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Manoel do Côco

MANOEL FRANCISCO BASÍLIO
(67 anos)
Compositor, Embolador e Repentista

* Barcelona, RN (20/07/1947)
+ Natal, RN (02/01/2015)

Manoel Francisco Basílio, o Manoel do Côco, era considerado um dos maiores repentistas do Brasil. Natural do município de Barcelona, no interior do Rio Grande do Norte, sempre se preocupou em retratar a cultura do estado em seus trabalhos.

Durante 13 anos o embolador de Côco mais famoso do Rio Grande do Norte se apresentou em uma das mais tradicionais casa de shows artísticos de Natal, o Zás Trás, fechada há vários anos e que apresentava danças típicas regionais, capoeira, banda de música com repertório variado, grupo de forró, praça de alimentação, lojas de artesanato, além da apresentação especial de Manoel do Côco, que fazia emboladas de improviso com o público, a maioria turista, fazendo versos usando geralmente o nome e o estado de origem das pessoas.

Ele também se apresentou muito na Casa do Caranguejo, na orla da praia de Ponta Negra, assim como também nas praias do litoral potiguar, como a própria praia de Ponta Negra e outras.

Ficou conhecido tanto no Rio Grande do Norte, como em todo o Brasil por sua versatilidade e criatividade na arte do improviso, pois de forma instantânea e a qualquer momento ele fazia um repente e um jogo de versos com qualquer situação, o que também é conhecido como emboladas.

Muitas destas histórias estão imortalizadas desde 1997 quando o artista lançou o CD "Emboladas", com o qual se tornou conhecido nacionalmente. Nesse disco, interpretou as emboladas "Calor da Vaquejada", "Cheiro de Gado", "Cheiro do Norte", "Compadre Bill", "Jogo dos bichos", "Saudades do Nordeste", "Sou de Natal", e "Sou Rei da Noite", todas de sua autoria. Neste trabalho ele mostrou nos versos a cultura mais pura do Nordeste, que era muito presente em suas emboladas.


Devido a grande repercussão deste trabalho, Manoel do Côco chegou a se apresentar em programas da TV Globo, como "Domingão do Faustão", "Fantástico" e "Globo Esporte". Também se apresentou no programa de Gilberto Barros e do humorista Tom Cavalcanti, na TV Record e ainda nos programas "Comando da Madrugada", apresentado por Goulart de Andrade, além do programa "Flash", apresentado por Amaury Júnior, esses dois na TV Bandeirantes.

O artista do repente chegou até a ser reverenciado pelo escritor pernambucano Ariano Suassuna, isso em 2007 quando o autor do "Auto da Compadecida" esteve em Natal para receber o título de Cidadão Natalense na Câmara Municipal do Natal. À época, Ariano Suassuna disse sobre Manoel do Côco e sua apresentação no programa "Domingão do Faustão":

"Quando fui receber o título de Doutor Honoris Causa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Manoel do Côco que foi se apresentar. Veio-me dizer que tinha se apresentado em Faustão. Hora essa, isso é o valor subvertido. Faustão era que devia se ajoelhar para receber Manoel do Côco, um artista verdadeiro e não essas falsificações que existem por ai!"

Atualmente Manoel do Côco ocupava cargo público na Prefeitura de São Gonçalo do Amarante, lotado na Fundação Cultural Dona Militana. A nomeação foi concedida pelo prefeito Jaime Calado para que Manoel do Côco apresentasse sua arte nos eventos do município. O prefeito lamentou a morte do artista.

"A cultura popular do Rio Grande do Norte e do país está de luto. Manoel era um artista com uma capacidade criativa fantástica. Perdemos um grande compositor, embolador, repentista e um amigo querido!"

Foram 20 anos de carreira e sete CD´s gravados.

Morte

Manoel do Côco morreu em Natal, RN, aos 67 anos, na noite de sexta feira, 02/01/2015, em decorrência de um câncer. Ele estava internado há 15 dias no Hospital Santa Catarina, na Zona Norte de Natal.

O velório aconteceu no Casa de Velório Sempre, no bairro Potengi, e o enterro ocorreu às 16:30 hs de sábado, 03/01/2015, no Cemitério de Nova Descoberta.

Indicação: Miguel Sampaio

Seu Lunga

JOAQUIM DOS SANTOS RODRIGUES
(87 anos)
Sucateiro e Figura Folclórica Nordestina

* Caririaçu, CE (18/08/1927)
+ Barbalha, CE (22/11/2014)

Joaquim dos Santos Rodrigues foi um poeta, repentista e vendedor de sucata, ao qual são atribuídas diversas piadas sobre seu temperamento, criando um personagem do folclore nordestino. Seu Lunga é conhecido pela falta de paciência nas respostas.

Seu Lunga é apenas o apelido de Joaquim dos Santos Rodrigues. As piadas sobre ele escondem atrás da personagem o homem real, nascido em Caririaçu, fronteira norte de Juazeiro, em 18/08/1928. Viveu a infância com os pais e mais sete irmãos, "no meio dos matos" , afastado da cidade. O apelido lhe acompanha desde esta época, quando uma vizinha de sua família, que ele só identifica como Preta Velha, começou a lhe chamar de Calunga, que virou Lunga e pegou.

Começou a trabalhar na roça aos oito anos de idade, e admirava a criação rígida que teve de seu pai, o que marca um aspecto psicossocial do homem Lunga. Sobre a educação recebida, Lunga responde:

"Uma educação desses pais de família sérios, homem de responsabilidade, homem de caráter, homem de palavra, homem de respeito."

Lunga deixa sua postura um tanto desinteressada da conversa, para deixar transparecer sua admiração pelo pai.

Da infância traz poucas lembranças, como as brincadeiras com os colegas, que eram seus próprios irmãos. Entre os irmãos dominava a determinação do pai de que os mais novos deveriam obedecer aos mais velhos. Há também as lembranças das poucas idas à cidade, acompanhando o pai que ia vender ou comprar algo. Foi assim até aos 16 anos, quando se mudou para o Juazeiro do Norte.

A mudança para o Juazeiro do Norte se deu depois que Lunga caiu em uma cacimba e adoeceu, impedindo-o de trabalhar na roça com o pai. Lá ele aprendeu a arte de ourives, e viveu disso por dois anos. Foi nesse período que Seu Lunga aprendeu a negociar no Mercado Público da cidade, passando depois a trabalhar no comércio com sua loja de sucata que vendia de tudo, desde aparelhos de televisão a frutas. Ele era considerado pela população como uma lenda viva.

A determinação de Seu Lunga que o fez ir para a cidade, morar longe da família e conseguir sobreviver fazendo o que nunca tinha feito antes, também se mostrou quando pediu a prima em casamento.


Sem nunca terem namorado, Lunga deu a ela três dias para pensar se queria ou não casar-se com ele. Terminado o prazo, ela aceitou o pedido, e só não se casaram no dia seguinte, porque o pai da moça não deixou. O namoro então durou uns dois ou três meses.

Casado desde 1951, Seu Lunga foi pai de treze filhos, mas se ressentia de não ter podido lhes dar uma educação mais rígida, pois sua esposa "é contra se castigar um filho". Apesar disso, ele se orgulhava de todos eles, com exceção de um, terem estudado e se formado em alguma profissão (nenhum com nível superior, entretanto), ao contrário dele mesmo, que foi às aulas por apenas dois meses.

