insidiosa, mal dissimulando sentimentos subalternos de inveja ou despeito".

Lutou em vão contra o desleixo da administração pública e não lhe facultaram jamais os recursos indispensáveis ao trabalho. Não desejou a cátedra e não se sentia com dons de professor. E, em Coimbra, a reforma do Marquês de Pombal "não passara afinal de bons propósitos", segundo Octávio Tarquínio de Sousa, pois a universidade não possuía museu científico. Escreveu carta em 1806 ao Conde de Linhares em que dizia:

"Estou doente, aflito e cansado e não posso com tantos dissabores e desleixos. Logo que acabe meu tempo em Coimbra e obtenha a minha jubilação, vou deitar-me aos pés de S.A.R. para que me deixe acabar o resto dos meus cansados dias nos sertões do Brasil, a cultivar o que é meu."

Em 1808, em conjunto com Fernando Fragoso Saraiva de Vasconcelos, comandou as forças do Batalhão Académico que guarneceram Coimbra, no contexto da Guerra Peninsular. Obteve o posto de major, chegando a alcançar a patente de tenente-coronel e depois comandante. Quando os franceses ameaçaram Lisboa, em outubro de 1810, recebeu ordens de reunir o corpo e marchar para Peniche, onde ficou até a retirada do inimigo.

Na Academia Real atingiria o cargo de secretário perpétuo (1812). Sonhava com uma fábrica de aço e foi o responsável pela vinda para Portugal, e depois ao Brasil, de Guilherme von Eschwege, barão e mineralogista.

Escreveu dois artigos, em 1815 e 1819, onde a palavra tecnologia é usada pela primeira vez, na língua portuguesa. Possivelmente teve seu primeiro contato com essa palavra no curso de siderurgia de Werner, em 1792, em Freiberg.

Integrou o grupo de intelectuais que se reunia em torno de Domenico Vandelli, partilhando a visão de que o domínio da natureza era capaz de gerar riquezas e que, portanto, necessitava ser conhecido e explorado cientificamente.

Estátua de José Bonifácio - Rio de Janeiro
Retorno ao Brasil

Retornou ao Brasil em 1819, com 56 anos. Passou trinta anos na Europa e a colônia agora era reino unido e a sede da monarquia. Alguns dos velhos pecados continuavam, e o principal, a seus olhos, era a escravidão, pois o trabalhador era quase exclusivamente o negro, e a economia se organizara em benefício de uma classe privilegiada.

Apontou imediatamente os pontos necessários a um extenso programa de trabalho: abolição do tráfico, extinção da escravidão, incorporação dos índios à sociedade, miscigenação orientada para suprimir choques de raças e de classes e de constituir uma "nação homogênea", transformação do regime de propriedade agrária com a substituição do latifúndio pela subdivisão de terras, preservação e renovação das florestas, localização adequada das novas vilas, aproveitamento e distribuição das águas e exploração das minas.

Mas, desde 1808 na terra, Dom João VI jamais nomeara ministro um brasileiro. Mortos o Conde de Linhares em 1812, o Conde da Barca e o Marquês de Aguiar em 1817, e estando na Europa o Conde de Palmela, os homens de maior valor na confiança real eram Tomás Antônio de Vila Nova Portugal e o Conde dos Arcos. José Bonifácio recusou os convites recebidos para atuar como ajudante, e partiu para Santos onde seu irmão Martim Francisco era diretor de minas e matas da Capitania de São Paulo. O outro irmão, Antônio Carlos, estava preso na Bahia, pois participara da Revolução Pernambucana de 1817.

Com o Martim Francisco fez "atentas" pesquisas durante cinco semanas, em março de 1820, indo a Cubatão, à serra de Paranapiacaba, Ponte Alta, Borda do Campo, São Paulo, ao pico do Jaraguá na serra da Cantareira, Parnaíba, Pirapora, Itu e Sorocaba (Onde visitaram a fábrica de ferro mal administrada por Friedrich Ludwig Wilhelm Varnhagen), São Roque e Cotia. Estudou depois as salinas, a cargo do físico-mor João Álvares Fragoso. José Bonifácio tudo inquiria e anotava, comenta Octávio Tarquínio de Sousa.

"Das questões básicas, como a do tráfico e da escravidão, às aparentemente menos importantes, como as que se referiam à alimentação e ao vestuário do povo, ou a certos costumes pouco recomendáveis. (....) Tudo interessava a José Bonifácio em sua terra e nenhum assunto lhe parecia trivial ou impróprio."

Dom João VI lhe deu, por carta de mercê de 18/08/1820, o título de conselheiro. Como mudar de atitude era próprio do caráter do rei, anulando o que prometera e cedendo a pressões de Portugal e a inquietação contínua, Dom João VI embarcou para Portugal a 24/04/1821, com quatro mil pessoas na comitiva. O Banco do Brasil se viu desfalcado de cinquenta milhões de réis. Ia começar a última fase da independência do Brasil e nela teria papel preponderante José Bonifácio.

O Processo da Independência do Brasil

Era difícil perceber o rumo no ano de 1821. A Revolução Portuguesa apresentava fachada liberal e expunha como objetivo o estabelecimento de um regime constitucional. Os brasileiros queriam também liberdade e constituição. Por isso, até se desmascararem os móveis verdadeiros da Revolução Portuguesa, houve confusão no Brasil, e aceitaram mandato de deputado a Lisboa indivíduos de cunho nativista, antes implicados em revoluções contra a metrópole. Descobriu-se, mais tarde, que a Revolução Portuguesa imporia, caso vitoriosa, a supremacia econômica e política da antiga metrópole.
Mas, enquanto isso, iam-se formando em todas as províncias juntas governativas provisórias.

Em São Paulo, em 12/03/1821, o governador e capitão-general João Carlos Augusto de Oyenhausen-Gravenburg anunciou o regime constitucional. Para dar os primeiros passos, José Bonifácio aceitou convite para presidir à eleição dos membros, e propôs que fosse por aclamação. Indicou Oyenhausen como presidente do governo provisório, recebeu aclamação de seu próprio nome como vice-presidente e, como um dos secretários (eram três, do Interior e Fazenda, da Guerra e da Marinha), foi indicado seu irmão Martim Francisco.

Em 23 de junho de 1821, José Bonifácio iniciava seu papel político no Brasil.

Enquanto as demais juntas governativas se deixavam atrair por Lisboa e viam o Rio de Janeiro com desconfiança, a Junta de São Paulo foi a primeira a reconhecer a autoridade do príncipe regente Dom Pedro de Alcântara. Em carta de 17/07/1821 ao pai, o príncipe menciona José Bonifácio como o homem "a quem se deve a tranquilidade atual da província de São Paulo".

Foram eleitos seis deputados paulistas à Constituinte em Lisboa, entre eles Antônio Carlos, recém saído da prisão e que se revelaria grande orador em Lisboa; o padre Diogo Antônio Feijó, mais tarde regente; Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, depois senador e regente em 1831. Os seis deputados receberam do governo instruções na forma de um documento coletivo, intitulado "Lembranças e Apontamentos", programa completo em que as necessidades primordiais do Brasil eram postas em foco. No documento estavam as principais ideias de José Bonifácio.

A parte mais desenvolvida dizia respeito ao Brasil, em doze itens: Estabelecimento de um governo geral executivo, a cuja autoridade ficassem sujeitos os governos provinciais, definidos os limites da subordinação; a instrução pública, aumentando o número de escolas e criando pelo menos uma universidade; o desenvolvimento do povoamento do interior; a catequese e civilização dos índios, ou seja, sua integração; a emancipação gradual dos escravos e a proibição do tráfico; a alteração da estrutura fundiária, com a reintegração ao domínio do poder público das terras improdutivas. José Bonifácio era contrário tanto à escravidão quanto ao latifúndio e, nesse ponto, chocou-se com os poderosos interesses dos grandes proprietários e dos traficantes. Outra sugestão foi a fundação de uma cidade central no interior do Brasil, como efetivamente foi depois realizado no século XX com Brasília, para assento do governo nacional; sugeria ainda uma nova legislação sobre o regime de terras, pois as chamadas sesmarias, verdadeiros latifúndios, eram uma forma de exploração antieconômica e anti-social; e os deputados foram advertidos para incentivar um novo surto de mineração.

Contudo, nada do que continha o documento seria aproveitado no trabalho das Cortes portuguesas. Dos 70 deputados brasileiros, apenas 50 chegaram a exercer mandato. O programa paulista era contrário ao que pretendiam as Cortes e, percebendo que o governo do Príncipe Regente no Rio de Janeiro seria o melhor instrumento de que poderiam servir-se os patriotas brasileiros, resolveram anulá-lo.

Em fins de maio de 1821 chegaram de Lisboa as bases da Constituição ali promulgada a 10 de março. A tropa portuguesa, que aderira à Revolução do Porto e se tornara perturbadora da ordem fez, a 5 de junho, um pronunciamento, e obrigou Dom Pedro, a princípio relutante, a jurar as bases. O impulso definitivo para a emancipação brasileira foi dado pela obstinada política recolonizadora das Cortes.

As medidas tomadas em Lisboa tinham o mesmo objetivo: desunir e desarticular o Brasil, fazê-lo novamente colônia. E o maior perigo, percebido por José Bonifácio, era o sacrifício da unidade brasileira. A Junta Governativa da Bahia, por exemplo, com predominância de interesses comerciais portugueses e forte presença de tropa lusa, recusava obediência ao Príncipe Regente e se subordinava a Lisboa e às Cortes. Em Pernambuco se esperava algo mais radical, a adoção de um governo republicano. À dispersão geográfica se somava o desentendimento político. Desde outubro de 1821, os patriotas do Rio de Janeiro queriam proclamar a independência do Brasil, com o príncipe Dom Pedro feito imperador. E este os advertiu do "delírio" que os empolgava e declarou-se pronto a morrer por "três divinais coisas - a Religião, o Rei, a Constituição".

Em 09/12/1821, porém, chegaram ao Rio de Janeiro os textos dos últimos atos das Cortes que criavam governos provinciais anárquicos e independentes, mas sujeitos a Portugal, determinando o regresso quanto antes de Dom Pedro para uma viagem, incógnito, aos reinos de Espanha, França e Inglaterra. Nada mais poderia manter a ilusão da continuidade do sistema de reino unido. As Cortes pretendiam anular a obra de Dom João VI, fazendo de cada província brasileira uma província de Portugal.

O príncipe regente chegou a rascunhar um manifesto de despedida aos brasileiros. Mas já estava em curso uma ativa campanha, do clube da resistência na casa de José Joaquim da Rocha, e o príncipe foi mudando de atitude. Nas províncias, especialmente São Paulo e Minas Gerais, os atos recolonizadores produziam reação idêntica à do Rio de Janeiro. Começaram a receber assinaturas para uma representação em que se pedia ao príncipe ficar no Brasil. Para José Bonifácio, chegara a hora das grandes decisões e de uma ação enérgica para que o Brasil não se esfacelasse. A carta do Governo de São Paulo ao príncipe regente, datada de 24/12/1821, é de sua autoria. Sobre a carta, disse Octávio Tarquínio de Sousa:

"Se o tom é de violência, justificavam-na sua indignação e sua revolta, e era necessária para que Dom Pedro sentisse claramente a disposição em que estavam os brasileiros de não mais se deixar dominar por Portugal."

