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Anhanguera

BARTOLOMEU BUENO DA SILVA
(68 anos)
Bandeirante, Explorador e Sertanista

☼ Parnaíba, SP (1672)
┼ Vila de Goiás, GO (19/09/1740)

A história do Brasil conhece dois bandeirantes com o nome de Bartolomeu Bueno da Silva: Pai e Filho.

Bartolomeu Bueno da Silva (pai), o Anhanguera, nascido e morto em datas incertas, faz parte daqueles primeiros bandeirantes que, movidos pelas dificuldades econômicas, pelo tino sertanista e pelo espírito de aventura, partiram de São Paulo, aproveitando-se, inclusive, da localização geográfica da vila, que se assentava num centro de circulação fluvial e terrestre, para desbravar o interior do Brasil.

Desde os primeiros tempos da colonização foram constantes as arremetidas rumo ao sertão. Primeiro, numa espécie de bandeirismo defensivo, que visava garantir a expansão e a posse da terra, e que prepararia a expansão paulista do século 17, o grande século das bandeiras, aquele em que se iniciaria o bandeirismo ofensivo propriamente dito, cujo propósito era, em grande parte, o lucro imediato proporcionado pela caça ao índio. Da vila de São Paulo, especialmente, partiam as bandeiras de apresamento chefiadas por Antônio Raposo Tavares, Manuel Preto, André Fernandes, entre outros.

O apogeu do apresamento ocorreu entre 1628 e 1641, quando os paulistas resolveram arremeter contra as reduções jesuíticas espanholas, em volta das quais se agregavam centenas de indígenas sob proteção missionária.

Casa do Sertanista Anhanguera em Santana do Parnaíba
As investidas sucederam-se desde que Manuel Pinto e Antônio Raposo Tavares iniciaram os ataques à região do Guairá, em 1628, destruindo as reduções, capturando os índios e expulsando os jesuítas para a margem ocidental do rio Paraná. Depois vieram muitos outros, incluindo Bartolomeu Bueno da Silva (pai).

Gradativamente, esses sertanistas passariam do bandeirismo de apresamento para o bandeirismo minerador, em busca de minas de ouro. É nessa época que se encontra a principal bandeira de Bartolomeu Bueno da Silva.

Em 1682, sua expedição partiu de São Paulo e atravessou o território do atual Estado de Goiás, seguindo até o Rio Araguaia. Ao retornar desse rio, à procura do curso do Rio Vermelho, encontrou uma aldeia indígena do povo Goiá. Diz a lenda que as índias estavam ricamente adornadas com chapas de ouro e, como se recusassem a indicar a procedência do metal, Bartolomeu Bueno da Silva pôs fogo a uma tigela contendo aguardente, afirmando que, se não informassem o local de onde retiravam o ouro, lançaria fogo em todos os rios e fontes. Admirados, os índios informaram o local e o apelidaram de Anhanguera, em tupi, añã'gwea, que significa Diabo Velho.

Essa bandeira deu origem à lenda das minas da Serra dos Martírios, buscada por vários sertanistas, e que, segundo fontes da época, "tinha por obra da natureza uma semelhança da coroa, lança e cravos da paixão de Jesus Cristo" esculpidos em ouro e cristais.

Ainda segundo a lenda, seu filho, Bartolomeu Bueno do Silva, à época ainda um menino, o acompanhava nessa bandeira.

Anhanguera, o Filho

Bartolomeu Bueno da Silva (filho), o segundo Anhanguera, nasceu em Parnaíba, São Paulo, em 1672 e faleceu em 19/09/1740 na Vila de Goiás, em Goiás.

Em 1701, atraído pelos descobrimentos de ouro na região de Minas Gerais, o segundo Anhanguera estabeleceu-se em Sabará e, mais tarde, em São João do Pará e em Pitangui, onde foi nomeado assistente do distrito.

Os conflitos entre emboabas e mineradores de São Paulo e os levantes ocorridos em Pitangui, encabeçados por seu genro Domingos Rodrigues do Prado, levaram-no a voltar para a capitania de São Paulo e a se fixar em Parnaíba.

Em 1720 dirigiu uma representação a Dom João V, pedindo licença para voltar às terras de Goiás, onde seu pai encontrara amostras de ouro. Em troca, solicitava do soberano o direito de cobrar taxas sobre as passagens de rios.

Em 1722, sob seu comando, a bandeira seguiu para Goiás, juntamente com numerosa parentela do sertanista, que, durante quase três anos explorou os sertões goianos em busca da lendária Serra dos Martírios.

Em 1725 conseguiu encontrar ouro no Rio Vermelho, próximo à antiga capital de Goiás. Voltou à região no ano seguinte, quando, na qualidade de capitão-mor regente das minas, fundou o Arraial de Santana, elevado em 1739 à categoria de vila como Vila Boa de Goiás, atualmente Cidade de Goiás, conhecida como Goiás Velho.

Além do referido cargo, Dom João V concedeu-lhe sesmarias e a cobrança de direitos sobre a passagem de rios que conduziam às minas goianas.

No entanto, a pretexto de que o Anhanguera havia sonegado as rendas reais, o direito de passagem lhe foi retirado em 1733. Na medida em que se organizava a administração estatal de Goiás, a autoridade do sertanista ia sendo limitada pelos delegados régios.

Ao falecer, em 1740, Bartolomeu Bueno da Silva estava pobre e reduzido a um exercício de mando quase decorativo.