O pai Lunga refletia a rigidez do homem que deu origem a toda a construção do personagem pouco flexível, mas ao mesmo tempo deixa transparecer o orgulho comum a todos os pais: oferecer boa educação aos filhos. É interessante também notar como a realidade interiorana de Lunga influenciava em sua avaliação da educação de seus filhos. Ao dizer que quase todos os filhos eram formados, ele disszia que nenhum, entretanto, tinha "formatura alta", referindo-se à formação de nível superior.

Ora, em sua vivência, a formação acadêmica é um contexto distante, dispensável para seu estilo de vida. A pouca instrução de Seu Lunga, por outro lado, não o impedia de discorrer sobre assuntos como política, cultura, religião, nem o impediu também de candidatar-se a vereador da cidade de Juazeiro do Norte em 1988, eleição que não ganhou porque, segundo ele, teve seus votos roubados.

Além do comércio, Seu Lunga era dono de um sítio onde criava gados e plantava frutas que levava para vender em sua loja. Homem sem grandes paixões, ele se considerava "temperado". Religioso, ele se declarava devoto do Padre Cícero, o que é uma marca também da cearensidade de Seu Lunga.

Apesar disso, ele não era frequentador assíduo das missas, pois pensava que religião não era ir a uma igreja ou participar de romaria, mas ajudar àquele "que bate na porta". Em tudo isso Seu Lunga se achava feliz.

A rigidez de Seu Lunga o fazia repudiar a construção de seu personagem, pois o homem se sentia tremendamente injustiçado com as estórias que ele dizia serem inventadas. E se tem um tema que Seu Lunga sempre trazia à tona em seu discurso, era a justiça. Seu Lunga não podia perceber aqui a separação entre a construção cultural, o objeto imaginado e abstraído da realidade e a realidade em si. O homem toma o personagem como ofensa pessoal, e isso também fala de sua formação cultural e de seu caráter.

O Homem Mais Zangado do Mundo
O Personagem Seu Lunga

A fama da rudeza do Seu Lunga, "o homem mais zangado do mundo", corre o Ceará de norte a sul, nas historietas engraçadas contadas nas mesas de bar, nas rodas de amigos, nos ônibus, nos versos do cordelista.

O único que não ri dessas piadas é Seu Lunga. Para ele, o que andam contando a seu respeito é invencionice. Mas ao mesmo tempo que ele negava a veracidade das histórias, reconhecia uma origem para elas. É que ele "não fazia por menos", isto é, se perguntou errado, tem a resposta que merece. Essa era sua grande queixa com relação aos brasileiros e seu principal discurso regular, isto é, aqui e ali ele retornava a essa argumentação. É como se ele quisesse se justificar de sua grosseria.

Ele citava vários exemplos de como isso acontecia:

Um cliente entra na loja e pergunta sobre um ventilador desligado: "Está funcionando?". Indignado Seu Lunga devolve: "Como é que ele pode estar funcionando se não está ligado?". Segundo ele, essas e outras respostas a colocações mal feitas é que lhe deram a fama de ignorante.

Havia, contudo, na fala de Seu Lunga uma contradição nítida. Em alguns pontos ele reconhecia um fundo de verdade nos comentários sobre ele. Em outros, ele acha inadmissível o fato de alguém ter escrito o que ele considerava inverdades a seu respeito. Seu desgosto com os cordéis e as piadas talvez fosse esperado, mas é que sua defesa era tão acirrada, que às vezes fazia pensar que o cordelista falava dele algo que ele absolutamente não era.

Esse era um mote para uma discussão interessante: Abraão Batista (o cordelista) pode receber todas as acusações feitas da parte de Seu Lunga, pois na verdade ele conta estórias de que ouviu falar, mas que não tem nenhuma confirmação já que ele nem sequer conhece Seu Lunga. Por outro lado, ele se junta ao grupo dos que constroem o personagem Seu Lunga cada vez que uma história sobre ele é recontada, aumentada, ou até mesmo inventada.

Abraão Batista reconhece que o personagem de seus cordéis é uma construção sua, ao afirmar que se Lunga hoje é um atrativo turístico de Juazeiro do Norte, isso é devido ao cordel. É claro que a fama de Seu Lunga não é resultado da composição dos cordéis. Mas é importante notar que o processo de construção "inventada" realmente existe, isto é, o comerciante Seu Lunga virou o atrativo turístico Seu Lunga. Ele não nasceu o Seu Lunga que conhecemos hoje, ele é uma construção cultural.

Em 2008 deu entrevista ao jornal O Povo informando que todas histórias contadas em cordéis eram mentiras. Por uma ação judicial os cordelistas da região ficam proibidos de escreverem sobre sua pessoa.

Com a explosão das redes sociais, a popularidade de Seu Lunga explodiu nos últimos anos com sites oficiais que lembram das suas clássicas frases, e até com comunidades exclusivas dedicadas a figura do celebre cearense.

Morte

Seu Lunga morreu às 9:30 hs da manhã de sábado, 22/11/2014, na cidade de Barbalha, no interior do Ceará. Seu Lunga foi internado na quarta-feira, 19/11/2014, por complicações no sistema digestivo. O quadro piorou na sexta-feira, levando ao seu falecimento.

Seu Lunga tinha 87 anos e estava internado no Hospital São Vicente de Paulo, em Barbalha, onde tratava de um câncer de esôfago.

De acordo com Demontier Tenório, primo em segundo grau de Seu Lunga, há cerca de seis meses ele foi submetido a uma cirurgia no esôfago, mas se recuperava bem.

Causos e Piadas de Seu Lunga

Seu Lunga era o cabra mais ignorante do mundo. Ele não tinha muita paciência com nada. No Nordeste, sua fama se espalhou devido a histórias como essas: 