Seu pedido ao príncipe era quase uma ameaça:

"É impossível que os habitantes do Brasil que forem honrados e se prezarem de ser homens, e mormente os paulistas, possam jamais consentir em tais absurdos e despotismos. V. A. Real deve ficar no Brasil quaisquer que sejam os projetos das Cortes Constituintes não só para nosso bem geral mas até para a independência e prosperidade futura do mesmo Portugal. Se V. A. Real estiver (o que não é crível) pelo deslumbrado e indecoroso decreto de 19 de setembro, além de perder para o mundo a dignidade de homem e de príncipe, tornando-se escravo de um pequeno número de desorganizadores, terá também que responder, perante o céu, do rio de sangue que decerto vai correr pelo Brasil."

A carta chegou às mãos do príncipe no Rio de Janeiro a 01/01/1822. Foi divulgada imediatamente por Dom Pedro, e mandada imprimir na Gazeta do Rio, em 08/01/1822. Em carta ao pai, de 02/01/1822, Dom Pedro escreveu:

"Farei todas as diligências por bem para haver sossego, e para ver se posso cumprir os decretos 124 e 125, o que me parece impossível, porque a opinião é toda contra, em toda a parte."

O Fico e o Resto do Ano de 1822

Dom Pedro, no início de 1822, já tinha clara consciência do papel que os patriotas brasileiros lhe destinavam, e estava disposto a desempenhá-lo. No dia 09/01/1822, quando José Clemente Pereira, presidente do Senado da Câmara do Rio de Janeiro, lhe entregou a representação fluminense, tentou adiar a resposta mas acabou declarando:

"Como é para o bem de todos e felicidade geral da nação, estou pronto: diga ao povo que fico!"

Por sua vez, José Bonifácio chegou ao Rio de Janeiro a 17/01/1822, na representação paulista. Foi nessa ocasião que se entreteve na fazenda de Santa Cruz com a princesa Dona Leopoldina. O príncipe de 23 anos o nomeou, aos 60 anos, seu Ministro do Reino e dos Estrangeiros - o primeiro brasileiro a ocupar um cargo semelhante - demitindo Marcos de Noronha e Brito. Disse Octávio Tarquínio de Sousa:

"Não estava mais em idade de contentar-se com a simples aparência das coisas, nem o enganavam palavras, por mais prestigiosas que fossem."

Suas ideias estavam esboçadas nas instruções feitas para os deputados paulistas às Cortes, e atacavam os problemas sociais e econômicos. Queria uma organização democrática, queria governo responsável, sistemas representativos, garantias constitucionais. Mais importante que tudo era a preservação da ordem pública - pois a tropa portuguesa se passara para Niterói.

A 21/01/1822, José Bonifácio ordenou ao desembargador do paço chanceler-mor que não mais fizesse a repartição das leis vindas de Portugal sem antes as submeter ao Príncipe Regente. E, a 30/01/1822, concitava os governos provisórios de todas as províncias a promoverem a união das mesmas com sujeição à regência de Dom Pedro.

Decreto de 22/02/1822, referendado por José Bonifácio, convocou a Junta de Procuradores das províncias. Já começava a ter problemas com certo grupo de políticos do Rio de Janeiro: Joaquim Gonçalves Ledo, Januário da Cunha Barbosa e José Clemente Pereira apareciam a seus olhos como demagogos e agitadores que só queriam precipitar os acontecimentos.

A José Bonifácio se deve seguramente a adesão de Dom Pedro ao movimento emancipador. E sua orientação foi fundamental para que este se desse sem transbordamentos inúteis, sem choques. Como medida preliminar, entendia-se necessária a união das províncias - mas no Pará, na Bahia, no Maranhão, não faltava quem quisesse continuar na dependência das Cortes. A posição de Pernambuco parecia-lhe ambígua. Sua primeira atitude foi assegurar a adesão efetiva de Minas Gerais e por isso fez o Príncipe Regente viajar para lá. Essa viagem serviu para uma radical transformação de ânimo em Dom Pedro. Em sua ausência, por decreto de 23/03/1822, cabia a José Bonifácio como ministro do Reino a chefia do governo.

Nos primeiros meses os dois se entenderam tão bem, de modo íntimo e sem etiquetas, e Dom Pedro vinha vê-lo para despachar em sua casa no Rossio Grande (atual Praça Tiradentes ). Com isso, despertaram ciúmes no grupo de patriotas cariocas, que desejavam influência, entrar para o governo, manejar o poder. Esse grupo foi o indutor de que o título de "Protetor e Defensor Perpétuo do Brasil" fosse oferecido a Dom Pedro e, a 13/05/1822, dia de gala e beija-mão do povo por ser o do aniversário do rei Dom João VIDom Pedro aceitou ser aclamado "defensor", mas disse que "o Brasil não precisava de sua proteção e a si mesmo se protegia". A iniciativa foi tomada à revelia de José Bonifácio.

O problema seguinte do ministro do Reino foi a convocação de uma Assembleia Constituinte, ideia de todos os patriotas - e desde 03/04/1822, carta do príncipe regente a José Bonifácio a considerava "o único açude que possa conter uma corrente tão forte". José Bonifácio não seria em princípio contrário, mas hesitava decerto acerca de sua oportunidade. Preferia, antes assegurar a unidade nacional, firmar a solidariedade das províncias, e temia o que chamava "as desordens das Assembleias Constituintes".

Mas, as Cortes continuavam em seu propósito de fazer o Brasil voltar à situação colonial, sentia a necessidade de uma ação imediata. Fez-se, então, uma representação a Dom Pedro, em 23/05/1822, para que a convocasse sem demora. Dois dias antes, o príncipe regente escrevia ao pai:

"As leis feitas tão longe de nós, por homens que não são brasileiros e não conhecem as necessidades do Brasil, não poderão ser boas."

Mas, ao receber a representação, teve palavras moderadas, dilatórias, que devem ter-lhe sido inspiradas por José Bonifácio. No Rio de Janeiro não escasseavam os elementos reacionários, chamados "pés de chumbo", gente do comércio e traficantes de escravos, o que estimulava ardores nativistas e favorecia mesmo o surto de ideias radicais, nitidamente republicanas ou democráticas puras. Ganhava mais do que nunca ascendência, o grupo de Gonçalves Ledo à frente, os quais José Bonifácio considerava sôfregos agitadores.

A 01/06/1822, o príncipe regente baixou uma proclamação em que falava da pátria ameaçada e marcava para 02/06/1822 a reunião do Conselho dos Procuradores-Gerais das províncias, para saber o que pensava da constituinte. Em 24 horas o conselho lhe enviou um requerimento, em que pedia a convocação. A 03/06/1822 foi expedido decreto em que José Bonifácio convocou a Assembleia Geral Constituinte e Legislativa, no qual ainda se falava em manter a integridade da monarquia portuguesa e a união com Portugal.

Mas, a 15/06/1822 foi dado outro passo rumo à ruptura com Portugal, pois José Bonifácio comunicou ao cônsul inglês que mandava admitir nas alfândegas os navios britânicos, independente do certificado do consulado de Portugal em Londres, até que fosse nomeado um cônsul do Brasil naquela cidade. Pernambuco aderiu rapidamente ao príncipe regente, mas na Bahia a situação continuava séria e, a 15/06/1822, Dom Pedro enviou carta em que mandava o general Madeira embarcar sem demora para Portugal. Foi necessário enviar uma expedição contra ele e, como comandante, José Bonifácio indicou o general francês Pedro Labatut que já havia submetido a província de Sergipe.

Enquanto isso, em São Paulo ocorria o golpe que se chamou "A Bernarda de Francisco Inácio", do qual entretanto saíram fortalecidos os Andradas, e Martim Francisco foi nomeado ministro da Fazenda em 04/07/1822, passando Caetano Pinto de Miranda Montenegro, Marquês de Vila Real da Praia Grande, para a recém criada pasta da Justiça. As finanças estavam em estado caótico, e o novo ministro foi, como em São Paulo, inflexível com os devedores do erário, em regra os poderosos da terra, habituados a não recolherem aos cofres o que deviam. A oposição aos irmãos, com isso, só podia crescer.

A Guerra da Independência do Brasil

Em fins de julho chegaram ao Rio de Janeiro notícia de que as insensatas Cortes de Lisboa enviavam numerosa tropa para dominar o país. José Bonifácio já se entendia melhor com Gonçalves Ledo e com os membros mais destacados da maçonaria no Grande Oriente, sobretudo com o general Luís Pereira da Nóbrega de Sousa Coutinho, nomeado ministro da Guerra desde 27/06/1822. Tomou medidas da maior gravidade, como a de declarar inimigas as tropas que Portugal mandasse para o Brasil, por meio do decreto de 01/08/1822, em que Dom Pedro se dava como "regente do vasto Império do Brasil pelo consentimento e espontaneidade dos povos" e, a bem dizer, declarava guerra a Portugal.

O decreto e o manifesto que o acompanhava eram já sinal da decisão tomada: a ruptura completa. Mas eram atos dirigidos ao povo brasileiro. José Bonifácio, como ministro dos Estrangeiros, preparou o arrazoado em que se baseava o príncipe para ser levado aos demais povos. Foi ele, juntamente com Gonçalves Ledo o autor do documento de 06/08/1822: extenso, imoderado, de linguagem por vezes inconveniente, onde expunha o legítimo ressentimento por três séculos de dominação, e avisava ao mundo que os brasileiros não mais admitiriam a volta ao regime anterior.

Na cópia enviada a 14/08/1822 ao corpo diplomático acreditado no Rio de Janeiro, José Bonifácio explicou a posição do Brasil:

"Tendo o Brasil, que se considera tão livre quanto o reino de Portugal, sacudido o jugo da sujeição e da inferioridade com que o reino irmão o pretendia escravizar, e passando a proclamar solenemente a sua independência e a exigir uma assembleia legislativa dentro do seu próprio território, com as mesmas atribuições que a de Lisboa…"

Desde 12/08/1822 estavam nomeando Felisberto Caldeira Brant Pontes, o futuro Marquês de Barbacena, encarregado de negócios junto ao governo britânico; Manoel Rodrigues Gameiro Pessoa para Paris; e Luís Moutinho para Washington. Em suas instruções, redigidas por José Bonifácio, o item principal era a independência do Brasil.

Dona Leopoldina assina a declaração de Independência do Brasil
A Declaração de Independência

O príncipe regente, a 14/08/1822 partiu para São Paulo, cujo governo reacionário parecia querer desacatar José Bonifácio. Tivera antes sucesso em sua missão a Minas Gerais, pretendia repetir o êxito em São Paulo. Foi bem recebido e, "com a autoridade que suas estroinices e desmandos só mais tarde diminuiriam", pôs ordem no governo provincial. Em sua ausência ficara como regente sua mulher, a princesa Dona Leopoldina de Habsburgo, colaboradora da obra de José Bonifácio. Tinha poderes para, em Conselho de ministros, tomar com o mesmo as medidas necessárias "ao bem e à salvação do Estado".