Na antiga capital de Goiás ainda existe a Cruz do Anhanguera, por ele levantada em 1722, e que perpetua a memória do início da colonização do território goiano.

A Expedição do Anhanguera
(José Peixoto da Silva Braga)

Após dois séculos de constante procura de pedras preciosas (ouro e diamantes) no interior da colônia, enfim, os paulistas descobriram as ricas minas da tribo Goyá. A proeza coube a expedição comandada por Bartolomeu Bueno da Silva, o Anhanguera filho, depois de uma tentativa fracassada, por quase três longos anos, perdida no desconhecido sertão goiano, onde passaram por todo o tipo de dificuldade.

A famosa expedição saiu de São Paulo em 1722, com toda a pompa da época, organizada sob as bênçãos do governador da Capitania, como o grande evento ao ano. Com um contingente de aproximadamente 250 homens, seguiu por uma estrada cavaleira percorrendo  uma rota próxima ao rio Tietê, até chegar ao Rio Grande, na divisa com Minas Gerais. Atravessaram a região onde hoje está o Triângulo Mineiro e seguiram em direção ao Rio Paranaíba para penetrar nas terras goianas, pelo rumo de Catalão, e prosseguiu margeando, posteriormente o Rio Corumbá. A partir desse local a expedição, já bastante fragilizada, devido, principalmente ao grande cansaço e a falta de mantimentos,  mudou de direção e seguiu por um caminho totalmente desconhecido, permanecendo nessa condição por quase três anos.

As terras goianas  pertenceram à Capitania de São Paulo até o ano de 1748, quando Goiás e Mato Grosso foram desmembrados e transformados em capitanias.

Cruz do Anhanguera Original

A seguir veja o precioso relato que o alferes José Peixoto da Silva Braga concedeu ao Padre Diogo Soares sobre a Expedição do Anhanhguera que fundou o primeiro povoado em terras goianas. Ambos foram membros dessa expedição.