"Lunga estava tirando goteiras, defeitos das telhas de sua casa, um curioso passou e perguntou: Tá tirando as goteiras seu Lunga? Ele responde: Tô não, tô é fazendo - e ai saiu feito louco a quebrar as telhas."
"Certa vez, dando uma surra em um dos seus filhos quando ainda pequeno, o menino gritava: Tá bom pai, tá bom pai, pelo amor de deus, tá bom! Lunga responde: Tá bom? Que legal! Pois quando tiver ruim diga que eu paro."
"No seu comércio de sucata, ele também vendia outros produtos dependendo da ocasião. Uma vez tinha uma saca de arroz e um romeiro perguntou: Seu Lunga como tá o arroz? Ele respondeu: Tá cru!"
"Seu Lunga entrando em uma loja:
- Tem veneno pra rato?
- Tem! Vai levar? - Pergunta o balconista.
- Não, vou trazer os ratos pra comer aqui!!! - responde seu Lunga."
 "O Seu Lunga consegue um emprego de motorista de ônibus. No primeiro dia de trabalho, já no final do dia, ele para o ônibus em um ponto. E uma mulher pergunta:
- Motorista, esse ônibus vai para a praia?
E o Seu Lunga responde:
- Se você conseguir um biquini que dê nele..."
"O Seu Lunga estava em casa e resolveu tomar um café:
- Mulher! Traz um café!
- É pra trazer na xícara?
- Não! Joga no chão e traz com o rodo!"
"O funcionário do banco veio avisar:
- Seu Lunga, a promissória venceu.
- Meu filho, pra mim podia ter perdido ou empatado. Não torço por nenhuma promissória."
"Um sujeito foi até a loja do Seu Lunga e pediu uma porca de determinado tamanho, seu Lunga respondeu:
- Procure naquela caixa.
E o sujeito começou a procurar e no meio de tantas peças nada de conseguir achar a porca. Então exausto falou para Seu Lunga:
- Seu Lunga, não consegui achar a porca.
Indignado, Seu Lunga foi até a caixa, procurou a tal porca e a achou, então virou-se para o rapaz e respondeu:
- Eu não te disse que a porca tava aqui fi duma égua!
E jogando a porca novamente na caixa e misturando com as outras peças diz:
- Agora procura de novo direito que você acha!"
"O filho do Seu Lunga jogava futebol em um clube local, e um dia Seu Lunga foi assistir a um jogo de seu filho no estádio, e o sujeito sentado ao lado pergunta:
- Seu Lunga, qual dos jogadores ali é o seu filho?
Seu Lunga aponta e diz:
- É aquele ali...
- Aquele qual?
- Aquele ali!
- Não tô vendo...
Então Seu Lunga puto da vida pega uma pedra, joga em cima de seu filho e diz:
- É aquele ali que começou a chorar!"
"Seu Lunga, quando jovem, se apresentou à marinha para a entrevista:
- Você sabe nadar? Pergunta o oficial.
- Sei não senhor.
- Mas se não sabe nadar, como é que quer servir à marinha?
- Quer dizer que se eu fosse pra aeronáutica, tinha que saber voar!"
"Entra um sujeito na sucata de Seu Lunga, escolhe um relógio um pouco velho e pergunta:
- Seu Lunga, esse relógio presta pra tomar banho?
- Eu prefiro um sabonete – Responde Seu Lunga."
"Um conhecido de Lunga pergunta:
- Olá Seu Lunga, como anda?
Seu Lunga responde sem olhar pra pessoa:
- Com as pernas não aprendi a voar ainda."

Fonte: O Povo  e Cultura Nordestina - (Monografia apresentada ao Departamento de Comunicação Social e Biblioteconomia da Universidade Federal do Ceará - Ester de Carvalho Lindoso)
Indicação: Roner Marcelo 

Gildo de Freitas

LEOVEGILDO JOSÉ DE FREITAS
(63 anos)
Cantor, Compositor, Repentista e Trovador

* Porto Alegre, RS (19/06/1919)
+ Porto Alegre, RS (04/12/1982)

Gildo de Freitas é nome artístico do cantor e compositor brasileiro Leovegildo José de Freitas. Ele possuía um estilo muito próximo ao do também tradicionalista Teixeirinha, com quem, apesar de algumas divergências, por vezes fez parcerias e rivalizava em popularidade. Trabalhou em diversas profissões, mas era a rigor um trovador e cantador popular.

Nasceu em 19/06/1919 ás margens de estrada de chão batido, que em 1919 era principal ligação entre Porto Alegre e o Litoral Norte, no bairro Passo D'Areia então zona rural de Porto Alegre. Entretanto muitos confundem o local de nascimento achando que foi em Alegrete quando na verdade ele possui o titulo de Cidadão Alegretense mas não nasceu em Alegrete.

Seu pai Vergílio José de Freitas era Castelhano, e um sujeito muito difícil, o nome e sua mãe era Georgina Santos de Freitas.

Gildo de Freitas começou trabalhar muito cedo, aos 8 anos já puxava uma carreta carregada com frutas pela vizinhança. Se nada vendia levava uma surra do velho Vergílio. Gildo de Freitas tinha quatro irmãos, Juvenal, Alfredo, João José e Manoel José, e quatro irmãs, Maria Ledorina, Maria Geraldina, Maria José e Maria Esmeraldina, e de longe era o mais esperto dos irmãos.

Esteve na escola apenas por seis meses. A escola era onde é hoje o estádio do São José de Porto Alegre e o nome de sua professora era Dona Paulina. Desde os 12 anos volta e meia fugia de casa. Certa vez descobriu uma cancha de carreiramento em Canoas e se ofereceu para cuidar dos cavalos, e depois para cantar e tocar gaita, instrumento que aprendeu a manusear em casa, de maneira autodidata com a gaita do seu irmão Alfredo. Gildo de Freitas comprou sua gaita 8 baixos apenas quando tinha vinte anos.

Por volta dos 16 anos já era praticamente imbatível nos versos, aprendeu com outros trovadores da época tais como Inácio Cardoso, Genésio Barreto, Zezinho Fagundes, Bena Brabo. Mas seus companheiros de trovas eram Felindro Pinto de Oliveira e Otávio Martim.

Aos 18 anos Gildo de Freitas animava bailes em diversos locais da região metropolitana e um desses bailes foi interrompido no meio da noite pela policia. Otávio, 17 anos, amigo de Gildo de Freitas, responsável pela música juntamente com o Gildo, era esquentado. Reagiu a ordem dos militares dizendo que não iriam parar com o som coisa nenhuma. Os PMs não admitiram ter suas ordens desobedecidas. O clima esquentou e, garrafas e cadeiras voaram para todos os lados, e Otávio acabou sendo baleado. Ao ver a queda do amigo, Gildo de Freitas resolveu se entregar. Terminando com as brigas imaginou que o parceiro receberia atendimento logo. Acabou sendo pior pois, dominado, apanhou ainda mais. E ao ser informado da morte do companheiro, revoltou-se tanto que jamais conseguiria encarar um homem fardado sem reagir de forma virulenta.

Por essas e por outras se diz que Gildo de Freitas, gaiteiro, trovador, poeta popular e um grande brigão, jamais entrou em pé em uma delegacia. Em todas às vezes, e foram varias, que foi preso precisou ser arrastado para a cadeia e por muitos policias.

Gildo de Freitas ao longo de sua vida nunca aguentou injustiças sem intervir, daquele seu jeito jeito chucro de ser. Um cafetão explorando prostituta, um marmanjo impondo sua força contra uma mulher ou uma criança, um sujeito humilhando um bêbado, nada disso era suportável aos olhos do justiceiro Gildo de Freitas.

Politizado, assim que se tornou conhecido no meio regionalista ele se integrou aos comícios de campanha de Getúlio Vargas, Leonel Brizola, João Goulart, Alberto Pasqualini entre outros ilustres trabalhistas.


Passou a usar sua música e seu talento nos desafios de trova em prol no que ele acreditava. A trova era a arma para defender seu ponto de vista e do ponto de vista dos fracos e oprimidos. Em seus últimos anos de vida uma das atividades que ela mais praticava era a distribuição de comida aos pobres.

Essa faceta social é bem visível nas músicas que compôs e nos improvisos do repente gaudério tal qual nas músicas "Vida Brava", no clássico "Eu Reconheço Que Sou Um Grosso", "Infância Pobre" entre outras.

Gildo de Freitas era hábil tanto ao falar sobre o que conhecia, como filosofia campeira, boêmia e casos de amor, quanto ao abordar assuntos aparentemente estranhos a ele, como misticismo, fantasmas, o mundo dos sonhos e até o movimento hippie. Exemplo disso é a música "Prova de Repentista" do LP "De Estância e Estância". A música começa com um locutor anunciando Gildo de Freitas e pedindo que a platéia desse o tema para os versos do cantor, e saltou logo um gaiato pedindo versos para a vovozinha, debochando da capacidade de Gildo de Freitas em fazer versos para a vovozinha. O locutor partiu na defesa de Gildo mas como não seria diferente, ele disse que faria os versos e cantou para a vovozinha em improviso, e deu uma lição no rapaz. Assim era Gildo de Freitas, fazia versos sobre qualquer assunto, pessoa, tema, situação. Era o improviso a marca de Gildo de Freitas e a partir dessa lógica ele falava e fazia versos sobre o que lhe desse na telha.