No fim de agosto chegaram ao Rio de Janeiro três navios de Lisboa, com notícias de que as Cortes tinham decidido reduzir o príncipe a simples delegado temporário, e apenas nas províncias onde exercia autoridade, com ministros vindos de Lisboa; haviam anulado a convocação do Conselho de Procuradores e mandariam processar todos quantos tivessem procedido contra sua política. O visado era José Bonifácio, tido como o maior responsável pelos acontecimentos. Este recebeu, ao mesmo tempo, carta de seu irmão Antônio Carlos, que estava em Lisboa. E escreveu a Dom Pedro:

"O dado está lançado e de Portugal não temos a esperar senão escravidão e horrores. Venha V.A. quanto antes e decida-se, porque irresoluções e medidas d'água morna, à vista desse contrário que não nos poupa, para nada servem e um momento perdido é uma desgraça."

Com sua carta seguiram cartas de Dona Leopoldina, incitando o marido ao gesto, uma de Antônio Carlos, outra do inglês Neville Chamberlain.

O emissário, Paulo Emílio Bregaro, encontrou Dom Pedro que voltava de Santos, leu os papéis, demonstrou sua grande indignação, e, ao encontrar a Guarda de Honra que o esperava nas margens do Riacho Ipiranga, comunicou que as Cortes queriam "massacrar" o Brasil. Eram 16:30 hs do dia 07/09/1822, e o príncipe, num verdadeiro brado, exclamou:

"É tempo! Independência ou morte! Estamos separados de Portugal"

Aclamação de Dom Pedro I como Imperador do Brasil no Campo de Santana, no Rio de Janeiro
O Fim do Ano 1822: Aclamação e Tumultos

José Bonifácio, confirmado ministro do Interior e dos Negócios Estrangeiros, foi tomando providências no novo governo. Por decreto de 18/09/1822, descreveu as armas e a bandeira brasileira como se mantiveram até 1889. Por outro decreto, também de 18/09/1822, criou o tope nacional brasileiro, verde e amarelo. Noutro, concedia anistia geral para todas as passadas opiniões políticas - mas excluindo dos benefícios aqueles que se achassem presos e em processo. Pediu, pela primeira vez, demissão quando Gonçalves Ledo inspirou ao imperador um decreto mandando cessar a devassa em São Paulo.

Mas Dom Pedro, mesmo ligado a José Bonifácio, vinha sofrendo o assédio do grupo de Gonçalves Ledo, apontado como representante genuíno do sentimento popular. No dia de sua chegada de São Paulo, Dom Pedro foi tomar posse de seu cargo. Não desejava abandonar José Bonifácio, mas sim, tendo criado fé em seu destino, ganhara confiança em si mesmo e tinha o intento de ouvir outras opiniões.

Em setembro e outubro de 1822, Dom Pedro parecia ter oscilado mais que nunca, com seu temperamento nervoso, de um lado entre os patriotas, querendo tudo e disputando a primazia, e do outro, José Bonifácio, procurando chegar aos mesmos fins mas sem demagogia nem precipitações.

Este grupo preparou outra ação política importante, a da Aclamação de Dom Pedro I, a 12/10/1822, como imperador constitucional do Brasil. Estipulava-se uma cláusula do juramento prévio que o novo imperador deveria prestar à Constituição, a ser redigida por uma Assembleia Constituinte. A essa cláusula, José Bonifácio se opôs terminantemente, e foi ela a razão de seu rompimento com o grupo de Gonçalves Ledo. Mas, depois que Dom Pedro dissolveu a Constituinte, passou a exibir uma concubina, criou tribunais de exceção, fez morrer patriotas na forca, exilou e manteve José Bonifácio no exílio durante seis anos e, mais do que tudo para os "democratas", outorgou uma Constituição que não cumpriu. Gonçalves Ledo não figurou entre os liberais que se opuseram ao imperador.

O Primeiro Passo para a Independência da Bahia
A Independência na Bahia

O momento era grave, pois a Bahia, o Maranhão e o Pará continuavam fora da comunidade nacional, e havia perigo de uma reação armada de Portugal. José Bonifácio queria a aclamação de Dom Pedro como imperador, mas queria também um Poder Executivo forte, que assegurasse a ordem, e terminasse a tarefa de unir as províncias. Temia as assembleias constituintes. Na véspera da aclamação, José Bonifácio já teria retomado seu ascendente sobre Dom Pedro e, a 12/10/1822, Dom Pedro I foi aclamado imperador constitucional do Brasil em meio a grandes festas, mas sem a cláusula do juramento prévio.

A apreciação de numerosos historiadores é que, sem ele no governo, a unidade do Império teria sido preservada com dificuldades muito maiores, e o Brasil, dividido e dilacerado, não escaparia provavelmente aos transes do caudilhismo e da tirania militar. Mas houve choques com os irmãos Andrada, a 28/10/1822, Dom Pedro organizou novo gabinete, em que José Bonifácio foi substituído por José Egídio Álvares de Almeida, o Barão de Santo Amaro, seu velho companheiro em Coimbra na secretaria do Império e Estrangeiros, e Martim Francisco foi substituído na Fazenda pelo desembargador João Inácio da Cunha.

José Joaquim da Rocha iniciou um movimento pela volta dos Andradas ao poder, com intenso trabalho de propaganda, sessões tumultuosas no Senado da Câmara, manifestações populares - e José Bonifácio voltou, sendo reintegrado em seu posto por decreto de 30/10/1822. Tomou medidas rigorosas, como os exílios. Partiram para o Havre, em 20/12/1822, José Clemente Pereira, o cônego Januário e Pereira da Nóbrega. Gonçalves Ledo conseguiu fugir para Buenos Aires. Chamou-os todos, em portaria de 11 de novembro, de "furiosos demagogos e anarquistas".

José Bonifácio, ministro do Império, a quem cabia portanto dirigir a política interna, e Ministro dos Estrangeiros, ainda foi o responsável pela criação de uma Marinha de Guerra. Caldeira Brant enviou-lhe de Londres cerca de 400 marinheiros e oficiais ingleses, postos à disposição de Thomas Cochrane, ávido e experiente lobo-do-mar sem muitos escrúpulos, Conde de Dundonald, feito mais tarde Marquês do Maranhão e que se encontrava no Chile, a cuja marinha servia.

Thomas Cochrane foi contratado pelo governo imperial para fazer guerra no mar aos portugueses e às Juntas Governativas das províncias do Piauí, Maranhão e do Grão-Pará até então refratárias à separação. O governo da Província Cisplatina capitulava, por Álvaro da Costa, em 18/11/1823. No final deste ano todas as províncias estavam integradas politicamente no novo império.

Medida de guerra foi ainda o decreto de 11/12/1822, em que José Bonifácio ordenou o sequestro de todas as mercadorias nas alfândegas do Império de propriedade de portugueses, as que estivessem em mãos destes, os prédios rústicos e urbanos, as embarcações pertencentes a súditos de Portugal. Outro decreto, de 30/12/1822, elevou para 24% os direitos de importação de mercadorias portuguesas, equiparadas assim às dos demais países do mundo, salvo as da Inglaterra que, por força do tratado de 1810, continuavam a pagar 15%.

José Bonifácio, que não usava escravos em suas propriedades, escrevera ao mesmo Caldeira Brant desde outubro de 1822, pedindo para o Brasil trabalhadores rurais ingleses, para estabelecê-los no Brasil. Vieram cerca de 250, como a 16/01/1823 comunicou Caldeira Brant, inicialmente pelo navio Lawpin.

A Assembleia Constituinte: 1823

1823 foi o grande ano da Constituinte. Um decreto de 14/04/1823 fixou para 17/04/1823 a primeira reunião preparatória e, a 03/05/1823, a abertura definitiva. A opinião de José Bonifácio estava expressa na frase que Dom Pedro I pronunciou em sua coroação, na cerimônia pomposa e teatral em 01/12/1822:

"Com a minha espada defenderei a pátria, a nação e a Constituição, se for digna do Brasil e de mim!"

Era a advertência aos deputados, como o resto de sua fala, a que não perpetrassem apenas uma obra de teóricos e sonhadores. Para José Bonifácio, o mandato dos constituintes não era irrestrito, a forma de governo fora predeterminada: uma monarquia constitucional.

Num Brasil com um milhão de escravos numa população total inferior a quatro milhões, mal saído da opressão colonial, sem escolas, sem universidades, em que até 15 anos atrás não se admitia a existência de um prelo, de um jornal, a assembleia congregava muitos homens de valor - mas todos inexperientes em assuntos de técnica parlamentar e legislativa. A posição do governo se tornou menos cômoda. Surgiram logo os protestos liberais, o governo mantinha gente nas prisões sem culpa formada, ordenava deportações, coagia a imprensa. Formou-se na Constituinte uma oposição aguerrida, e José Bonifácio não possuía os dons necessários de convencimento, era mau orador, com timbre de voz antipático, não se preocupava em ser amável, não disfarçava certo tom arrogante. "Por não ser mais sereno, carrega hoje culpas que não lhe cabem", concluiu Octávio Tarquínio de Sousa, como o atentado de que foi vítima o jornalista Luís Augusto May. Enquanto isso, Dom Pedro passou a acreditar em todos os elogios, em todos os louvores, acreditando-se o herói único, autor exclusivo da independência.

José Bonifácio caiu após um episódio que envolveu o padre Francisco Muniz Tavares, deputado por Pernambuco, sobre a situação dos portugueses no Brasil. O projeto de deportação não vingou, mas deu ensejo a que se dissesse o que não deveria ter sido dito. O imperador decidiu afastar seu ministro e demiti-lo por uma questiúncula de política regional paulista. José Bonifácio se considerou demitido na noite de 15/07/1823. Seu substituto foi José Joaquim Carneiro de Campos, depois Marquês de Caravelas. Solidária, demitiu-se também sua irmã Maria Flora Ribeiro de Andrada das funções de camareira-mor da imperatriz.

Sobre este episódio comenta Maria Graham:

"...a renúncia de José Bonifácio é certa, e não menos certa a de seu irmão Martim Francisco, cuja honestidade irrepreensível à frente do Tesouro não será facilmente substituída. (…) A ideia mais geral é a de que os Andradas foram sobrepujados por um partido republicano da Assembleia. (…) Entrementes José Joaquim Carneiro de Campos é o primeiro-ministro e Manuel Jacinto Nogueira da Gama está à testa do Tesouro; homem bastante rico para ficar acima de qualquer tentação cujo caráter, quanto à integridade, está escassamente abaixo de seu predecessor."

Em uma entrevista dada em 05/09/1823 a O Tamoyo, jornal por ele fundado em agosto de 1823 após sua demissão do governo, e que só viveu três meses, ele explicou suas ideias, abriu seu coração. O homem público estava intacto, cheio de interesse pela política. Não podia afastar-se da Corte, pois era deputado à Constituinte, mas lutaria contra o que não lhe agradava. A 01/09/1823 foi lido o projeto de Constituição, com 272 artigos, do qual Antônio Carlos, seu irmão, era o relator e autor principal. Era francamente liberal, e criava um poder executivo forte, delegado ao imperador. Mas havia no seio da assembleia quatro ou cinco grupos. E, em Portugal, um golpe absolutista contra as desastradas Cortes investira novamente Dom João VI na plenitude dos poderes do Estado. Portugueses e reacionários começavam no Brasil a levantar a cabeça.

O imperador ia aos poucos cedendo, e o elemento militar luso ia-se infiltrando no exército, tornando-se perigoso e insolente. A campanha dos que se intitulavam os patriotas continuava, nacionalista e anti-portuguesa. Houve discursos de grande exaltação em novembro de 1823, depois do episódio com o boticário Davi Pamplona Corte Real. O imperador refez então seu gabinete com gente incolor ou reacionária. Francisco Vilela Barbosa, depois Marquês de Paranaguá, chegado há pouco de Portugal, foi escolhido novo ministro do Império. A tropa passou a exigir restrições à liberdade de imprensa e a expulsão dos Andradas da Assembleia. A dissolução da Constituinte tornou-se inevitável.