"Saí da cidade de São Paulo a três de julho de 1722 em companhia do capitão Bartolomeu Bueno da Silva, o Anhangüera de alcunha, que era o cabo da tropa com 39 cavalos, dois religiosos bentos, frei Antonio da Conceição e frei Luiz do Sant'Anna, um franciscano, frei Cosme de Santo André, e 152 armas, entre as quais iam também vinte índios, que o Srº Rodrigo Cezar, general que então era de São Paulo deu ao cabo Bartolomeu Bueno, para a condução das cargas e necessário. Dos brancos quase todos eram filhos de Portugal, um da Bahia e cinco ou seis paulistas com os seus índios e negros e todos à sua custa.
Passado o Rio Tietê, fomos pousar neste dia junto ao mato do Jundiaí, quatro léguas distante da cidade de São Paulo. Na manhã seguinte, entramos no mato e gastamos nele quatro dias. Saídos do mato passamos o Rio Mogi, que é rio de canoa, e muito peixe tem, e dá mostras de ouro, mas com pouca conta. Aqui falhamos um dia e, no seguinte, marchando sempre ao norte, demos com um rio também de canoa, a que pusemos o nome e nele pousamos esta noite. É o caminho todo campo com alguns capões de matos, bons pastos e bastantes aguadas.
No dia seguinte passamos o rio em um vão com água pelo peito, e fomos pousar no meio do campo distância de três para quatro léguas. É todo bom caminho, bons pastos e muita caça, e tem alguns córregos com bastante peixe. Deste ponto fomos dormir distância de quatro léguas junto a um córrego, que entra como os mais no Rio Grande. Daqui passamos na manhã seguinte encostados a uns paus, e presos com uns cipós para vencermos a muita violência e grande força d'água com que corria. Neste pouso falhamos um dia, sendo a causa o requerer toda a tropa a Anhangüera lhe fizesse a resenha que lhe tinha prometido antes fazer em Mogi, e a que tinha já faltado. Escusou-se este com a promessa de que, em chegando o capitão João Leite da Silva Ortiz, seu genro, que nos tinha ficado atrás e era o outro descobridor, a faria e, caso que este não chegasse a tempo competente, a faria ele, cabo, no rio Grande.
Com esta esperança marchou toda a tropa, sete ou oito dias, sempre por campos e matos grossos, e pousando sempre à beira de córregos e rios. Não faltou em todos eles caça e peixe. Deste último pouso fomos ao Rio Grande, passamo-lo em canoas feitas de paus de sumaúma depois de dormirmos, e falhamos nele dois dias, esperando se nos fizesse a resenha prometida, mas faltou como sempre, o Anhangüera. Partiu deste sítio toda a tropa ainda junta, mas já desconfiada, e foi dormir distância de quatro léguas junto a um córrego, que deságua no Rio Grande. Aqui nos começou a faltar o mantimento, e assim nos foi preciso marchar cinco dias passando com o que dava a espingarda, pássaros, macacos, palmitos e algum mel.
No fim destes cinco dias chegamos ao Rio das Velhas, que entra no Rio Grande, é caudaloso, tem bastante peixe, mas sem mostras de ouro. Falhamos nele dois dias, pescando e caçando por ter bons matos, e para provimento da viagem. Aqui nos deixou o Anhangüera adiantando-se com parte da tropa, ficando a mais expedindo-se para seguir. Neste tempo, e ausente já o cabo, chegou João Leite com a sua gente, por cuja causa falhamos mais esse dia. No seguinte seguimos com João Leite ao Anhangüera e, depois de quatro dias de marcha, o achamos com ranchos feitos entre o mato, passamos do caminho alguns córregos, que nos permitiram o vadeá-los por ser tempo de seca.
Avistada a tropa com o cabo, lhe pediu João Leite que fizesse a resenha prometida tantas vezes não só em São Paulo, mas no sertão, porque havia desconfiado, e temia se malograsse por esta causa a empresa que ambos tinham oferecido não só ao general Rodrigo Cezar, mas ao mesmo soberano. Respondeu-lhes que a resenha era escusada, porque os emboabas, assim chamam aos reinóis, não era gente que lho merecesse. Com esta resposta, desconfiados não só os emboabas, mas ainda os poucos paulistas que nos acompanhavam, determinaram voltar-se logo para São Paulo mas, acudindo a isto João Leite, os obrigou com rogos e com promessas, e muito mais com o seu natural agrado, a que o não desamparassem.
Reduzida, a tropa se pôs em marcha depois de quinze dias de falhas, que se gastaram nestas desordens, como também em fazer algum provimento do que permitia o mato, e como este não era muito, nem todos tinham quem lhe caçasse, obrigou a alguns a matarem e comerem um cavalo que tinha quebrado uma perna, e eu fui um dos que aproveitaram dela. Aqui quisemos falhar mais alguns dias por entrarem já as águas, e temermos não só os rios e córregos, mas a falta de matos, e com ela o necessário e preciso para o sustento. Resolveu porém o cabo a marchar em ódio dos emboabas de quem era o voto. Seguiu a tropa, e fomos dormir nesse dia junto de um córrego, que tinha algum peixe, com melhores pastos e bastante mato. Aqui desconfiamos, de todo persuadidos, que o Anhangüera nos queria acabar no meio daqueles matos, e alguns houve que se resolviam a ficar, lançando roças e plantando alguns poucos pratos de milho, que tinham ainda para o seu sustento, mas o capitão João Leite os tornou de novo a animar e reduzir a que passassem avante como passaram.
Passados alguns dias de marchas, e neles alguns rios e córregos, com assaz trabalho e perigo, por serem as águas muitas, e maior a fome, nos fomos arranchar perto da meia ponte. É a Meia Ponte um rio caudaloso, tem bastante peixe, bons pastos e muito mato. Passado este rio em umas pequenas canoas, que fizemos de cascas de árvores, fomos dormir na outra banda do rio, que nos hospedou toda a noite com uma famosa trovoada, que durou até a manhã seguinte com tanta água, que não nos deu lugar a podermos fazer ranchos, e por isso me vali de uma tolda, que tinha comigo. Da Meia Ponte, distância de dois dias de viagem, se deixou ficar frei Antonio com ânimo de lançar roça com dez negros, um seu sobrinho e um mulato, com outro branco paulista, que consigo tinha. Sentiu toda a tropa naquela noite a falta do dito religioso, deu-se parte ao Anhangüera, mandou-o este persuadir a que voltasse e marchasse adiante, como faziam os mais. Mas teve por resposta visto que, a falsidade que S. M.ce tinha usado com todos, faltando a tudo o que lhes tinha prometido em São Paulo, lhe não era possível o podê-lo acompanhar, que ele determinava plantar algum milho, com que se pudesse recolher a povoado.