Em 1941 Gildo de Freitas casa-se com Carminha e passa a ter morada fixa em Canoas, RS, mas continuam os contratempos com a policia. Gildo e Carminha tiveram 5 filhos: Jorge Tadeu, Neuza de Freitas, Paulo Hermenegildo, José Cláudio e Leovegildo José.

A década de 40 reservava muito sucesso a Gildo de Freitas. As trovas no Rio Grande do Sul viraram moda a partir de 1930 e dominavam festas, bailes, bares e programas regionalistas de rádio, desde os precursores, lançados pelo poeta Lauro Rodrigues, até os grandes hits da Gaúcha e Farroupilha como o Grande Rodeio Coringa. Haviam artistas metidos a repentistas por todos os lados e um público cada vez maior e mais dispostos a avaliá-los, mas Gildo de Freitas já se destacava entre eles.

Passou a frequentar os espaços mais nobres dedicados as trovas e a ganhar a vida com isso. Apesar de estabelecido em Canoas com Carminha, Gildo de Freitas não costumava passar longas temporadas em casa. Ganhar a vida com trovas significava viajar por todo estado, apresentando-se para o publico do interior, grande consumidor dos desafios de repente gaudério.

Era freqüente Gildo de Freitas encontrar novos parceiros nas rodas de trova no mercado público da capital, que situava-se próximo aos estúdios da Rádio Farroupilha e servia de ponto de encontro dos músicos regionalistas, e com eles partir em viagens pelo Rio Grande do Sul.

Por volta de 1948/1949 desapareceu de casa e chegou a ser dado como morto na capital gaúcha, mas reapareceu na fronteira gaúcha.

Em longa temporada passada no Alegrete, mal conseguiu caminhar, com problema de paralisia nas pernas. Em uma comemoração de eleição em Alegrete, foi carregado em uma cadeira para se apresentar, já que não conseguia caminhar. Mas não impediu o contato com pessoas ilustres do Rio Grande do Sul e fronteira Oeste, como Salgado Filho, Rui Ramos e o Drº Salvador Pinheiro Machado. Salgado Filho gostou tanto de Gildo de Freitas e de seus versos que lhe prometeu passagens áreas para qualquer lugar do Brasil. E por causa desse desaparecimento compôs "Carta Pra Mamãe" e "Casinha do Pé de Umbú".

Em São Borja, no ano de 1950, conheceu Getúlio Vargas e entrou em sua campanha política. Por conta dessa aproximação, a policia parou de persegui-lo, depois de ser detido umas 40 vezes ao longo da sua vida, até então mas orgulhoso por jamais ter entrado em pé em uma cadeia.

Entre 1953/1954, Gildo de Freitas conheceu Teixeirinha, com quem estabeleceu entre 1955/1959, o que o artista mais popular do estado chamaria bem ao seu jeito de "uma parceria completa, dessas em que se mergulha de pé, barriga e cabeça".


Sobre essa parceria, Nico Fagundes, apresentador do "Galpão Crioulo", em depoimento ao jornal Zero Hora, escreveu que um duelo de versos entre Gildo de FreitasTeixeirinha, podia durar horas e muitas vezes ficava sem vencedor. Um depoimento mostra que Teixeirinha também era um exímio repentista. Mas Teixeirinha ficou famoso como cantor e compositor e Gildo de Freitas ganhou fama como trovador. Lamentavelmente não existe nenhuma gravação com estes duelos, imagine o valor histórico que uma gravação dessa teria hoje.

Por volta de 1955 muda-se para o bairro Passo do Feijó e abre seu primeiro bolicho.

Com o declínio dos programas de radio ao vivo em 1961/1962, Gildo de Freitas resolveu largar a profissão de trovador e resolveu criar porcos. Mas como seu talento era para a música e repentismo e não para criação de suínos, largou a vida de criador de porco e voltou a lidar com trova e músicas. A música "Cobra Sucuri" de sua autoria e que Teixeirinha gravou em um LP de 1963 "Teixeirinha Interpreta Músicas de Amigos", chamou a atenção do produtor da gravadora de nome Pereira, e Gildo de Freitas é convidado a gravar um disco.

Em 1964 viajou a São Paulo para gravar o primeiro LP, "Gildo de Freitas o Trovador dos Pampas", com clássicos como "Acordeona", "Baile do Chico Torto", "Historia dos Passarinhos" e "Que Jeito Têm a Mariana". Alias, antes de provocar o Teixeirinha, Gildo de Freitas com a música "Que Jeito Têm a Mariana", provocou Pedro Raimundo.

Já em 1965 foi lançado o segundo LP "O Trovador dos Pampas - Vida de Camponês". Entre outras músicas estava "Baile de Respeito" que é a primeira música gravada por Gildo de Freitas em provocação a Teixeirinha.

Mantendo o ritmo, foi lançado o terceiro LP "Desafio do Padre e o Trovador", onde Gildo de Freitas trovou com o então padre Rubens Pillar (Que no fim dos anos 60, largou a batina, casou, e foi prefeito de Alegrete por 3 mandatos e ex deputado estadual, falecido recentemente), ainda tinha outros sucessos como "Definição do Grito" e também a presença de uma resposta ao Teixeirinha.

Gildo de Freitas estava então atingindo o sucesso, muitas viagens, mas as vezes precisava ficar hospitalizado devido aos problemas nas pernas e no pulmão.

Em 1968 chegou ao quarto LP intitulado "Gildo de Freitas e Sua Caravana", e seguiu as provocações e respostas ao Teixeirinha.

Em 1969 foi lançado o quinto LP "De Estância em Estância" com mais uma provocação ao Teixeirinha chamada "Resposta da Milonga". Uma provocação ao sucesso de Teixeirinha que era "Milonga da Fronteira", e a briga estava chegando ao auge. O sucesso dessa tática era evidente, pois até hoje essas trocas de versos geram repercussões.

A década de 70 marcou o auge de Gildo de Freitas e as brigas com Teixeirinha começaram a esquentar, não mais sendo tática para vender discos e sim provocações de verdade. Entre 1970 e 1980 ele gravou mais oitos LPs entre eles sucessos como o "Ídolo" e "Rei do Improviso". Mas seguiam as complicações de saúde e até capa de disco ele fotografou no hospital. Diz a lenda que até baile ele fez para os doentes, animando o hospital.

Em 1977 é inaugurada a Churrascaria Gildo de Freitas em Viamão, e nesse tempo ainda existia o Rodeio Gildo de Freitas onde os peões tinham que provar que eram bons para ficar em cima dos cavalos "velhacos" como o próprio Gildo de Freitas dizia.

Em 1981 ele gravou o LP "Rei dos Trovadores" e seguiram-se os contratempos com a saúde. As brigas com Teixeirinha foram amenizadas mas não impediu a "Resposta da Adaga de S".

Em 1982 foram realizadas suas últimas gravações. Trata-se do LP "Figueira Amiga" pela Continental, com a ultima provocação a Teixeirinha com a música "Que Negrinha Boa" e claro, com a música "Figueira Amiga".