Segundo Maria Graham "a verdadeira causa do desprestígio de José Bonifácio estava na amante do Imperador e no Plácido. Suponho que estão vendidos ao partido português, afirma - sendo eles próprios pés de chumbo." (…) Quando os Andradas foram deportados, foi uma inglesa, Mrs. Chamberlain, senhora do cônsul inglês no Rio de Janeiro, que obteve licença para que suas esposas pudessem acompanhá-los.

José Bonifácio foi preso em casa e levado para a Fortaleza da Laje, após o golpe de força da dissolução da Assembleia pelo imperador, em 12/11/1823. Não haveria nova Constituinte - Dom Pedro I outorgaria uma Constituição a 24/03/1824, sendo esta uma adaptação do ante-projeto de Antônio Carlos, em curso na Assembleia Constituinte dissolvida.

Condenado ao exílio, deixou o Rio de Janeiro numa velha charrua, chamada Lucônia, a 20/11/1823, comandada pelo português Joaquim Estanislau Barbosa, com destino ao Havre. Após um motim durante a viagem, pararam em Vigo, na Espanha, a 12/02/1823, e quase foram apresados por navios portugueses, escapando graças à intervenção do cônsul da Inglaterra, que o procurou a bordo. Seguiram por terra para Corunha, e de barco para Bordéus, onde desembarcaram a 05/07/1823.

Exílio e Retorno

Banido, José Bonifácio foi residir em Talence, a quatro quilômetros de Bordéus, com sua família. Viveria no exílio dos 61 aos 66 anos. Martim Francisco e Antônio Carlos moravam também em Bordéus. Neste período renasceu nele o trabalhador intelectual, o homem de estudos. E a "solidão do campo", como escreveu a amigos, lhe trouxe "a mania antiga de poeta". Traduziu Virgílio e Píndaro, compôs, e em 1825, sob o pseudônimo arcádico de Américo Elísio, publicou em Bordéus as "Poesias Avulsas", gastando nisso 500 francos. Não era bom poeta, nem poeta original.

As notícias do Brasil não o podiam deixar contente. Dom Pedro I, a 25/03/1824, outorgada a Carta Constitucional, fora implacável ao abafar o movimento revolucionário do Nordeste, conhecido como Confederação do Equador, nascido da dissolução da Assembleia.

"O partido português havia assumido tal importância em setembro de 1824 que o mais leve sinal de inteligência num ministro brasileiro o derrubaria. Todos os oficiais do palácio, as mulheres inclusive são portugueses ou franco-lusitanos."

Preocupavam-no sobretudo as negociações para o reconhecimento da independência, com Portugal e a Inglaterra, que se arrastaram até agosto de 1825. O fato de o Brasil aceitar pagar dois milhões de esterlinas a Portugal lhe pareceu mais uma "carta de alforria" do que o reconhecimento. Foi impiedoso com Dom João VI, a quem chamou de "João Burro", e com Dom Pedro, a quem comparou a Pedro Malasartes. Considerava um insulto que Dom Pedro tivesse outorgado a sua amante Domitília de Castro e Canto Melo o título de Viscondessa de Santos, justamente a cidade em que nascera.

Em maio de 1826 foi instalada a primeira Assembleia Legislativa brasileira. Dom Pedro I não agiu imparcialmente na escolha dos senadores, nem se deveria esperar isso dele. Morreu o rei Dom João VIDom Pedro lhe sucedera no trono português. Porém, ele outorgou uma Carta, decretando anistia geral e abdicando em favor de sua filha Dona Maria da Glória, futura Dona Maria II.

Enquanto isso, a devassa aberta contra os Andradas se eternizava em São Paulo, avançando até 1828, e José Bonifácio permanecia em Bordéus. Neste período foi duas vezes votado como deputado pela Bahia. Antônio Carlos e Martim Francisco conseguiram autorização para o regresso e deixaram Bordéus a 26/04/1828, sendo recolhidos à Fortaleza da Ilha das Cobras, no Rio de Janeiro, a 04/07/1828, e a 06/09/1828 lograram absolvição e liberdade.

Em 1829 foi permitido a José Bonifácio retornar ao Brasil. Chegou ao Rio de Janeiro a 23/07/1829, carregando o cadáver da esposa, morta na viagem. O ministro do Império era seu adversário José Clemente Pereira, e o dos Estrangeiros o Marquês de Aracati, seu companheiro no governo provisório de São Paulo e depois também adversário.

A situação política não era das melhores, pois o imperador não se entendia com o Poder Legislativo, não escolhia ministros que desfrutassem do apoio dos deputados, entre os quais havia quem quisesse estabelecer o parlamentarismo à inglesa. O Primeiro Reinado vinha se caracterizando por uma constante instabilidade política e social. José Bonifácio teria grandes dúvidas sobre a campanha liberal dirigida por Bernardo Pereira de Vasconcelos, Evaristo da Veiga e outros.

Generoso, perdoava ao que chamava por vezes "O Rapazinho", e Dom Pedro o recebeu com alegria. Com o Marquês de Barbacena, que desembarcara no Rio de Janeiro em 16/10/1829 trazendo a nova imperatriz Dona Amélia de Leuchtenberg, sempre se entendera bem. Mas seus inimigos não o deixavam descansar e, já em março de 1830, foi acusado de estar metido em uma conspiração republicana, como insinuou o Diário Fluminense. Vivia então retirado na ilha de Paquetá.

Dom Pedro II aos 12 anos de idade vestindo o uniforme imperial de gala, 1838
Tutor dos Príncipes

Com a abdicação de Dom Pedro I em 07/04/1831, José Bonifácio foi por ele nomeado tutor de seu filho de cinco anos, o futuro Dom Pedro II. Mau marido, o imperador foi um pai dedicado e enternecido - e de todos os filhos, legítimos ou não.

O imperador assinou um decreto em que nomeava "tutor dos meus amados e prezados filhos ao muito probo, honrado e patriótico cidadão José Bonifácio de Andrada e Silva, meu verdadeiro amigo". No dia 8 de abril, José Bonifácio foi ao palácio da Boa Vista visitar os pupilos. Tinha 68 anos e seu temperamento e seu feitio não prometiam um tutor ideal. Ainda apareceria na Câmara dos Deputados, pois era suplente de Honorato José de Barros Paim.

Prestou juramento perante o Senado como tutor eleito pela Assembleia a 19/08/1831. A lei de 12/08/1831 regulava suas funções, e não lhe cabia senão nomear mestres e mordomos. Manteve Luís Aleixo Boulanger para lhes ensinar escrita, primeiras letras e geografia; o cônego Renato Pedro Boiret para mestre de francês; Simplício Rodrigues de Sá, de desenho; Lourenço Lacombe, de dança; Fortunato Mazzioti, de música. Acabou brigando com Dona Mariana Carlota de Verna Magalhães Coutinho, a quem os príncipes consideravam uma segunda mãe, e que não teria pequena parte na campanha movida contra ele.

Logo se tornou suspeito ao governo. O ministro da Justiça Diogo Antônio Feijó, que abafara dois graves levantes armados no Rio de Janeiro em 1831 e 1832, se convenceu de que José Bonifácio tivera parte no último, e o acusou formalmente.

Em 1833, o grande temor era a volta de Dom Pedro I, a restauração, um golpe "caramuru". Antônio Carlos fora mesmo à Europa para convencê-lo a retornar. A Aurora Fluminense, de Evaristo da Veiga, acusava o tutor de falta de compostura, comentando dois bailes dados no paço. Finalmente, José Bonifácio foi suspenso do cargo pelo decreto de 14/12/1833, por ato cujo verdadeiro autor era o Ministro da Justiça Aureliano Coutinho, depois Visconde de Sepetiba, que escreveu à Dona Mariana de Verna: "Parabéns, minha senhora. Custou, mas demos com o colosso em terra".

Eles estavam enganados. José Bonifácio resistiu, com energia a diversos juízes de paz que foram ao paço levar seu decreto de suspensão, pois não o considerava legal. E escreveu ao Ministro do Império: "Cederei à força, que não a tenho".

Para arrancá-lo, mobilizou-se a tropa e foi lavrada contra ele ordem de prisão. O governo prendeu-o em casa, na ilha de Paquetá. Em seu lugar foi nomeado Manuel Inácio de Andrade Souto Maior Pinto Coelho, o Marquês de Itanhaém.

Perfil e o Fim

Segundo Maria Graham, uma inglesa contemporânea, não havia lugar em que se pudesse passar meia hora com mais prazer e proveito do que na família "deste ex-ministro".

"Sua mulher é de origem irlandesa, uma O'Leary, senhora da maior amabilidade e gentileza, realmente admiradora do valor e do talento do marido. (…) Mas é o próprio José Bonifácio que me desperta maior interesse. É um homem pequeno, de rosto magro e pálido. Suas maneiras e sua conversa impressionam logo o interlocutor com a ideia daquela atividade incansável e que mais parece consumir o corpo em que habita. (…) via-se logo que era muito popular entre a gente pequena. Para comigo, como estrangeira, foi da maior cerimônia ainda que delicadamente polido, e conversou sobre todos os assuntos e de todos os países."

José Bonifácio abandonou a vida política e passou o restante de seus dias em reclusão, em sua casa na ilha de Paquetá, dentro da Baía de Guanabara. Morreu ali perto, em Niterói, aos 74 anos, no dia 06/04/1838.

Seu cadáver, embalsamado, foi levado três dias depois para o Rio de Janeiro, depositado na Igreja da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo, onde ficou exposto até o dia 25/04/1838. Nessa data, sua filha Dona Gabriela Frederica Ribeiro de Andrada o levou para Santos, sepultando-o na capela-mor da Igreja Nossa Senhora do Carmo, segundo disposição testamentária.

José Bonifácio deixou poucos bens. Foi e continuava a ser homem pobre, mas sua biblioteca contava com seis mil volumes.

Atualmente, os seus restos mortais jazem ao lado dos despojos de seus ilustres irmãos, Antônio Carlos, Martim Francisco e o padre Patrício Manuel, num monumento situado em Santos, na Praça Barão do Rio Branco 16, denominado Panteão dos Andradas, inaugurado no dia 07/09/1923.

Gabriela Frederica, uma das três filhas de José Bonifácio, casou com Martim Francisco, seu tio.
Casamento e Posteridade

José Bonifácio casou em Lisboa em 31/01/1790, na igreja de Nossa Senhora da Lapa, com uma senhora irlandesa, Narcisa Emília O'Leary, que lhe deu duas filhas.

Carlota Emília, que casou com Alexandre Antônio Vandelli, auxiliar do sogro desde 1813 na Intendência-Geral das Minas e Metais e na Academia das Ciências.

Gabriela Frederica Ribeiro de Andarda que, em 15/11/1820, casou em Santos com seu tio, Martim Francisco Ribeiro de Andrada. Voltando ao Brasil trouxe uma filha bastarda, Narcisa Cândida, assim batizada em homenagem à esposa.