Desenganado o Anhangüera, marchou com a mais tropa e, julgando que indo sempre ao norte, como até ali tinha feito, lhe ficavam já atrás os Guaiazes, que procurava, mudou de rumo, e seguiu a nordeste 4ª do norte.
Passaram de cento e tantas léguas as que andamos a este rumo, sem mais sustento que o que dava o mato, e esse pouco. Nestes dias lhe fugiram ao cabo oito índios dos seus, publicando primeiro todos, que íamos errados, porque os Guaiazes nos ficavam já atrás. Destes índios foram apanhados depois de alguns dias só três, que trouxe presos João Leite, que se expediu a buscá-los com dois negros e quatro brancos: trouxe também nesta volta consigo a frei Antonio, que nos ficava distante perto de oitenta léguas: mas ainda que veio frei Antonio, nem por isso desamparou a sua roça, porque deixou nela o sobrinho com quase todos os negros. Nesta ocasião demos em umas grandes chapadas faltas de todo o necessário, sem matos, nem mantimentos, só sim com bastantes córregos, em que havia algum peixe, dourados, traíras e upiabas, que foram todo o nosso remédio, achamos também algum palmito, do que chamam jaguaroba, que comíamos assado, e ainda que é amargoso sustenta mais que os mais.
Aqui nos começou a gente a desfalecer de todo: morreram-nos quarenta e tantas pessoas entre brancos e negros, ao desamparo, e o eu ficar com vida o devo ao meu cavalo, que para me montar nele, pela nímia fraqueza em que me achava, me era preciso o lançar-me primeiro nele de braços levantados sobre o primeiro cupim que encontrava.
Vendo-se o cabo nessa miséria, e temendo a falta e mortandade de gente, e muito mais considerando o erro que tinha dado no rumo que então seguia, se valeu do céu, e foi a primeira vez que o vi lembrar-se de Deus, prometendo, e fazendo várias novenas a Santo Antonio para que nos deparasse algum gentio, que conquistado, nos valêssemos dos mantimentos que lhe achássemos, para remédio da fome, que padecíamos. Passados quinze dias com bastante moléstia, e trabalho, demos em uma picada nos mesmos campos, seguimo-la nove dias, achando nela alguns ranchos feitos de pau e ramos, com alguns grãos de milho, já nascidos: no fim destes nove dias chegamos a uma serra, cujas vertentes deságuam para o norte, e lançando adiante quatro índios a farejar o gentio os seguimos três dias de viagem. Éramos só dezesseis com o cabo, porque a mais tropa e bagagem deixamos atrás com os doentes.
Na noite do terceiro dia avistamos as rancharias do gentio, e seus fogos: emboscamo-nos no mato para lhes darmos na madrugada, mas sendo sentidos dos cachorros que tinham muitos, e bons, quando os avançamos, nos receberam com os seus arcos e flechas.
Não demos um só tiro por ordem do cabo, de que resultou o fugir-nos quase todo o gentio, o investir um deles ao sobrinho do cabo com tal ânimo que, lançando-lhe a mão à rédea do cavalo, lhe tirou a espingarda da mão, e da cinta o traçado, e dando-lhe com ela um famoso golpe em um dos ombros, e o outro no braço esquerdo, fugiu levando-lhe consigo as armas. Desembaraçado do tapuia, o paulista correu sobre ele sem mais efeito, que recuperar a espingarda que lhe largou o tapuia, retirando-se com o traçado.
Nesta mesma ocasião outro tapuia em uma das suas portas feriu levemente no peito com uma flecha a um Francisco Carvalho de Lordelo, e acudindo outro lhe deu na cabeça com um porrete de que caiu logo; caindo-lhe, deu outra porretada outro tapuia, que apareceu de novo, deixando-o já por morto.
É para admirar que, em todo esse conflito, não fizesse ação alguma mais o nosso cabo, que o andar sempre ao longe, gritando, e requerendo-nos que atirássemos só ao vento por não atemorizar o gentio.
Foi Deus servido levarmos os ranchos chovendo sobre nós as flechas e os porretes.
Retiraram-se para o mato os tapuias, mas sem nunca nos perderem de vista, e tanto que, querendo dar sepultura ao Carvalho, persuadidos de que estaria morto, procuraram em duas avançadas que nos deram, o tirá-lo e comê-lo, e vendo-se rebatidos nos pediram por acenos lhe déssemos ao menos a metade para a comerem, por ser diversa a língua da geral. Retirado o dito Francisco de Carvalho, o achamos com a boca, nariz, e feridas cheias de bichos, mas vendo que lhe palpitava ainda o coração, e que tinha outros mais sinais de vida, o recolhemos na rancharia, curando-lhe as feridas com urina e fumo, e sangrando-o com a ponta de uma faca, por não termos melhor lanceta: aproveitou tanto a cura, que o Carvalho pela noite tornou em si, abriu os olhos, mas não pôde falar, senão no dia seguinte: o regimento que teve, não passou dum pouco de angu e algumas batatas, das que achamos nas rancharias.
Em todo esse tempo nos deixou o gentio, perseguindo-nos os negros, que nos iam conduzir algumas batatas de 25 batatais que tinham grandes, e excelentes no gosto: destes negros nos mataram um, e um cavalo, o que visto pelo cabo se fez forte em um dos ranchos, que lhe pareceu melhor, mandando recolher todo o milho, que se achou, a um paiol, a que pôs guardas, como o fez também a sete índios, que cativamos, mandando-lhe lançar a todos suas correntes, excetuando um índio torto, também cativo, a que ao depois deu liberdade. Recolhido no seu rancho o Anhangüera mandou logo os doentes, e mais bagagem.