Em novembro de 1982 foi levado aos estúdios da RBS TV por Antônio Augusto Fagundes e Ivan Trilha para sua última aparição pública em um "Galpão Crioulo". Além do apresentador Nico Fagundes estavam as Gauchinhas Missioneiras e Os Serranos. Foi a última oportunidade de ver Gildo de Freitas, sua última apresentação e talvez a única onde se viu ele debilitado e conformado.

Mas sua trova final foi em São Borja em data desconhecida. Essa trova ficou conhecida como "Mensagem Final" que está em um CD de nome "Rodeio Gildo de Freitas - Mensagem Final" da USA Discos lançado em 2001. Nesta apresentação fez versos de mais de oito minutos, praticamente se despedindo.

Gildo de Freitas morreu em 04/12/1982 e foi sepultado dia 06/121982 em Viamão, RS, no Cemitério Velho.

O dia 04/12, data de sua morte e de Teixeirinha, foi instituído como Dia Estadual do Poeta Repentista Gaúcho no Rio Grande do Sul, pela Lei Estadual RS 8.819/89.

Indicação: Miguel Sampaio

Cego Aderaldo

ADERALDO FERREIRA DE ARAÚJO
(89 anos)
Violeiro e Poeta Popular

* Crato, CE (24/06/1878)
+ Fortaleza, CE (29/06/1967)

Lendário como o Padre Cícero, como Frei Damião, Lampião, ou em termos mais recentes, tão famoso e querido quanto Luiz Gonzaga, o Cego Aderaldo vagueou por todos esses rincões ora cinza, outra, ora verdejantes do Nordeste brasileiro. Com sua rabeca melodiosa e os versos a brotar fáceis do seu estro, tornou-se uma referência regional, para ganhar depois notoriedade em todo o país.

Aderaldo Ferreira de Araújo não nasceu cego. Veio ao mundo com a luz dos seus olhos em 24 de junho de 1878, numa ruazinha suburbana da cidade do Crato. Muitos o consideravam filho de Quixadá, onde se radicou desde os primeiros meses de vida.

"Tenho aqui minha morada
como residência e pouso
Vivo alegre e cheio de vida
Que não me falta conforto
Penso que só saio daqui
Um dia depois de morto"

Versava para esclarecer a sua relação com Quixadá, onde o pai Joaquim Rufino Araújo, alfaiate de profissão, chegou naqueles finais do Século XIX com a mulher, Dona Olímpia e três filhos, dos quais Abelardo - o nome verdadeiro do famoso cego - era o caçula. Ninguém o chamaria por todo o sempre de Abelardo, e sim de Aderaldo, tomando a deficiência visual a condição de pré-nome.

Órfão bem cedo, pois tinha poucos anos quando faleceu o pai, vítima de um derrame (congestão, como se dizia outrora) que o deixou inválido por muito tempo, o que levou Aderaldo, com tenra idade, a começar a lutar pela sobrevivência. Foi aprendiz de carpinteiro, auxiliar de ferreiro, trabalhou de um tudo, "só não fui guia de cego", costumava dizer. E cego se tornaria já quando rapaz, aos 24 anos, abruptamente, em plena rua de Quixadá, após ingerir um copo d’água. Trabalhava então como ajudante de uma caldeira, sob alta temperatura. Sentiu uma sede imensa, o que o levou a pedir um copo d’água numa casa próxima. Mal acabara de sorver a água, sentiu uma dor incomensurável na cabeça, uma sensação de aperto sobre os olhos, que pareciam receber uma carga de espinhos. Em minutos, a escuridão absoluta tomou posse dele. A vida seria outra dali em diante. O que fazer, sem a vista? Cansado, adormeceu e no sono sonhou que estava cantando. E foi assim, ao levantar-se, que pela primeira vez Aderaldo recorreu à inspiração poética que guardava no peito, fazendo, em versos, uma prece a São Francisco:

"Ó Santo de Canindé
que Deus te deu cinco chagas
fazei com que este povo
pra mim faça as pagas
uma sucedendo as outras
como o mar soltando vagas"


Milagre do santinho de Canindé, protetor dos pobres e desvalidos, ou fruto da necessidade de arranjar o pão de cada dia sem a luz dos olhos, Aderaldo tomou prontamente a decisão de que não iria estender a mão à caridade, encontrando na sua arte o meio de sensibilizar o povo a oferecer-lhe "as pagas como o mar soltando vagas".

Para felicidade sua, uma moça de Quixadá, sua conhecida, e apiedando-se de sua inesperada cegueira, doou-lhe um cavaquinho, instrumento que, sem ninguém para ensinar, aprendeu a manejar em curto espaço de tempo. Todo o seu talento musical se projetaria a partir daí. Além do cavaquinho, tornou-se exímio tocador de violino (rabeca), de bandolim e quantos outros instrumentos de corda lhe caíssem às mãos.

Começaram as cantorias. Garante o pesquisador João Eudes Costa, autor de um cuidadoso estudo sobre Cego Aderaldo, que sua primeira estrofe, em som abafado, teria sido esta:

"Ah! Se o passado voltasse
todo cheio de ternura
eu ainda tendo vista
saía da vida escura.
Como o passado não volta
aumenta a minha tristeza
só conheço o abandono
necessidade e pobreza"

O desabafo de quem ainda não dimensionara toda a grandeza do seu próprio valor que iria, pouco a pouco, se afirmando nos desafios emocionantes nas feiras ou nos terreiros das fazendas, provocando lágrimas e gargalhadas dos circundantes, sempre em número crescente.

De acordo com o mesmo depoente, Aderaldo teria lhe confessado que se sentia feliz após uma cantoria, quando recebia, além de alguns niqueis  muitas prendas como milho, feijão, queijo, farinha, rapadura, essas coisas típicas do sertão, que lhe garantiam o seu sustento e de sua mãe viúva. Tinha na mãe um esteio espiritual, um objetivo de vida. Cantava e versejava pensando nela, para dar-lhe o que precisava em sua solidão na velhice.

Um dia, quando retornava risonho de um desafio de viola, com o alforje prenhe de mantimentos, deparou-se com a mãezinha querida agonizando. Morreria momentos depois, coberta pelas lágrimas derramadas dos olhos opacos do filho generoso.

A pobreza era de tal monta, que - contava Cego Aderaldo - não dispunha de vintém para fazer o sepultamento da velhinha, que teve o corpo estirado sobre uma esteira de palha, enquanto ele saía transido de dor, em busca de meios para dar um enterro cristão à mãe que idolatrava.

Soube que, no único hotel de Quixadá naquele tempo, estavam hospedados uns paroaras, como se chamavam os nordestinos que retornavam da Amazônia endinheirados. Os homens bebiam em grande algazarra, deles se aproximando, Cego Aderaldo para pedir uma ajuda destinada ao enterro da mãe. Um dos homens, muito embriagado, disse que só ganha dinheiro quem trabalha e zombou do pedinte humilhado. Mesmo assim, entre lágrimas, Aderaldo disse que diria uns versos para justificar a caridade e improvisou na hora:

"Ó Deus,
lá do alto do céu,
de sua celeste cidade,
ouça-me cantar a força
devido à necessidade:
aqui chorando e cantando
e mãe na eternidade"

E continuou soluçante:

"Perdoe-me minha mãe querida
não é por minha vontade
são as torturas da vida
que vêm com tanta maldade
chorarei meus sentimentos
de vê-la na eternidade"

Os paroaras, mesmo bêbados, não esconderam a emoção e lhe deram 20 mil réis, dinheiro bastante para as despesas com o sepultamento.