Curiosidades

O Imperador Dom Pedro II, por ocasião dos festejos do cinquentenário da independência, quis outorgar à Gabriela Frederica Ribeiro de Andarda, filha de José Bonifácio, o título de Viscondessa do Ipiranga, o que foi delicadamente recusado alegando que seu pai e tios nunca aceitaram honrarias e títulos semelhantes pelos serviços que haviam prestado ao país.

Certa vez, José Bonifácio recebeu um envelope contendo seus vencimentos de ministro e os colocou dentro do chapéu. Ao sair, deixou-o na cadeira do teatro e esqueceu que o dinheiro estava ali. Chegando em casa, lembrou-se do dinheiro e não mais o encontrou. De alguma forma, o Imperador soube do fato e ordenou a Martim Francisco, então Ministro da Fazenda, que pagasse novamente a José Bonifácio o salário do mês, ao que o Ministro da Fazenda se recusou dizendo que "O Estado não é responsável pela displicência de seus empregados", e continuou: "O máximo que posso fazer é dividir meu pagamento com ele". E assim foi feito.

José Bonifácio morreu pobre e esquecido. Um amigo que o conheceu nos tempos de glória soube que estava doente e foi visitá-lo em Niterói. O amigo ficou impressionado com a modéstia da casa e mais ainda com os remendos no lençol que o cobria.

- Não repare - disse José Bonifácio, passando a mão pelo lençol.
- O que enfeia esses bordados é apenas a irregularidade do desenho…

O amigo ficou sem saber se era um disfarce, uma ironia ou um pedido de desculpas.

Atividades Maçônicas

José Bonifácio teve lugar de destaque na história da Maçonaria do Brasil como um dos principais fundadores. Foi o primeiro Grão-Mestre do Grande Oriente do Brasil sendo empossado em 19/07/1822, cargo o qual exerceu por duas oportunidades. Exerceu ainda o cargo de Soberano Grande Comendador do Supremo Conselho que é a mais alta hierarquia, responsável pelos maiores graus da Ordem Maçônica.

O Monumento a José Bonifácio atualmente, quase na esquina da Rua 40 Oeste - New York
Representações e Homenagens

Na Cultura

  • José Bonifácio já foi retratado como personagem no cinema e na televisão, interpretado por Dionísio Azevedo no filme "Independência ou Morte" (1972)
  • Leonardo Villar, na telenovela "Marquesa de Santos" (1984)

Nas Artes:

  • A cidade de Pelotas, no Rio Grande do Sul, mantém uma praça com seu nome, em frente à Catedral São Francisco de Paula, com um monumento central em sua homenagem.
  • Pantheon dos Andradas em Santos, São Paulo - No centro histórico de Santos, onde estão os seus restos mortais. Na câmara principal tem uma estátua projetada por Rodolfo Bernardelli.
  • Estátua no Bryant Park, New York - Um presente do Governo Brasileiro aos Estados Unidos, obra de José Otávio Correia Lima inaugurada em 22/04/1955 no primeiro local em que foi instalada (na Sexta Avenida esquina com a Rua 42 oeste) na presença do prefeito Roberto F. Wagner e o embaixador brasileiro nos Estados Unidos João Carlos Muniz. Muitos anos depois, porém, o monumento mudaria de lugar para o Bryant Park.
  • Estátua no Largo de São Francisco, Rio de Janeiro - Homenagem do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, obra de Louis Rochet inaugurada na presença de Dom Pedro II, no cinquentenário da Independência.
  • Retrato de José Bonifácio - Pintura a óleo, no Salão de Honra do Museu Paulista, obra de Oscar Pereira da Silva.

Belonaves:

A Marinha o considera o seu fundador e deu o seu nome a três de suas belonaves:

  • Iate José Bonifácio, incorporado à esquadra em 1915 para servir a Presidência da República. Em 1923 ainda estava em operação.
  • Cruzador José Bonifácio ou Cruzador Andrada, incorporado à esquadra em 1894. Esteve em operação até 1913.
  • Navio Hidrográfico/Auxiliar José Bonifácio, incorporado em 1932. Operou até 1963, quando esteve em Santos, participando das comemorações do bicentenário do nascimento do Patriarca da Independência José Bonifácio de Andrada e Silva.

Memória


  • Seu nome foi inserido no Livro dos Heróis da Pátria, em 21/04/2007, dentre as comemorações do quadragésimo sétimo aniversário de Brasília.
  • O Senado Federal instituiu a Medalha José Bonifácio, em sua homenagem.
  • A Universidade de Coimbra deu seu nome a uma das galerias do seu Museu Mineralógico e Geológico.
  • O Presidente Itamar Franco e o Ministro da Ciência e Tecnologia, José Israel Vargas, instituíram a Medalha Nacional do Mérito Científico que tem a efígie de José Bonifácio de Andrada e Silva através do decreto nº 772 de 16/03/1993, depois revogado e alterado pelo decreto nº 4.115 de 06/02/2002.
  • A Sociedade Brasileira de Geologia instituiu em 1958 a Medalha de Ouro José Bonifácio de Andrada e Silva com o objetivo de homenagear profissionais das Geociências, associados da Sociedade Brasileira de Geologia, que tenham contribuído para o desenvolvimento e avanço do conhecimento geológico.
  • O município de Santos instituiu a Medalha e o Diploma do Mérito José Bonifácio.
  • O município de José Bonifácio recebeu este nome em sua homenagem.
  • A Rua José Bonifácio no bairro de São Domingos na cidade de Niterói recebeu este nome em sua homenagem. É justamente a rua onde residiu nos seus últimos anos de vida.
  • O governo do Estado de São Paulo instituiu a "Semana do Patriarca da Independência" em sua homenagem.
  • A um mineral do grupo da granadas foi dado o nome de andradita, em sua homenagem.

Obras


  • 1813 - "Sobre As Minas De Carvão-de-Pedra Em Portugal", publicado no Patriota, Rio de Janeiro.
  • 1813 - "Há Terrenos Que Pelo Arado Não Dão Fruto, Mas Sendo Cavados Com o Picão Sustentam Mais Do Que Se Fossem Férteis", memória, publicada no Patriota, Rio de Janeiro.
  • 1814 - "Experiências Químicas Sobre a Quina do Rio de Janeiro, Comparada Com Outras"
  • 1814-1815 - "Memória Minerográfica da Serra Que Decorre de Santa Justa até Santa Comba e Suas Vizinhanças na Província do Minho", Museu Paulista, Coleção José Bonifácio, Doc. 290.
  • 1815 - "Sobre a Necessidade e Utilidade do Plantio de Novos Bosques em Portugal, Particularmente de Pinhais Nos Areais de Beira-Mar; Seu Método de Sementeira, Custeamento e Administração"
  • 1815 - "A Primavera"
  • 1817 - "Memória Sobre a Nova Mina de Ouro da Outra Banda do Tejo, Chamada Príncipe Regente"
  • 1818 - "Memória Sobre as Pesquisas e Lavra dos Veios de Chumbo de Chacim, Souto, Ventozello, e Villar de Rey na Província de Trás-os-Montes"
  • 1818 - "História da Academia Real das Ciências de Lisboa, Para o Ano de 1818", discurso histórico recitado na sessão de 24/06/1818".
  • 1820 - "Memória Econômica e Metalúrgica", sobre a fábrica de ferro em Sorocaba, que visitaria pela segunda vez em 1821, com duras críticas à "má administração antiga e nova", aos "abusos e ladroeiras", o que iria suscitar a má vontade, a ira e a vingança do filho do diretor, o historiador Varnhagen.
  • 1825 - Poesias Avulsas
  • S/D - "Memória Minerográfica Sobre o Distrito Metalífero Entre os Rios Alva e Zêzere", Museu Paulista, Coleção José Bonifácio, Doc. 291.

Fonte: Wikipédia

Luz del Fuego

DORA VIVACQUA
(50 anos)
Atriz, Bailarina, Vedete, Naturista, Escritora e Feminista

☼ Cachoeiro de Itapemirim, ES (21/02/1917)
┼ Rio de Janeiro, RJ (19/07/1967)

Dora Vivacqua, mais conhecida pelo nome artístico Luz del Fuego, foi uma dançarina, naturista, atriz, escritora e feminista brasileira nascida em Cachoeiro de Itapemirim, ES, no dia 21/02/1917.

Destacou-se como pioneira na implementação do naturismo no Brasil entre os anos 1940 e 1950, tendo sido a fundadora do primeiro reduto naturista da América Latina e a primeira nudista brasileira. É também reconhecida por sua contribuição na luta pela emancipação das mulheres.

Nascida no Espírito Santo, Dora Vivacqua pertencia a uma família de intelectuais e políticos, que realizava em sua residência reuniões literárias com a presença de relevantes personalidades do modernismo brasileiro, em Belo Horizonte, onde se estabeleceu em 1920.

Bacharelada em Ciências e Letras, optou por apresentar-se no picadeiro de um circo sob o pseudônimo Luz Divina, em 1944, antes de o substituir por Luz del Fuego, dançando com um casal de serpentes enrolado em seu corpo quase sempre nu. As performances da moça logo provocaram furor por todo o país e transformaram-na em uma das principais atrações dos populares teatros de revista. Embora repudiada pelos mais conservadores, que a consideravam "uma ameaça aos bons costumes", Luz del Fuego atraía enorme público para os seus espetáculos e tornou-se uma das vedetes mais conhecidas dos anos 1950 no Brasil, recebendo propostas para excursionar pelo exterior.

Por suas apresentações enfrentou forte repressão das autoridades em algumas cidades, sendo, em várias delas, expulsa ou impedida de entrar.

No final dos anos 1940, começou a expor os seus ideais existencialistas, naturistas, em defesa dos direitos da mulher e da liberdade de expressão, e em combate aos preconceitos sociais. Escreveu dois livros, em um dos quais lançava a teorização do movimento naturista brasileiro e, como resultado, viu-o ser banido das livrarias.

Tentou candidatar-se a deputada federal com um partido político por ela fundado, mas impedido de ser registrado, e aventurou-se esporadicamente em algumas produções cinematográficas ao longo dos anos 1950. Por meio de uma autorização que recebeu da Marinha do Brasil, foi viver em uma ilha por ela rebatizada de Ilha do Sol, onde fundou o Clube Naturalista Brasileiro.

Apesar da popularidade de seus espetáculos, a artista sofreu dificuldades financeiras em seus últimos anos de vida. Luz del Fuego foi assassinada, juntamente com o seu caseiro, por dois pescadores na Ilha do Sol, em 19/07/1967. Seus corpos foram lançados ao mar, mas recuperados em 02/08/1967.

Sua história foi tema do documentário "A Nativa Solitária" (1954), recuperado pelo Arquivo Público do Estado do Espírito Santo (APEES), de cujo acervo faz parte, bem como de um filme que leva o seu nome lançado em 1982.

Luz del Fuego com uma de suas serpentes, em 1945
Primeiros Anos

Dora Vivacqua nasceu em 21/02/1917, em Cachoeiro de Itapemirim, no Espírito Santo. Décima-quinta filha de José Antônio VivacquaEtelvina Souza Monteiro Vivacqua, mudou-se com a sua família para Belo Horizonte, Minas Gerais, em 1920, quando tinha 3 anos de idade.

Oriunda de uma tradicional família de políticos e intelectuais descendente da imigração italiana no Espírito Santo, residiu no chamado Salão Vivacqua nos anos seguintes, onde saraus mensais frequentados por Carlos Drummond de Andrade e Pedro Nava eram realizados.