Nesse tempo se tinha humanizado já mais o gentio, buscando-nos, e servindo-nos sem arco e flecha, e admirando muito as nossas armas. Ofereceram-nos paus, trazendo-nos em um destes dias dezesseis índias ainda moças, muitas claras e bem feitas, não éramos mais os brancos, em sinal de amizade. Repugnou ao cabo aceitá-las, contradizendo todos os mais companheiros, e eu fui o que mais o persuadia a aceitá-las, dizendo-lhe que, na consideração de sermos tão poucos, e estes fracos, e mortos de fome, e muito o gentio, o não escandalizássemos, e que postas em guarda as ditas índias com as mais, que se achavam já presas, podíamos facilmente catequizar a todo o mais gentio, não só a ajuste das pazes, mas a darem-nos alguns que nos ensinassem o verdadeiro caminho dos Guaiazes. Mas a nada disto se moveu o Anhangüera com a ambição de querer para si todo o gentio, motivo por que escusou sempre a resenha, e porque desconfiado o gentio desapareceu logo no outro dia: temeroso, que ao entrar nova gente nas rancharias, eram os doentes, e bagagens, os queríamos matar para os comermos a todos; assim nô-lo certificaram as índias, que se achavam entre nós. Desesperado o cabo com a ausência do gentio, largou o torto com algumas facas, tesouras e outras galanterias, para que os persuadisse a voltar, mas o torto foi, e nunca mais o vimos.
Chama-se este gentio Quirixá, vive aldeado, usa de arco, flecha e porrete; é muito claro e bem feito; anda todo nu, assim homens como mulheres. Tinham dezenove ranchos todos redondos, bastantemente altos, e cobertos de palmito, com uns buracos junto ao chão em lugar de portas; em cada um destes viviam vinte e trinta casais juntos, as camas eram uns cestos de buritis, que lhes serviam de colchão e cobertor; eram pouco mais de seiscentas almas; estava situada toda esta aldeia junto dum grande córrego com bastante peixe, e bom: no 2o dia, que marchamos a buscá-la, encontramos um rio caudaloso, em que havia muitos peixes caijus, palmito e muita e grande caça, que nos serviu muito. Nesta aldeia achamos duzentas mãos de milho, 25 batatais, muitas araras, e também alguns periquitos, que nos serviam de sustento e de regalo: tinham também bastante cópia de cabaças e panelas, e uma grande multidão de cães, que mataram quando fugiram e se retiraram de todo, só a fim de não serem sentidos das nossas armas, como experimentamos depois nas bandeiras, que se lançaram a espiá-los.
Aqui nos detivemos três meses sem neles nos dar o cabo milho nenhum, reservando-o todo para si só, e para a sua comitiva, desculpando esta sua tirania com dizer-nos lhe era preciso para as bandeiras, que havia de lançar, mas suposto lançou duas, nem por isso foi muito o milho de que as proveu; não faltou este nem farinhas aos seus cavalos e à sua comitiva. Eu só tive a fortuna de me darem dezessete espigas, e se tive mais algum milho o devo ao trabalho, e perigo, com que o recolhi das roças, que tinha deixado o gentio de refugo; assim o fizeram todos os mais, não se isentando do mesmo trabalho ainda religiosos, por que se o quiseram, o carregaram e tiraram por suas próprias mãos, escoltados sempre de outros por medo do gentio. Antes de nos apresentarmos nos fugiram quatro dos índios, que o cabo tinha presos, e nunca mais se viram.
Na demora que fizemos nesta aldeia, vendo toda a tropa que o cabo, sobre faltar a resenha tantas vezes prometida, tinha a culpa de perdermos o gentio, se amotinou, e tanto que se resolveram dois bastardos e um mulato mameluco com alguns paulistas a querer-lhe tirar a vida, e levantar a seu irmão Simão Bueno por cabo, por ser de melhor e mais dócil condição. Eu que soube a sua resolução, não obstante o não mo merecer o Anhangüera, fiz todo o possível para os dissuadir de semelhante intento, insinuando-lhes o muito que deviam a João Leite. Dissuadidos os bastardos e seus sequazes, seguimos viagem costeando o córrego da rancharia, ou aldeia, até darmos em um rio, que fomos costeando também pela parte do norte a buscar novo gentio, que nos pudesse ensinar o caminho dos Guaiazes. Nestas marchas gastamos 76 dias, andando dois deles sem achar água, de sorte que, quando chegamos às margens dum rio, foi tal alegria em nós, que cobramos nova alma, e tanto, que nem os cavalos havia os tirasse da água por mais pancadas que para isso lhes davam. Aqui falhamos 12 ou 15 dias, esperando por João Leite, que nos tinha ficado atrás em busca dos índios, e não chegava.
Neste sítio ouvindo dizer ao cabo nos ficava já perto o Maranhão me resolvi a deixá-lo, e rodar rio abaixo buscando alguma terra já povoada, por não perecer a fome e sede no meio daqueles matos. Seguiram-me três camaradas, que foram José Alves, Francisco de Carvalho, seu irmão, Manoel de Oliveira, paulista, e João da Matta, filho da Bahia, ainda rapaz, José Alves, com um negro e uma negra, seu irmão com um só negro, eu com três e um mulato, que foram todas as peças que nos escaparam da viagem do Anhangüera, entrando eu com seis negros e o mulato, o Alves com cinco e o irmão com três. Repugnou o cabo que saíssem comigo os dois irmãos sem que primeiro lhe satisfizessem quarenta e seis mil réis, que deviam a João Leite, que já era chegado com Frei Antônio, paguei por eles, porque lhe não vi outro remédio. Porém, João Leite vendo-me ausentar insistiu, e com ele Frei Antônio quanto lhe foi possível, a que não os desamparássemos; mas as insolências do cabo, que dizia publicamente havia de enforcar aos emboabas, me obrigaram a dar gosto a João Leite e a Frei Antônio. O certo era que o Anhangüera tinha passado ordem a um dos seus tapuias para matar ao Alves por uma bem leve causa; o pior foi que, vendo o mesmo Anhangüera que eu o deixava, me catequizou um negro bom mateiro, chamado Pascoal, e o deixou ficar consigo. Vendo-me sem ele voltei ao sítio do cabo distância de meia légua, rogando-lhe me restituísse o negro; respondeu-me que o negro não estava em seu poder, nem sabia dele. Fiz então procuração a frei Antônio para que o tomasse a si, e me remetesse o procedido dele, caso que o vendesse, à minha mulher Leonarda Peixota, à Cidade de Braga. Soube João Leite desta procuração e, estranhando esta ação de seu sogro, me mandou oferecer um moleque por Estevão Mascate Francês em lugar do negro, que aceitei logo por ser preciso mais gente para remar nas canoas; publicando neste tempo o cabo, que já que nos íamos, e o deixávamos, morreríamos naqueles rios e matos, por nosso próprio gosto, sendo que o melhor seria o matarmos, que o deixar-nos perecer entre as águas; não duvido que nos quisesse herdar os negros, como tinha feito a todos os mais sócios.