Rumo a Amazônia

A seca de 1915 provocou o esvaziamento dos sertões do Nordeste, em especial os do Ceará. Milhares e milhares de homens, mulheres e crianças embarcaram pelo porto de Fortaleza com destino a Manaus e daí para as impenetráveis florestas amazônicas. Cego Aderaldo foi um dos cearenses a ir embora, traduzindo em versos, aos que o escutam a bordo do vapor do Loide, as razões da sua partida:

"Canto para distrair
este meu curto poema
vou fugindo da miséria
que é este o penoso tema
desta terra de Alencar
deste berço de Iracema.
Fugi com medo da seca
Do pesadelo voraz
Que alarmou todo o sertão
Da cidade aos arraiás"

Não foi das mais longas a permanência de Aderaldo no Amazonas, voltando carregado pela saudade de sua terra sofrida que não tinha olhos para ver, mas um imenso coração para sentir. De sua passagem pelo "inferno verde", restou um dueto que disputou com um cantador índio por nome Azubrin.

Encontro Histórico

Em 15 de fevereiro de 1924 aconteceu em Juazeiro um encontro memorável reunindo algumas figuras marcantes do Nordeste: Padre Cícero Romão Batista, Drº Floro Bartolomeu, Virgulino Ferreira, o Lampião, e Cego Aderaldo.

Lampião quis ouvir a cantoria do célebre violeiro e Aderaldo não se fez de rogado. Puxou a rabeca, tirou a nota mais apropriada e soltou o verbo:

"Existem três coisas
que se admira no sertão:
o cantar de Aderaldo,
a coragem de Lampião
e as cousas prodigiosas do Padre Cícero Romão"

O temível cangaceiro envaideceu-se, abraçou Cego Aderaldo ofertando-lhe, na ocasião, umas moedas de vintém e uma pistola de estimação que carregava na cintura. Consta que Lampião, tirando as vezes de cantador, improvisou uns versos para Aderaldo:

"Aderaldo seu pedido
pra mim foi muito belo
se você não fosse cego
lhe dava um 'papo-amarelo'
tome esta pistola velha
que matou Antonio Castelo"

A pistola e uma das moedas são entesouradas pelo pesquisador João Eudes, de Quixadá, que as recebeu de Aderaldo alguns anos antes de sua morte.

Cego Aderaldo e a Orquestra de Crianças
Uma Orquestra em Cinema

Aderaldo não casou, mas se tornou pai adotivo de, nada menos, que 26 crianças pobres do interior nordestino, a quem cuidou com carinho e devoção paternos, educando-os e encaminhando-os na vida. Com vários deles, que possuíam ouvido para música, formou uma orquestra de cordas, que animava as suas célebres apresentações por diferentes rincões do Nordeste.

Já consagrado, não apenas nessa região, mas em todo o País, o Cego Aderaldo conseguiu fazer um vasto número de amigos. Gente importante no Brasil como o ex-Governador Adhemar de Barros, de São Paulo, que lhe presenteou com um projetor de cinema. Este projetor e a orquestra constituíam atrações nas noitadas de Aderaldo por toda parte. O mais curioso: o filme era mudo, mas Aderaldo fazia a narração dos episódios a partir do conhecimento prévio da história.

Um dos filmes que os sertanejos mais aplaudiam era a "Paixão de Cristo", um velho celuloide silencioso que, por anos seguidos, durante a Semana Santa, atraía centenas de espectadores. Num vilarejo miserável, certa feita, assistindo à fita, o cangaceiro João Vinte e Dois revoltou-se com as torturas impostas pelos judeus a Jesus Cristo. Sacou a garrucha e sapecou um tiro certeiro num dos soldados, vazando a tela improvisada.

Outra curiosa passagem da vida de Aderaldo aconteceu quando da visita de Adhemar de Barros a Quixadá. Candidato à Presidência da República, o governador paulista fez questão de receber a visita do "seu amigo Aderaldo", a quem já presenteara com o tal projetor. Aderaldo animou o encontro com suas cantorias, regadas a muita cerveja. Lá pelas tantas, sentindo que começava a ficar tonto com a bebida, chamou o guia e lhe disse em voz alta os versos que arrancaram a risada do Governador e demais convivas:

"Menino vamos s’imbora
que a cidade está em jogo
é o guia puxando o cego
e o cego puxando fogo"

Um dos 26 filhos adotivos de Aderaldo, Geraldo Rodrigues, guarda um repertório de histórias do pai, cuja memória venera fortemente. "Foi um ótimo pai, educador de todos os filhos que lhe obedeciam e lhe devotavam o maior respeito, dele recebendo em troca o maior carinho", recorda Geraldo Rodrigues.

Monumento a Cego Aderaldo em Quixada, Ceará  
Com Rogaciano Leite e Silvio Caldas

Cego Aderaldo, em suas andanças pelo Brasil, ia difundindo cultura e preservando as tradições da gente nordestina. Nessas viagens pressentia o despontar dos talentos que o sertão escondia, a exemplo do grande poeta e cantador Rogaciano Leite, que anos depois viria morar em Fortaleza, onde constituiu família, formou-se, publicou vários livros e militou na imprensa.

Rogaciano Leite andejou com Aderaldo por muitas vilas e povoados do Nordeste, antes de se tornar um nome consagrado das letras nacionais. O poeta e jornalista pernambucano tornara-se amigo de Sílvio Caldas, o célebre cantor romântico apelidado de "caboclinho querido do Brasil", sendo dele parceiro na bela canção "Cabelos Cor de Prata", que o cantor incluiu em seu repertório.

Um dia Rogaciano Leite levou Cego Aderaldo para conhecer Sílvio Caldas, que deixou gravado este depoimento formidável, em poder de Eudes Costa e com o qual, inclusive, ilustrou um extraordinário programa radiofônico sobre a vida e a obra do menestrel cearense, divulgado em emissora de Quixadá.

Nesse depoimento, Sílvio Caldas conta que teve ocasião de assistir a uma cantoria entre Cego Aderaldo e Rogaciano Leite em determinado lugarejo. Com a palavra o saudoso cantor de "Deusa da Minha Rua":

A feira estava animada, o povo em redor dos violeiros, vibrando a cada desafio. Rogaciano Leite, jovem e bonito, empolgado com a presença de muitas cabrochas atraentes na platéia, achou à certa altura de fazer uma provocação com o parceiro, dizendo mais ou menos assim:

Tô cantando com este velho
este velho que não dá mais nada
este velho todo enferrujado
já devia estar na cama deitado...

Os jovens, mais as mocinhas, gostaram da tirada e cobriram de aplausos as palavras de Rogaciano, mas Aderaldo tinha a resposta na ponta da língua:

Andei procurando um besta
e de tanto procurar um besta
encontrei este rapaz
que nem serve pra ser besta
porque é besta demais.

Cego Aderaldo liquidara ali mais um parceiro de viola, segundo o depoimento de Sílvio Caldas.