Em Minas Gerais, descobriu o serpentário da Fundação Ezequiel Dias, que logo se tornou o seu lugar preferido, e começou a participar, aos 4 anos, dos saraus promovidos pela turma modernista de Belo Horizonte. Concluiu o ensino superior e bacharelou-se em Ciências e Letras.

Desde muito cedo, Dora Vivacqua exibiu comportamento rebelde, recusando-se a acatar ordens ou opiniões sobre o que fazia. Costumava caminhar pela praia de Marataízes somente de roupa íntima e bustiê improvisado com lenços. Nos carnavais, sempre aparecia com curtas fantasias confeccionadas por si, e tinha verdadeira aversão às convenções sociais e às ideologias conservadoras que lhe eram impostas. Certa vez, aos 20 anos, fugiu para o Rio de Janeiro, e, após ser encontrada pela família, foi enviada ao Colégio da Imaculada Conceição, em Botafogo, do qual se retirou após atingir a maioridade, à época, 21 anos.

Em 1929, a família retornou para Cachoeiro de Itapemirim, onde, em 19/08/1932, seu pai foi assassinado por um grupo de pessoas que, dias antes, ele expulsara de um dos seus terrenos. Com o falecimento do marido, Etelvina resolveu retornar para Belo Horizonte com as filhas que ainda não tinham casado, mas Dora Vivacqua, pouco tempo depois, foi morar no Rio de Janeiro sob a tutela de Attilio, um de seus irmãos.


No Rio de Janeiro, foi introduzida ao meio artístico e cultural pelo radialista César Ladeira, da Rádio Mayrink Veiga, e, mais tarde, conheceu José Mariano Carneiro da Cunha Neto, no Cassino da Urca, que a levou aos locais frequentados pela elite brasileira.

Embora inicialmente tranquilizada, a família Vivacqua logo enfrentou problemas com o comportamento da garota, especialmente o seu irmão. Contrariando-o, ela ingressou na equipe de um circo aos 15 anos e Atillio, então eleito deputado constituinte, decidiu mandá-la de volta para Belo Horizonte a fim de evitar o envolvimento de seu nome em escândalos.

Após retornar para Belo Horizonte, foi morar com a irmã Angélia e seu marido, Carlos, que começou a assediá-la. Quando flagrado pela esposa, ele convenceu-a de que foi Dora Vivacqua a responsável pelo acontecido e fez a família considerá-la esquizofrênica, o que resultou no internamento da moça no Instituto Raul Soares por um período de dois meses em 1936.

Quando deixou o manicômio, a jovem havia perdido 10 kg e, por sugestão de seu irmão Achilles, que com ela estava preocupado, foi morar na fazenda de Archilau, um outro irmão. Lá, desfrutava de imensa liberdade apesar de sempre estar acompanhada do filho do administrador da fazenda, para quem resolveu aparecer um dia como "Eva", usando apenas três folhas de parreira amarrados aos seios e à região do púbis, e duas cobras-cipós envoltas em seus braços. Ao ser repreendida pelo irmão, Dora Vivacqua agrediu-o e, consequentemente, foi mais uma vez internada em uma clínica psiquiátrica, desta vez na Casa de Saúde Drº Eiras, no Rio de Janeiro. Achiles novamente interveio a seu favor e, após deixar o local, ela foi viver com outra irmã, Mariquinhas, em Cachoeiro de Itapemirim.

O espírito rebelde da jovem, porém, ainda era muito vívido e, em novembro de 1937, Dora Vivacqua fugiu de volta para o Rio de Janeiro, onde reatou o romance com Mariano, mas nunca quis oficializar a relação, que durou 5 anos. Novamente na, à época, capital do país, conseguiu, com o auxílio de Fernando de Sousa Costa, então Ministro da Agricultura, ingressar em um aeroclube para adquirir um brevê e, pouco depois, começou a praticar paraquedismo, mas parou de fazê-lo por exigência de Mariano. As desavenças entre o casal intensificaram-se quando Dora Vivacqua matriculou-se em um curso de dança de Eros Volúsia. Mariano exigia-lhe o abandono das aulas, mas ela o ignorou. Deixou-o após descobrir que ele mantinha uma relação amorosa com outra mulher.

O Sucesso de Luz del Fuego e as Teorias Naturistas

Depois de pôr um fim ao seu romance com MarianoDora Vivacqua decidiu seguir a carreira artística, por volta de 1942. Dizem algumas fontes, sem base documental, que Dora Vivacqua estreara em um circo chamado Pavilhão Azul, em 1944, sob o pseudônimo Luz Divina, de modo que somente adotou o nome artístico com o qual se tornou famosa em 1947, por sugestão de um palhaço chamado Cascudo. Essas informações, amplamente difundidas em biografias on-line e impressas da artista, contradizem os jornais dos anos 1940, que trazem informações sobre a estreia de Luz del Fuego, já com este pseudônimo, no Teatro de Tevista em agosto de 1944. Corrobora esta informação uma entrevista que a artista concedera à revista Carioca, publicada em janeiro de 1944, uma vez mais a utilizar Luz del Fuego, bem como informações divulgadas sobre as suas excursões pelo exterior já como Luz del Fuego e antes de 1947. Porém, na edição de 19/01/1945, um repórter de O Jornal relatou o seguinte: "Luz del Fuego, dizem, já se chamou Luz Divina. Quase esteve em cassinos e a jiboia era sua companheira", o que pode indicar certa veracidade quanto à sua estreia no circo, apesar de o ano em que o fez ainda ser conflitante. É provável, pois, que isto tenha ocorrido entre 1942 e 1943, já que Luz del Fuego, em entrevista ao A Noite, afirmou ter-se lançado à carreira artística em 1942.

Para além da obscuridade acerca da origem de seu nome artístico, o motivo pelo qual incluiu serpentes nos seus espetáculos é também incerto. Encontra-se difundida em publicações a história de que a artista fora inspirada pela leitura de um livro sobre mulheres macedônicas que praticavam a dança com aqueles animais.

Após pesquisar no Instituto Vital Brazil, concluiu serem as jiboias as menos perigosas, portanto, as mais apropriadas para aquela finalidade. Na supracitada entrevista à revista Carioca, em 1944, Luz del Fuego afirmou que tencionava "apresentar coisas novas sem ser excêntrica [...] Idealizei a Tentação de Eva, porém tinha um medo danado das serpentes! Mas, não seria esse o motivo para fazer malograr o meu ideal. Aprendi a domesticar cobras e hoje com elas trato familiarmente!".

Sejam quais forem as origens de seu nome artístico, é fato que a artista estreou oficialmente em 1944, com espetáculos por ela idealizados - como a própria afirma, uma vez mais à revista Carioca, àquele ano -, intitulados "Tentação de Eva", "Lenda da Cobra Grande", "Baile de Cleópatra", "Macumba Para Prender Um Amor", "Frevo" (uma mistura de dança e mímica), "Batuque e Cocktail", para além de "Noturno Carioca", este escrito por Ary Barroso.

A sua primeira exibição no Teatro de Revista ocorreu em agosto de 1944, na peça "Tudo é Brasil", realizada no Teatro Recreio, propriedade de Walter Pinto, no Rio de Janeiro.

Em 1945, Luz del Fuego exibiu-se em casas de espetáculos pelo Panamá, por Uruguai e por Buenos Aires, na Argentina, e, em 1946, estreou nos cinemas nacionais, na produção "No Trampolim da Vida", em que apresentou "números excitantes com cobras vivas", nas palavras de um repórter do periódico A Scena Muda, em dezembro de 1946.


Em 1947, embarcou em uma excursão por Nova York, nos Estados Unidos, onde se apresentou em danceterias noturnas por três meses. Passou uma temporada na América do Norte entre 1947 e 1948, aprimorando os seus estudos de dança moderna. Foi também nesta época em que Luz del Fuego descobriu os filósofos existencialistas e as colônias nudistas da Europa e resolveu aprofundar os seus conhecimentos sobre os temas. Tornou-se adepta do naturismo e decidiu ser a precursora de sua implementação no Brasil, explicando:

"Já Adão e Eva andavam nus. Quando se nasce, não se traz roupa sobre o corpo. As vestes são artifícios dos quais os homens se valem para encobrir coisas naturais!"

De volta ao Brasil, em 1948, a dançarina começou a expor seus ideais e tentou resgatar a prática dos primeiros habitantes do Brasil, muito comum em países europeus desde 1903. Com a publicação do livro "A Verdade Nua", que vendeu 1752 volumes em apenas quatro dias, lançava a teorização do movimento naturista brasileiro e defendia o nudismo das acusações de imoralidade. Num trecho da obra, escreveu:

"Um nudista é uma pessoa que acredita que a indumentária não é necessária à moralidade do corpo humano. Não concebe que o corpo humano tenha partes indecentes que se precisem esconder."

Em 1949, iniciou uma série de espetáculos pelas danceterias do Norte e Nordeste do país, tendo sido impedida de apresentar-se pelas autoridades no Maranhão e submetida a restrições em Fortaleza. Embora não dominasse habilmente a dança nem a atuação, Luz del Fuego conquistou imensa popularidade com os seus espetáculos pelo país.

Luz del Fuego retornou aos teatros em maio de 1950, com papel de destaque na peça "Cutuca Por Baixo", ao lado das atrizes Dercy Gonçalves e Linda Batista, novamente no Teatro Recreio, realizando apresentações nudísticas de danças folclóricas com cinco serpentes. A produção rendeu muitos lucros, teve mais de duzentas apresentações e atraiu 195.393 espectadores em apenas dois meses de exibição.

"Era atração de bilheteria! Toda gente queria ver como era a moça das cobras!", afirmou Agnello Macedo, do Correio da Manhã, em agosto de 1950.

Luz del Fuego foi, então, contratada pelos atores Juan Daniel e Mary Daniel, proprietários do Teatro Follies, em Copacabana, para estrelar "Eva no Paraíso", que se converteu em outro êxito e fez o jornal A Manhã chamar-lhe "A atração máxima do momento".

Apesar de não ser creditada com o seu nome de batismo, a família Vivacqua não ficou contente com a profissão adotada por Dora Vivacqua, especialmente o seu irmão Attilio, que fora eleito senador e considerava a associação prejudicial à imagem dele enquanto político. Numa entrevista com a Revista do Rádio, em 1950, Luz del Fuego apontou os seus familiares como os seus principais "perseguidores", enfatizando Attilio, que se utilizava do cargo para impedi-la de exibir-se em teatros e danceterias.

Em 1951, fundou Naturalismo, a primeira revista do país a exibir genitálias em suas publicações, que teve 21 edições até 1954. Não demorou muito para voltar a sofrer repressões, pois no Brasil, àquela época, nem sequer era permitido o uso de maiô de duas peças nas praias e as suas ideias e apresentações trouxeram-lhe vários problemas, como acusações de atentado ao pudor e aos "bons costumes", diversas multas e intimações a delegacias.

Numa atuação em São Paulo, em 1951, por exemplo, foi detida durante o espetáculo devido aos seus trajes e acabou sendo multada, embora tenha declarado: "Nunca me apresentei tão vestida no palco!".

Numa de suas passagens por Belo Horizonte, em 1952, causou alvoroço entre a população e recebeu ordens do prefeito para deixar a cidade imediatamente.