Estas duas canoas, e dado o meu cavalo a frei Luiz, para mo dizer em missas a N. Sa. da Boa Viagem, por lhe ter morrido o seu? rodamos rio abaixo pelo interesse do peixe, a caça, que era muita; passados oito dias de próspera viagem demos na barra doutro rio, que vinha da mão direita, e terras de Portugal, tão grande, como o por que rodávamos; passada esta barra, e depois de quatro dias, avistamos outra barra dum rio mais pequeno, que vinha da mesma parte direita, e desta a quinze ou vinte dias, buscando sempre ao norte, que era o rumo a que corria o nosso, demos em outro rio maior, que vinha da parte esquerda, em que achamos com as cheias inumeráveis jangadas feitas de buritis, que tinham rodado, e com elas sinal de haver gentio perto. Navegamos adiante e, depois de cinco ou seis dias, avistamos alguns recifes de pedras, e não poucas cachoeiras, que passamos junto à terra da parte direta, sirgando as canoas por entre os penedos, mas não com tanta cautela que não topasse uma em uma pedra e se partisse pelo meio, perdendo nela duas canastras com roupas, ouro e prata, tachos, espingardas, traçados, anzóis, linhas, e outros trastes necessários no sertão, e que nele se precisam; entre estes foi o mais sensível a perda de um pacote de chumbo com duas arrobas, escapando outro com o mesmo número, e um pequeno barril de pólvora, que veio boiando acima; escaparam também três espingardas de oito que trazíamos, e tudo o mais se perdeu.
Passado este perigo fomos na outra canoa buscar a parte esquerda por baixo da cachoeira, onde o rio fazia remanso com uma excelente praia: nela matamos dois porcos, que nos serviram de matalotagem para a viagem, e fizemos de novo outra canoa com três machados e duas enxós, que também nos escaparam, vertendo sangue as mãos por ser de tamboril duríssimo o pau de que a fizemos; gastamos na sua fabricação 12 dias abrigados à sombra daqueles matos, e como perdemos os anzóis, e linhas, perdemos também gosto ao peixe, e nos valíamos do palmito bocajuba, que depois de esfolado, e feito em uns pequenos pedaços o secávamos ao fogo, e seco o socávamos em uma pedra, e o comíamos em mingaus, servindo-nos de taco ou panela uma pequena bacia de arame, que também nos escapou. Feita a canoa seguimos nossa derrota, e passados três dias de viagem demos com um pau cortado na beira do mesmo rio: abordamos as canoas a expiar algum macaco para comermos e matarmos a fome, que era já muita quando descobrimos um arraial de gentio pouco menos distante que um ou dois tiros de espingarda; era o arraial grande, e teria mais de trinta ou quarenta ranchos redondos. Vistos, nos tornamos logo a embarcar, fugindo a todo o remar por não sermos sentidos deles, e tanto que fomos dormir distância de quatro ou cinco léguas rio abaixo, arranchando-nos no mato da parte esquerda, onde achamos algum palmito indaiá, mas foi tal a perseguição dos morcegos nessa noite, que sobre nos tirarem o sono, nos custou muito a livrar deles; porque como vínhamos já nus, tanto que fechávamos os olhos, se pregavam logo a nós e nos sangravam, de sorte que acordávamos banhados todos em sangue, motivo por que desamparamos mais cedo do que queríamos aquele sítio.
Daqui rodamos rio abaixo e demos em um jenipapeiro, com cuja fruta nos regalamos dois dias, e no fim destes como a fome era muita entramos pelas sementes das ditas frutas; mas estas nos puseram em tal estado, e impediram de tal sorte o curso, que nos consideramos mortos. Valemo-nos duns pequenos paus, e com eles em lugar de cristel obrigamos a natureza a alguma evacuação. Falhamos neste ponto 4 ou 5 dias, que gastamos em buscar alguma caça para comermos, e, para que nos não faltasse também o peixe, fizemos do virote duma espada, que cortamos a enxó, um formoso anzol, e aguçado com uma pedra tiramos bastante peixe, servindo-nos de linha um pouco de ambé, era o peixe excelente, muito, e grande, e tanto como o do mar: matamos também aqui muitos barbados que, postos de moquém, nos serviram de nova matalotagem para o caminho. Caminhamos rio abaixo e depois dalguns dias nos quebrou a outra canoa em uma pedra, que estava na beira duma grande correnteza em que demos; aqui se nos acabou de perder tudo, e eu, como não sabia nadar, me peguei à mesma canoa, valendo-me dum cipó, com que me atei a ela e fui sair em um recife de pedras: pior sucedeu a um dos meus negros, que rodou pela cachoeira abaixo mais de dois ou três tiros de espingarda levado da correnteza da água; e, quando o supúnhamos já morto, o achamos sentado sobre um grande penedo que havia no meio do rio, tinha este um quarto bom de légua de largo. Perdemos também aqui o nosso estimado anzol, que nos roubou um formoso e grande peixe, e assim ficamos só a palmito e jenipapo, e esses quando os achávamos.
Neste pouso consertamos a canoa, e, rodando pelo rio mais de quinze dias abaixo, nos vimos obrigados em todos eles a dormir nas suas ilhas, que eram muitas, enterrados na areia por medo do gentio, que era inumerável, e o mais é sem podermos dar um só tiro, para remédio da fome, que não era pouca. Aqui vimos várias barras doutros rios pequenos, que duma e doutra parte se metiam no em que rodávamos: passadas estas descobrimos a poucas léguas a barra dum grande rio, que vinha da mão direita, dormimos essa noite entre uma e outra barra, mas saindo na manhã seguinte costeando o rio pela mesma parte direita, pela extraordinária largura, que aqui tinha, demos com um grande palmital, e nele com três gentios junto à praia; pegou um dos companheiros na espingarda, tirou a um, e feriu-o; ferido, acudiu logo todo o mais gentio, que andava ao corredio (sic), dando tais urros, e tocando tão horríveis tararacas, que parecia se nos abrira naquele sítio o inferno, valeu-nos não ter este gentio de canoa, atravessamos logo o rio, fugindo quanto então nos foi possível; aqui nos vimos perdidos novamente porque as ondas, e marretas eram tais, ao atravessar da corrente, que tememos muito nos submergissem; chegamos bem cansados e quase mortos a uma ilha e, prendendo as canoas em uma das suas pontas, nos fomos arranchar na outra enterrando-nos na areia para evitar o gentio se viesse sobre nós.