Com Os Anjos No Céu

Cego Aderaldo morreu no dia 29 de junho de 1967, aos 89 anos de idade. Partiu pobre como viveu. De herança para o filho Mário, que o acompanhou até o fim dos seus dias, uma casinha num bairro de Fortaleza que lhe fora doada pela grande escritora Rachel de Queiroz, uma das suas mais renomadas admiradoras, e outra em Quixadá. A rabeca, que adquirira no distante ano de 1916 por 200 mil réis, ele doou ainda em vida ao filho Geraldo Rodrigues.

Verdadeiro mito dos sertões, Cego Aderaldo ainda hoje é mote constante dos desafios de violas que se fazem nos pequenos burgos do interior. O cantador Adalberto Ferreira, em uma de suas cantorias, afirmava que "vi o anjo Gabriel há tempo chamado e vi Cego Aderaldo cantando com os anjos lá do céu".

Uma das primeiras homenagens ao genial cantador sertanejo se encontra em forma de estátua, defronte à rodoviária de Quixadá, num trabalho do escultor João Bosco do Vale e por iniciativa de Alberto Porfírio, também cantador, e um dos mais denodados batalhadores pelo resgate da genuína cultura do Nordeste.


Peleja de Cego Aderaldo com Zé Pretinho

Apreciem, meus leitores,
Uma forte discussão,
Que tive com Zé Pretinho,
Um cantador do sertão,
O qual, no tanger do verso,
Vencia qualquer questão.

Um dia, determinei
A sair do Quixadá -
Uma das belas cidades
Do estado do Ceará.
Fui até o Piauí,
Ver os cantores de lá.

Me hospedei na Pimenteira
Depois em Alagoinha;
Cantei no Campo Maior,
No Angico e na Baixinha.
De lá eu tive um convite
Para cantar na Varzinha.

Quando cheguei na Varzinha,
Foi de manhã, bem cedinho;
Então, o dono da casa
Me perguntou sem carinho:
- Cego, você não tem medo
Da fama do Zé Pretinho?

Eu lhe disse: - Não, senhor,
Mas da verdade eu não zombo!
Mande chamar esse preto,
Que eu quero dar-lhe um tombo -
Ele chegando, um de nós
Hoje há de arder o lombo!

O dono da casa disse:
- Zé Preto, pelo comum,
Dá em dez ou vinte cegos -
Quanto mais sendo só um!
Mando já ao Tucumanzeiro
Chamar o Zé do Tucum.

Chamando um dos filhos, disse
Meu filho, você vá já
Dizer ao José Pretinho
Que desculpe eu não ir lá -
E que ele, como sem falta,
Hoje à noite venha cá.

Em casa do tal Pretinho,
Foi chegando o portador
E dizendo: - Lá em casa
'Tem um cego cantador
E meu pai mandou dizer-lhe
Que vá tirar-lhe o calor!

Zé Pretinho respondeu:
- Bom amigo é quem avisa!
Menino, dizei ao cego
Que vá tirando a camisa,
Mande benzer logo o lombo,
Porque vou dar-lhe uma pisa!

Tudo zombava de mim
E eu ainda não sabia
Se o tal do Zé Pretinho
Vinha para a cantoria.
As cinco horas da tarde,
Chegou a cavalaria.

O preto vinha na frente,
Todo vestido de branco,
Seu cavalo encapotado,
Com o passo muito franco.
Riscaram duma só vez,
Todos no primeiro arranco

Saudaram o dono da casa
Todos com muita alegria,
E o velhote, satisfeito,
Folgava alegre e sorria.
Vou dar o nome do povo
Que veio pra cantoria:

Vieram o capitão Duda
Tonheiro, Pedro Galvão,
Augusto Antônio Feitosa
Francisco, Manoel Simão
Senhor José Campineiro
Tadeu e Pedro Aragão.

O José das Cabaceiras
E o senhor Manoel Casado,
Chico Lopes, Pedro Rosa
E o Manoel Bronzeado,
Antônio Lopes de Aquino
E um tal de Pé-Furado.

Amadeu, Fábio Fernandes,
Samuel e Jeremias,
O senhor Manoel Tomás,
Gonçalo, João Ananias
E veio o vigário velho,
Cura de Três Freguesias.

Foi dona Merandolina,
Do grêmio das professoras,
Levando suas duas filhas,
Bonitas, encantadoras -
Essas duas eram da igreja
As mais exímias cantoras.

Foi também Pedro Martins,
Alfredo e José Segundo,
Senhor Francisco Palmeira,
João Sampaio e Facundo
E um grupo de rapazes
Do batalhão vagabundo.

Levaram o negro pra sala
E depois para a cozinha;
Lhe ofereceram um jantar
De doce, queijo e galinha -
Para mim, veio um café
E uma magra bolachinha.

Depois, trouxeram o negro,
Colocaram no salão,
Assentado num sofá,
Com a viola na mão,
Junto duma escarradeira,
Para não cuspir no chão.

Ele tirou a viola
De um saco novo de chita,
E cuja viola estava
Toda enfeitada de fita.
Ouvi as moças dizendo:
- Oh, que viola bonita!

Então, para eu me sentar,
Botaram um pobre caixão,
Já velho, desmantelado,
Desses que vêm com sabão.
Eu sentei-me, ele vergou
E me deu um beliscão.

Eu tirei a rabequinha
De um pobre saco de meia,
Um pouco desconfiado
Por estar em terra alheia.
Aí umas moças disseram:
- Meu Deus, que rabeca feia!

Uma disse a Zé Pretinho:
- A roupa do cego é suja!
Botem três guardas na porta,
Para que ele não fuja
Cego feio, assim de óculos,
Só parece uma coruja!

E disse o capitão Duda,
Como homem muito sensato:
- Vamos fazer uma bolsa!
Botem dinheiro no prato -
Que é o mesmo que botar
Manteiga em venta de gato!

Disse mais: - Eu quero ver
Pretinho espalhar os pés!
E para os dois contendores
Tirei setenta mil réis,
Mas vou completar oitenta -
Da minha parte, dou dez!

Me disse o capitão Duda:
- Cego você não estranha!
Este dinheiro do prato,
Eu vou lhe dizer quem ganha:
Só pertence ao vencedor -
Nada leva quem apanha!

E nisto as moças disseram:
- Já tem oitenta mil réis,
Porque o bom capitão Duda,
Da Parte dele, deu dez
Se acostaram a Zé Pretinho,
Botaram mais três anéis.

Então disse Zé Pretinho:
- De perder não tenho medo!
Esse cego apanha logo -
Falo sem pedir segredo!
Como tenho isto por certo,
Vou pondo os anéis no dedo ...

Afinemos o instrumento,
Entremos na discussão!
O meu guia disse pra mim:
- O negro parece o Cão!
Tenha cuidado com ele,
Quando entrarem na questão!

Então eu disse: - Seu Zé,
Sei que o senhor tem ciência -
Me parece que é dotado
Da Divina Providência!
Vamos saudar este povo,
Com sua justa excelência!

Zé Pretinho:

- Sai daí, cego amarelo,
Cor de couro de toucinho!
Um cego da tua forma
Chama-se abusa-vizinho -
Aonde eu botar os pés,
Cego não bota o focinho!

Cego Aderaldo:

- Já vi que seu Zé Pretinho
É um homem sem ação -
Como se maltrata o outro
Sem haver alteração?!...
Eu pensava que o senhor
Tinha outra educação!