Em 1953, um grupo católico de Juiz de Fora, MG, liderado pelo bispo Dom Justino José de Sant'Ana, da arquidiocese local, conseguiu fazer com que as autoridades não a permitissem apresentar-se no município. Casos semelhantes foram registrados em outras regiões, como em Sergipe e Valença, tendo sido, em ambas, impedida de atuar. Também em 1953, foi detida e condenada a seis meses de prisão por ultraje ao pudor e desacato à autoridade em uma festa carnavalesca, mas absolvida, e orientada a submeter-se a exames de sanidade mental por um representante do Ministério Público que sugeriu o seu internamento em um manicômio.

Os métodos que utilizava para promover as suas ideias, como uma aparição no Viaduto do Chá, em São Paulo, fantasiada de Iemanjá e completamente sem roupas, ou apresentações seminua em carros abertos na Avenida Atlântica, no Rio de Janeiro, em que dançava e exibia as serpentes aos que ali estivessem presentes, também resultaram em detenções.

Luz del Fuego, porém, tinha amantes influentes - como políticos e militares -, que resolviam quaisquer problemas em que se envolvesse e, quando livre, não hesitava em se dirigir às rádios e praças para tornar públicas as pressões que sofria.

Tentou lançar-se na carreira política com a fundação do Partido Naturalista Brasileiro (PNB), em 07/09/1949, que defendia o estabelecimento de espaços públicos nos quais famílias pudessem criar uma relação harmoniosa com a natureza totalmente despidos e cujo slogan, "Menos roupa e mais pão! Nossa lema é ação!", repercutiu em todo o país. A naturista o promovia durante as suas excursões pelo país, distribuindo panfletos com as escritas: "Para a fome, temos o pão. Para a sede, a água. Para a imoralidade, a nudez!".

O partido conseguiu 50 mil assinaturas apoiando-o, mas não foi registrado devido à perda dos documentos, como revelou a própria Luz del Fuego, em setembro de 1950:

"Já estava quase registrado meu partido. Para que ele fosse realmente forte, eu queria obter a adesão de um grande figurão da política. Por isso, dirigi-me ao senhor Salgado Filho, que me recebeu muito bem, dizendo que ia entender-se com o senador Getúlio Vargas para esse fim. Na última viagem que ele empreendeu ao Sul, levou consigo o meu memorial que continha as 50 mil assinaturas de adeptos do PNB. Faça ideia, agora, como sofri, quando tive noticia do trágico desastre em que pereceu o senador Salgado Filho, pois, como sabia, o documento assinado pelos meus eleitores também havia sido queimado no horrível desastre..."

Embora se tenha noticiado aquilo à época, sabe-se, hoje, que foi Attilio quem pôs fim aos documentos.

No decorrer dos anos 1950, Luz del Fuego realizou diversas apresentações pelas regiões Norte, Sul e Sudeste do país, e recebeu convites para excursionar pelos Estados Unidos e pela Europa, bem como para realizar um espetáculo para o Rei Faruk do Egito. Além disso, continuou a destacar-se nos palcos de teatros como o Teatro Recreio - com as suas apresentações baseadas no folclore brasileiro -, o Teatro República e o Teatro Follies.

Para "O Nu Através dos Tempos", que estreou em 1951, no Teatro República, por exemplo, a dançarina atraiu 293.975 espectadores em apenas um mês. Sobre o espetáculo, um repórter do periódico A Manhã declarou: "De há muito o Teatro República não registra sucesso igual!".

Luz del Fuego e Elvira Pagã foram chamadas "as responsáveis por provocar verdadeiras explosões de gargalhadas" pelo Diário da Noite, em referência ao êxito "Balança Mas Não Cai", do Teatro Carlos Gomes. O sucesso também lhe permitiu protagonizar os filmes "Folias Cariocas", "No Trampolim da Vida" e "Não Me Digas Adeus", fê-la estampar a capa da revista americana Life e consagrou-a como uma das vedetes mais populares de sua época no Brasil.

Em 1959, após 4 meses a atuar em outro êxito, "Mulher... Só Daquele Jeito", no Teatro Carlos Gomes, recebeu propostas para realizar apresentações em Las Vegas, nos Estados Unidos, remuneradas com mil dólares diários - à época, cerca de 150 mil cruzeiros.

Ilha do Sol e o Clube Naturalista Brasileiro

Quando "A Verdade Nua" foi lançada, as autoridades brasileiras conservadoras logo trataram de eliminar quaisquer sinais da publicação nas livrarias, e a obra passou, então, a ser comercializada somente por reembolso postal. Todo o dinheiro arrecadado com as vendas seria utilizado para a fundação do reduto naturalista que Luz del Fuego tanto almejava.

Na primeira metade dos anos 1950, Luz del Fuego obteve uma autorização da Marinha do Brasil para viver na ilha Tapuama de Dentro, que possui mais de oito mil metros quadrados, e a rebatizou de Ilha do Sol. Lá, fundou o Clube Naturalista Brasileiro, em 1951, o primeiro do gênero na América Latina e sobre o qual mantinha rígido controle, não permitindo a entrada de bebidas alcoólicas, proferir palavras de baixo calão nem a prática de relações sexuais na colônia, distinguindo nitidamente naturalismo de libertinagem. Também não era permitida a entrada de menores de idade e, caso uma pessoa fosse comprometida, o parceiro tinha de estar ciente de sua visita à ilha. Luz del Fuego promovia a prática de atividades esportivas, como vôlei, banhos de sol e mar, e exibia aos presentes peças teatrais e filmes, em geral, documentários sobre as colônias nudistas europeias. Pela iniciativa, recebeu uma carta dos organizadores da Confederação Nudista da América do Norte, em 1952, parabenizando-a.

A Ilha do Sol não foi incluída na lista dos roteiros turísticos do Rio de Janeiro, mas tornou-se extremamente popular e atraiu, inclusive, personalidades do cinema americano, como Errol Flynn, Lana Turner, Ava Gardner, Glenn Ford, Brigitte Bardot e Steve McQueen. Segundo o Correio da Manhã, mais de três milhões de mineiros visitaram a ilha. O local foi incluído nos registros da Federação Internacional Naturalista da Alemanha e conseguiu 240 sócios, mas todos que desembarcassem na ilha apenas podiam permanecer se ficassem completamente despidos. Com a colônia, Luz del Fuego tornou-se a primeira nudista brasileira e, em 1964, foi entrevistada por um correspondente brasileiro para uma matéria que seria publicada pela revista alemã Frieden Leden.

Últimos Anos e Assassinato

Por volta dos anos 1960, Luz del Fuego foi morar na Ilha do Sol. Àquela altura, com mais de 40 anos de idade, ela não atraía mais o interesse de homens influentes como antes e passava por dificuldade financeiras.

Entre 1960 e 1961, atuou em "Carnaval da Ilha do Sol", no Teatro João Caetano, com Wilza Carla e Costinha, e, em 1962, apresentou-se em Campos do Jordão e recebeu propostas para excursionar pela América do Sul. No entanto, afastou-se dos teatros de revista nesse mesmo ano, retornando somente em 1964 com espetáculos em São Paulo.

Numa entrevista concedida à Revista do Rádio, em 1965, Luz del Fuego afirmou ter-se ausentado dos teatros para dedicar-se à reforma da Ilha do Sol, com a qual gastou trinta milhões de cruzeiros em construções, inclusive de um restaurante nudista.

"Quando comprei e fui morar na Ilha do Sol, aquilo não passava mesmo de um recanto deserto, dentro da Baía de Guanabara. Não havia nenhuma casa. Dediquei-me, então, à construção de várias moradias, permanecendo ali meses seguidos sem vir ao Rio!"

Luz del Fuego pretendia reabrir a ilha em março para os festejos do Quarto Centenário do Rio de Janeiro. Ainda em 1965, Luz del Fuego estrelou "Boas em Liquidação", com Sônia Mamede, no Teatro Rival, que registrou boa bilheteria, e foi convidada pela Federação Internacional de Nudistas para viajar à Alemanha, onde concorria ao título de "Mais Bela Nua do Mundo".

Em outubro de 1965, Luz del Fuego queixou-se à polícia da visita de malfeitores à Ilha do Sol. Nela embarcaram os irmãos pescadores Alfredo Teixeira Dias e Mozart "Gaguinho" em busca de fortuna. Meses depois, Luz del Fuego dirigiu-se novamente às autoridades e denunciou-os pela prática de ações criminosas na região, inclusive pelo assassinato de um outro pescador, tendo informado à polícia o local onde Alfredo estava foragido.

Na noite de 19/07/1967, uma quarta-feira, Alfredo convocou o irmão para ir à Ilha do Sol para conversar com Luz del Fuego, porém, revelou durante o percurso que a pretendia assassinar para vingar-se da artista. Quando a dupla chegou à Ilha, os cães da dançarina fizeram alarde e ela apareceu em seguida, portando um revólver. Alfredo, então, disse-lhe que a embarcação por ela utilizada para transporte estava a ser furtada e convenceu-a a ir com ele atrás dos "criminosos". Ao se afastarem da ilha, ele desferiu-lhe violento golpe na região da cabeça, que a fez cair. Em seguida, abriu-lhe o abdome com golpes de arma branca. Os dois retornaram à ilha, onde encontraram o caseiro Edigar Lira e com ele fizeram o mesmo. Alfredo e Mozart, então, amarraram os corpos a pedras, lançaram-nos ao mar e depois retornaram à ilha para saquear a residência da vítima.

O desaparecimento de Luz del Fuego repercutiu nos noticiários de todo o país e chegou a ser encarado como um golpe de publicidade por alguns meios de comunicação. Tal hipótese foi descartada após o delegado Rui Dourado, da 3ª Delegacia Distrital, encontrar, no dia 23/07/1967, a residência da artista em desordem e verificar por meio de um levantamento que objetos de valor haviam sido furtados.

Foram detidos nesse dia Agildo dos Santos, ex-funcionário de Luz del Fuego, e o portuário Hélio Luís dos Santos, ex-amante da artista e apontado como o principal suspeito por tê-la agredido duas semanas antes. Mas os policiais prosseguiram com as buscas pela Ilha do Sol, por Niterói e por ilhas vizinhas, onde acreditavam estar escondido Mozart, o segundo suspeito, visto que havia, meses antes, assaltado a residência da naturista três vezes, e à procura de dois pedreiros que trabalhavam para Luz del Fuego e haviam desaparecido após o acontecido.

No dia 25/07/1967, a embarcação da dançarina foi encontrada próxima à Ilha do Braço Forte por portuários, que perceberam nela manchas de sangue e resolveram comunicar às autoridades. Também os familiares da nudista afirmaram, nesse mesmo dia, não saber onde ela estava. Cada vez mais convencidos de que a atriz havia sido assassinada, os policiais iniciaram buscas pelo mar.

Os corpos de Luz del Fuego e de Edigar Lira foram encontrados apenas em 02/08/1967.

A cerimônia fúnebre de Luz del Fuego ocorreu no dia seguinte, 03/08/1967, no Cemitério São João Batista, e foi realizada por amigos e alguns familiares. Edigar Lira foi sepultado no dia 04/08/1967.