Passado este susto, depois de dois dias de viagem, sem mais sustento, que os dos coquinhos, que nos davam alguns palmitos, com algum palmito indaiá, onde se achava, demos em um outro perigo, topando no meio do rio com um recife de pedras, em que a minha canoa se viu perdida, porque saída das pedras deu em um jupiá, aonde depois de dezessete ou dezoito voltas que nele deu, a mesma violência d?água a lançou fora; a outra tomou melhor caminho: foi encostada à terra e passou sem susto; dormimos esta noite na beira do mesmo rio junto a um mato, com não menos fome, e chuva que foi muita e durou toda a noite. Passados dois dias de viagem matamos uma anta, mas tão magra, que por tal nos esperou um tiro, de que caiu, e mal assada se comeu; nessa noite demos em trilha de brancos com que cobramos sem dúvida novos alentos: e vimos entrar no nosso da parte esquerda um rio, que ao depois soubemos ser Araguaia, e o por que navegamos o Tocantins. Seguimos a dita trilha, por ser esta sempre à beira do rio, e, dando daí a três dias com oito ilhas, nos vimos perplexos por não sabermos o canal que seguiríamos; buscamos então a terra e, junto a ela e duns penedos, quisemos varar as canoas, e não pudemos pela pouca água que ali havia.
Falhamos aqui quatro dias buscando algum palmito, ou caça, que era pouca, e como a fome era mais, mandei ao meu mulato a matar alguma coisa para comer; voltou este sem nada, mas só com o seguro de ter achado picada certa de branco; peguei da espingarda, e assim nu, como estava, segui a dita picada, acompanhado só do paulista, e a menos de quarto de léguas avistamos uma missão dos R. R. P. P. da companhia que formava de novo. Vendo-nos um dos padres nus, e com armas, fugiu logo e deu aviso ao mais, persuadido que era gentio Manas, que também usa de armas de fogo pelo comércio que tem com os holandeses, e são nossos inimigos. Acudiu prontamente o capitão-mor, que se achava entre os padres, com toda a sua soldadesca armada, e tocando caixas; acudiam também os índios com os seus arcos e flechas: lançando em terra as armas, e batendo as palmas em sinal de paz, nos veio buscar logo o R. P. Marcos Coelho, que era o superior da missão, e vendo que éramos portugueses nos levou consigo com extraordinária alegria e amor, e ouvindo-nos contar o que tínhamos padecido não podia reter as lágrimas, e assim, sabendo que tínhamos mais companheiros, os mandou logo buscar pelos índios em uma das suas canoas, e chegados, por não haver na capela outro sino, nos recebeu com três alegres repiques, que formavam os golpes dum pequeno ferro em uma pedra.
Nesta primeira e amorosa hospedagem começamos a matar logo a fome: não faltaram feijão e peixe, e como um e outro eram temperados, não deixou de o estranhar por muito tempo o estômago. Durou-nos esta alegria só quinze dias, porque no fim deles nos remeteu ao Pará, ao dito capitão-mor Domingos Portela de Mello, gastando vinte dias na viagem. Chegados ao Pará, se deu parte ao governador João da Maia da Gama, veio este ver-nos logo ao porto, e ouvindo os trágicos sucessos da viagem, que trazíamos, nos não deu crédito, antes intentou prender-nos para justificarmos se os negros, que trazíamos, eram nossos ou furtados à mesma tropa de que tínhamos desertado; respondi-lhe que catequizasse os negros e que se catequizados confessassem não serem nossos, nos castigasse, o que não obstante e menos a miséria em que nos via, pois estávamos todos nus, e com a pele só sobre os ossos, nos deixou ficar na mesma praia, e porto das canoas, sem resolver nada, e sem mais sustento e cama que a que nos deram os cavacos e cascas dos paus do estaleiro real.
Porém emendaram logo na manhã seguinte os particulares a indispensável falta deste seu governador, vindo nos buscar à praia do estaleiro o reverendo cônego João de Mello, com mais algumas pessoas graves da cidade, e compadecidos do miserável estado em que nos viam, nos levaram a todos para as suas casas. Eu tive a do mesmo reverendo cônego João de Mello; João Alves foi para a de Manoel de Góes com seu irmão; Manoel de Oliveira para a de João de Souza, filho de Basto, e João da Matta para a de João da Silva, filho de Guimarães. No Pará adoeci depois dalguns meses duma febre que me pôs em perigo, e tanto que, degenerando em maleitas, estive ungido; duraram-me estas oito meses; enquanto estive de cama levaram alguns dos negros mau caminho, porque um me morreu de bobas e o mulato, de veneno que lhe deu uma tapuia: e assim me embarquei só com dois para o Maranhão; destes conservo ainda um, porque o outro me foi preciso vendê-lo para comprar dois cavalos que me conduziram a estas Minas, gastando no caminho dez únicos meses com alguns dias falhos; e desde que deixamos o grande Anhangüera até Deus nos trazer ao Pará quatro meses e onze dias, entrando nestes as falhas.
Lembra-me que antes de darmos no Jupiá, quando fugimos do gentio de que falo acima nos números 21 e 22, por ser o rio muito largo, e quase morto, nos lançamos à matroca aquela noite, prendendo uma canoa à outra, e dormindo todos os mais, eu por mais temeroso e acautelado vigiei toda a noite, e não me valeu de pouco; porque ouvindo roncar ao longe o mesmo rio, os acordei gritando que tínhamos perto cachoeira, e assim foi porque varados em uma ilha, vimos logo na madrugada o perigo de que escapamos de noite: porque a cachoeira era horrível, e tão alta, que teria quinhentos palmos, e entre penedo bruto, que fazia mais formidável e com tantas ondas, fumaças e cachões que parecia um inferno; passamos por cima duns recifes lançando as canoas pelo canal à fortuna: saíram estas abaixo da cachoeira cheias de água, e rombos, tiramo-las, então a nado, e consertadas como pudemos, seguimos nossa derrota. Estes são, R. Senhor os trabalhos, as misérias e as grandes conveniências que tirei das novas Minas dos Guaiazes etc."