Zé Pretinho:

- Esse cego bruto, hoje,
Apanha, que fica roxo!
Cara de pão de cruzado,
Testa de carneiro mocho -
Cego, tu és o bichinho,
Que comendo vira o cocho!

Cego Aderaldo:

- Seu José, o seu cantar
Merece ricos fulgores;
Merece ganhar na saia
Rosas e trovas de amores -
Mais tarde, as moças lhe dão
Bonitas palmas de flores!

Zé Pretinho:

- Cego, eu creio que tu és
Da raça do sapo sunga!
Cego não adora a Deus -
O deus do cego é calunga!
Aonde os homens conversam,
O cego chega e resmunga!

Cego Aderaldo:

- Zé Preto, não me aborreço
Com teu cantar tão ruim!
Um homem que canta sério
Não trabalha verso assim -
Tirando as faltas que tem,
Botando em cima de mim!

Zé Pretinho:

- Cala-te, cego ruim!
Cego aqui não faz figura!
Cego, quando abre a boca,
É uma mentira,pura -
O cego, quanto mais mente,
Ainda mais sustenta e jura!

Cego Aderaldo:

- Esse negro foi escravo,
Por isso é tão positivo!
Quer ser, na sala de branco,
Exagerado e altivo -
Negro da canela seca
Todo ele foi cativo!

Zé Pretinho:

- Eu te dou uma surra
De cipó de urtiga,
Te furo a barriga,
Mais tarde tu urra!
Hoje, o cego esturra,
Pedindo socorro -
Sai dizendo: - Eu morro!
Meu Deus, que fadiga!
Por uma intriga,
Eu de medo corro!

Cego Aderaldo:

- Se eu der um tapa
No negro de fama,
Ele come lama,
Dizendo que é papa!
Eu rompo-lhe o mapa,
Lhe rompo de espora;
O negro hoje chora,
Com febre e com íngua -
Eu deixo-lhe a língua
Com um palmo de fora!

Zé Pretinho:

- No sertão, peguei
Cego malcriado -
Danei-lhe o machado,
Caiu, eu sangrei!
O couro eu tirei
Em regra de escala:
Espichei na sala,
Puxei para um beco
E, depois de seco,
Fiz mais de uma mala!

Cego Aderaldo:

- Negro, és monturo,
Molambo rasgado,
Cachimbo apagado,
Recanto de muro!
Negro sem futuro,
Perna de tição,
Boca de porão,
Beiço de gamela,
Vento de moela,
Moleque ladrão!

Zé Pretinho:

- Vejo a coisa ruim -
O cego está danado!
Cante moderado,
Que não quero assim!
Olhe para mim,
Que sou verdadeiro,
Sou bom companheiro -
Canto sem maldade
E quero a metade,
Cego, do dinheiro!

Cego Aderaldo:

- Nem que o negro seque
A engolideira,
Peça a noite inteira
Que eu não lhe abeque -
Mas esse moleque
Hoje dá pinote!
Boca de bispote,
Vento de boeiro,
Tu queres dinheiro?
Eu te dou chicote!

Zé Pretinho:

- Cante mais moderno,
Perfeito e bonito,
Como tenho escrito
Cá no meu caderno!
Sou seu subalterno,
Embora estranho -
Creio que apanho
E não dou um caldo...
Lhe peço, Aderaldo,
Que reparta o ganho!

Cego Aderaldo:

- Negro é raiz
Que apodreceu,
Casco de judeu!
Moleque infeliz,
Vai pra teu país,
Se não eu te surro,
Te dou até de murro,
Te tiro o regalo -
Cara de cavalo,
Cabeça de burro!

Zé Pretinho:

- Fale de outro jeito,
Com melhor agrado -
Seja delicado,
Cante mais perfeito!
Olhe, eu não aceito
Tanto desespero!
Cantemos maneiro,
Com verso capaz -
Façamos a paz
E parto o dinheiro!

Cego Aderaldo:

- Negro careteiro,
Eu te rasgo a giba,
Cara de gariba,
Pajé feiticeiro!
Queres o dinheiro,
Barriga de angu,
Barba de guandu,
Camisa de saia,
Te deixo na praia,
Escovando urubu!

Zé Pretinho:

- Eu vou mudar de toada,
Pra uma que mete medo -
Nunca encontrei cantador
Que desmanchasse este enredo:
É um dedo, é um dado, é um dia,
É um dia, é um dado, é um dedo!

Cego Aderaldo:

- Zé Preto, esse teu enredo
Te serve de zombaria!
Tu hoje cegas de raiva
E o Diabo será teu guia -
É um dia, é um dedo, é um dado,
É um dado, é um dedo, é um dia!

Zé Pretinho:

- Cego, respondeste bem,
Como quem fosse estudado!
Eu também, da minha parte,
Canto versos aprumado -
É um dado, é um dia, é um dedo,
É um dedo, é um dia, é um dado!

Cego Aderaldo:

- Vamos lá, seu Zé Pretinho,
Porque eu já perdi o medo:
Sou bravo como um leão,
Sou forte como um penedo
É um dedo, é um dado, é um dia,
É um dia, é um dado, é um dedo!

Zé Pretinho:

- Cego, agora puxa uma
Das tuas belas toadas,
Para ver se essas moças
Dão algumas gargalhadas -
Quase todo o povo ri,
Só as moças 'tão caladas!

Cego Aderaldo:

- Amigo José Pretinho,
Eu nem sei o que será
De você depois da luta -
Você vencido já está!
Quem a paca cara compra
Paca cara pagará!

Zé Pretinho:

- Cego, eu estou apertado,
Que só um pinto no ovo!
Estás cantando aprumado
E satisfazendo o povo -
Mas esse tema da paca,
Por favor, diga de novo!

Cego Aderaldo:

- Disse uma vez, digo dez -
No cantar não tenho pompa!
Presentemente, não acho
Quem o meu mapa me rompa -
Paca cara pagará,
Quem a paca cara compra!

Zé Pretinho:

- Cego, teu peito é de aço -
Foi bom ferreiro que fez -
Pensei que cego não tinha
No verso tal rapidez!
Cego, se não é maçada,
Repete a paca outra vez!

Cego Aderaldo:

- Arre! Que tanta pergunta
Desse preto capivara!
Não há quem cuspa pra cima,
Que não lhe caia na cara -
Quem a paca cara compra
Pagará a paca cara!

Zé Pretinho:

- Agora, cego, me ouça:
Cantarei a paca já -
Tema assim é um borrego
No bico de um carcará!
Quem a caca cara compra,
Caca caca cacará!

Houve um trovão de risadas,
Pelo verso do Pretinho.
Capitão Duda lhe disse:
- Arreda pra lá, negrinho!
Vai descansar o juizo,
Que o cego canta sozinho!

Ficou vaiado o pretinho
E eu lhe disse: - Me ouça,
José: quem canta comigo
Pega devagar na louça!
Agora, o amigo entregue
O anel de cada moça!

Me desculpe, Zé Pretinho,
Se não cantei a teu gosto!
Negro não tem pé, tem gancho;
Tem cara, mas não tem rosto -
Negro na sala dos brancos
Só serve pra dar desgosto!

Quando eu fiz estes versos,
Com a minha rabequinha,
Busquei o negro na sala,
Mas já estava na cozinha -
De volta, queria entrar
Na porta da camarinha!

- Fim -

Fonte: Blog Coisas Nossas e Peleja de Cego Aderaldo Com Zé Pretinho