Após ser detido, Alfredo Teixeira Dias, inicialmente, pôs a culpa no ex-amante da artista, Hélio Luís dos Santos. Segundo a sua versão, ele e Mozart "Gaguinho" pescavam quando o portuário os abordou, mostrando-lhes a embarcação em que estavam as vítimas e oferecendo-lhes recompensa para que se desfizessem dos corpos, tendo os dois aceitado a proposta. Já o seu irmão realizou tentativas de fugas, que resultaram em uma troca de tiros com policiais e no assassinato de Júlio Pereira da Silva, investigador de polícia.

Mozart "Gaguinho" entregou-se às autoridades no dia 15/08/1967 por intermédio de seu advogado e, no mesmo dia, foi acareado com Alfredo Teixeira Dias pelo delegado Godofredo Ferreira, revelando toda a verdade sobre o homicídio.

O interrogatório foi realizado no prédio da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro e Mozart inocentou Hélio Luís dos Santos. Tanto ele quanto o irmão foram condenados a 31 anos de prisão, em 1968.

Legado e Reconhecimento

Naturismo e Feminismo:

Como defende Milton Cunha, colunista do periódico O Dia, Luz del Fuego destacou-se por ser uma mulher muito à frente de seu tempo. Despida de preconceitos, a atriz pregava a volta à natureza, prezava a liberdade de expressão e foi a responsável por trazer ao Brasil movimentos que não existiam à época, como o ecologismo e o naturismo, sofrendo repressão e perseguição dos "defensores da moral".

"Infelizmente, o Brasil ainda é um país onde poucos compreendem o nudismo. Mas é necessário que alguém desperte o povo brasileiro para que compreenda a natureza, assim como Moisés despertou os judeus para a liberdade!"
(Luz del Fuego a um repórter da Revista do Rádio, em 1952)

Por ser a pioneira na prática do naturismo no Brasil, o dia 21 de fevereiro, data de nascimento de Luz del Fuego, é considerado o Dia do Naturismo no país.

Os ideais naturistas da artista permitiram a instituição da primeira área oficial do gênero no país em 1983, na Praia do Pinho, em Santa Catarina.

Em 1988, foi fundada a Federação Brasileira de Naturismo (FBrN), órgão responsável pela organização e controle das atividades naturistas no país e, em 1996, as Normas Éticas do Naturismo Brasileiro foram estabelecidas. Com a fundação do Partido Naturalista Brasileiro, como observou Ricardo Fernandez, do "A Cena Muda", em 1950, a atriz "revolucionou a política, lutando contra os preconceitos sociais", que, nas palavras da própria, constituem empecilhos ao progresso de qualquer nação, e "[por] um programa diferente destinado a libertar os oprimidos". Entre as propostas do partido, estavam a abolição da restrição imposta à prática do espiritismo e das religiões de matriz africana, o direito ao divórcio e o estabelecimento de medidas efetivas de proteção aos animais.

Luz del Fuego também é considerada um ícone para o movimento feminista brasileiro, pois desde os anos 1949 lutava pela emancipação feminina, buscando "amparar a mulher e torná-la independente" e "[tirá-la] do caos (...), dar-lhe altivez pelo trabalho, erguê-la pela honra e pelo direito que lhe cabe no seio da sociedade".

Numa entrevista concedida ao periódico A Cena Muda, em 1950, relatou:

"Defenderei com destemor a causa da mulher brasileira, tornando realidade uma antiga e justa aspiração do povo brasileiro que os preconceitos sociais jamais permitiram!"

Luz del Fuego certa vez declarou ao Diário Carioca que a luta pelos direitos da mulher, muito perseguida pelos preconceitos socais, estava entre os principais objetivos de seu partido político. Ao analisar a sua ideologia, em 1949, um repórter do Diário da Noite declarou:

"Luz del Fuego representa o protótipo da mulher moderna. Com ideias avançadas, querendo libertar-se de preconceitos sociais, idealiza e se joga à aventura, sem considerar as possíveis críticas."

Jória Motta Scolforo, do Arquivo Público do Estado do Espírito Santo, reconheceu a contribuição de Luz del Fluego para este movimento, dizendo:

"[Luz] possui papel de destaque no Espírito Santo como uma das precursoras na busca por um espaço no qual a mulher pudesse se mostrar e agir conforme as suas convicções e vontades."

Cristina Agostinho, escritora e biógrafa, chamou-a "mulher de vanguarda" por "desafiar os preconceitos da época". Similarmente, Friedmann Wendpap, colunista do Gazeta do Povo, nomeou-a "sagaz" e afirmou que ela "transitava nas bordas da vanguarda", prosseguindo:

"A vedete das vedetes fez do Rio o laboratório das suas inovações e ali encontrou a conjunção de pessoas que moldam o futuro; artistas, intelectuais, loucos de todo gênero que reverberaram os arroubos de Luz del Fuego e os amaciaram para alcançarem a condição de modismos, de coisa prafrentex!"

Luz del Fuego foi homenageada pela cantora Rita Lee, em 1975, em uma canção epônima na qual é chamada "uma mulher sem medos".

Em 2010, a naturista foi incluída na lista "Musas Que Fizeram a História do Rio", elaborada pelo portal G1.

Em 2011, na exposição "Brasil Feminino" - que narrava a trajetória social da mulher brasileira desde o período colonial -, realizada durante o XVI Encontro Nacional do Programa Nacional de Leitura, na Biblioteca Nacional do Brasil, a dançarina foi nomeada uma das "Heroínas do Século XX".

Em 2012, um repórter do Folha de S. Paulo mencionou-a como uma das mulheres históricas do Brasil por "erguer a bandeira do naturismo e zelar pela causa feminina até à morte".

Em 2013, uma colunista do Correio Braziliense escreveu que Luz del Fuego, assim como a francesa Simone de Beauvoir, notabilizou-se por "mostrar que muitas das diferenças entre os gêneros são frutos mais de uma imposição cultural do que biológica".

Numa exposição realizada pela pintora pernambucana Nathália Queiroz, em 2015, a atriz foi considerada, assim como Rita Lee, Nina Simone e a escritora Pagu, uma das representantes do empoderamento feminino. Naquele mesmo ano, durante a exposição "Tarsila e Mulheres Modernas no Rio" - que apresentou mulheres que desempenharam papéis revolucionários em suas áreas entre o fim do século XIX ao término da Segunda Grande Guerra -, realizada pelo Museu de Arte do Rio, Luz del Fuego foi citada entre as mulheres que "atuaram na desconstrução da vida puritana, questionaram a ordem patriarcal da sociedade e advogaram a emancipação da mulher" e promoveram uma "biopolítica de corrosão do poder".

Obras Literárias e Produções Cinematográficas:

No final dos anos 1940, Luz del Fuego escreveu dois livros: o primeiro, "Trágico Black-Out", publicado em 1947, é um romance noir que traz relatos comprometedores sobre a sua vida, como o abuso que sofreu de seu cunhado, Carlos, que a fez ser enviada ao manicômio Casa de Saúde Drº Eiras, e alusões à prostituição, bem como críticas à sociedade conservadora. Com uma tiragem modesta de mil exemplares, o livro teve pouca divulgação e seu irmão, o futuro senador Attilio Vivacqua, conseguiu adquirir mais da metade dos volumes e os queimou.

Na "orelha" a autora anunciava um outro livro a ser publicado, intitulado "Rendez-vous Das Serpentes", o que nunca foi concretizado. Na introdução ela escreveu:

"Ao publicar o meu primeiro livro, a minha sensação é a mesma de quando me desnudei diante do primeiro homem. É a voz do íntimo que aqui se desnuda. Não é o 'manto diáfano da fantasia' que pretendo oferecer ao leitor e sim aquilo que colhi dentro da vida, numa ampliação real dos que vivem e amargam sob um sensualismo incontido, e em volta do qual vibram numa inquietante inveja, numa constante ambição e num angustioso duelo entre o Homem e o Dinheiro."

O segundo livro, "A Verdade Nua", é uma autobiografia que foi publicado no ano seguinte e, como mencionado antes, expõe os ideais de sua filosofia naturista e as suas ideias naturalistas de vegetarianismo e nudismo. A primeira edição da obra foi toda apreendida pela polícia em 1948, mas uma segunda edição foi feita em 1950 e a venda dos exemplares se fez pelo reembolso postal; continha vinte fotos da autora e três das suas cobras.

Luz del Fuego foi tema de um documentário produzido em 1954 intitulado "A Nativa Solitária", que hoje faz parte do acervo do Arquivo Público do Estado do Espírito Santo (APEES), responsável pela restauração da obra em 2013, e de um filme que leva o seu nome, lançado em 1982, dirigido por David Neves e estrelado por Lucélia Santos. No Festival de Gramado de 1982, a produção venceu os troféus de "Melhor Ator" e "Melhor Atriz" entregues para Walmor Chagas e Lucélia Santos, respectivamente.

A família de Luz del Fuego, no entanto, repudiou a produção por "deturpar a imagem da dançarina" e solicitou a sustação do filme. O roteirista Joaquim Vaz de Carvalho, em entrevista concedida ao Jornal do Brasil, considerou as acusações infundadas e recorreu à liberação da exibição da produção, afirmando que a família "sempre teve interesse em desprezar Luz del Fuego" e apenas objetivava "continuar a abafar qualquer referência a ela".

A biógrafa Cristina Agostinho, autora do livro "Luz del Fuego: A Bailarina do Povo" (1994), também discordou da maneira como Luz del Fuego foi retratada no filme, afirmando que a obra "cometeu uma série de erros de informação e se pautou pela mitologia em torno da prostituta!".

Filmografia

Teatro:
  • 1944 - Tudo é Brasil (Teatro Recreio)
  • 1950 - Cutuca Por Baixo (Teatro Recreio)
  • 1950 - Cutuca Por Baixo (Teatro Santana)
  • 1950 - Festival de Danças Brasileiras (Teatro Recreio)
  • 1950 - Eva no Paraíso (Teatro Follies)
  • 1951 - É Rei, Sim (Teatro Recreio)
  • 1951 - Balança Mas Não Cai (Teatro Carlos Gomes)
  • 1951 - A Fruta de Eva "O Nu Através dos Tempos" (Teatro República)
  • 1952 - A Verdade Nua (Teatro Follies)
  • 1952 - A Verdade Nua (Teatro República)
  • 1952 - É Grande Rei (Teatro Madureira)
  • 1953 - (Teatro Odeon)
  • 1953 - O Que é Que o Bikine Tem? (Teatro Recreio)
  • 1954 - É Sopa no Mel (Teatro República)
  • 1955 - (Teatro João Caetano)
  • 1955 - Esta Mulher é de Morte (Pauliceia)
  • 1959 - Momo e Bambolê (Teatro Paramount)
  • 1959 - Mulher... Só Daquele Jeito (Teatro Carlos Gomes)
  • 1960 - Carnaval da Ilha do Sol (Teatro João Caetano)
  • 1961 - Carnaval da Ilha do Sol (Teatro João Caetano)
  • 1964 - (São Paulo)
  • 1965 - Boas em Liquidação (Teatro Rival)

Cinema:
  • 1946 - No Trampolim da Vida
  • 1947 - Não Me Digas Adeus
  • 1948 - Folias Cariocas
  • 1948 - Poeira de Estrelas
  • 1952 - Saúde e Nudismo
  • 1954 - A Nativa Solitária
  • 1957 - Cururu, o Terror do Amazonas
  • 1959 - Comendo de Colher
  • 1969 - Tarzan e o Grande Rio

Fonte: Wikipédia