Minas Gerais, Passagem das Congonhas, 25 de agosto de 1734.

(Ass.) José Peixoto da Silva

José Antônio Pereira

JOSÉ ANTÔNIO PEREIRA
(74 anos)
Sertanista e Desbravador

☼ Barbacena, MG (19/03/1825)
┼ Campo Grande, MS (11/01/1900)

José Antônio Pereira foi um desbravador brasileiro, fundador da cidade de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul.

Para se traçar o perfil de José Antônio Pereira basta seguir a sabedoria milenar e procurar conhecê-lo através de suas obras. Todo artífice deixa sua marca na obra que realiza. Podemos assim identificá-lo nos diversos aspectos do trajeto de sua vida, desde Barbacena, passando por São João Del-Rei e Monte Alegre, nas Minas Gerais, até chegar ao centro da região sul da antiga Província de Mato Grosso. A história de sua vida se confunde, portanto, com a da fundação do Arraial de Santo Antônio do Campo Grande.

O filho de Manoel Antônio Pereira e Francisca de Jesus Pereira, nascido na cidade de Barbacena, antigo Arraial de Nossa Senhora da Piedade da Borda do Campo, em 19/03/1825, descende dos Pereira, portugueses que se transferiram para o Brasil, cujas histórias se perderam nos séculos que se seguiram ao descobrimento de nossa Pátria. Já moço, muda-se para São João Del-Rei, originado do Arraial Novo de Nossa Senhora do Pilar, e se casa com a jovem Maria Carolina de Oliveira.

Desejando estabelecer-se definitivamente em lugar onde pudesse desenvolver suas atividades de pequeno agricultor e pecuarista com sua família nascente, transfere-se em meados do século dezenove para o povoado de São Francisco das Chagas do Monte Alegre, pertencente ao então denominado Distrito da Farinha Podre.

Fundada no início dos anos 1800 por uma numerosa família mineira que, na tentativa de apossar-se de terras devolutas no sertão de Goiás, acabou fixando-se naquela região do Triângulo Mineiro, Monte Alegre se situa no caminho que ligava a Capitania das Minas Gerais às terras goianas. Terminaram assentando, também, residência no local, naquela época, outros aventureiros que seguiram o mesmo itinerário; como as famílias de Gonçalves da Costa; Martins de Sá; de Manoel Feliz e dos Cardosos.

A família de José Antônio Pereira e de Maria Carolina de Oliveira, com o desenvolvimento de seus filhos Antônio Luiz, Joaquim Antônio, Francisca, Maria Carolina, Perciliana, Ana Constança, Maria Nazareth e Rita, começou a crescer.

Casaram-se Ana Constança com Manoel Gonçalves Martins e Maria Carolina com Antonio Gonçalves Martins. A impossibilidade de se expandir nas atividades rurais, com espaço para todos, fez com que procurassem outras alternativas, entre elas a ocupação de terras devolutas.

Finda a Guerra do Paraguai, com o retorno para o Brasil dos soldados que se retiraram da região da Laguna, cuja saga foi descrita magistralmente por Taunay, notícias sobre os campos da Vacaria foram levadas até Monte Alegre por ex-combatentes oriundos dessa cidade, um pequeno Arraial àquele tempo. A existência de extensas áreas de terras devolutas ao sul da Província de Mato Grosso atraiu o interesse de José Antônio Pereira que, em 04/03/1872, empreendeu sua primeira viagem.

Prudentemente, formou uma pequena comitiva, composta por seu filho Antônio Luiz, dos escravos João Ribeira e Manoel, guiados por Luiz Pinto Guimarães, sertanista que havia participado da referida guerra. Seguindo os caminhos percorridos pela expedição da Laguna, adentra Goiás, passando pelo porto de Santa Rita, hoje Itumbiara, cruzando posteriormente o Rio dos Bois e dirigindo-se à Vila das Dores do Rio Verde, hoje, Rio Verde, até chegar à região de Baús, em Mato Grosso, atualmente Costa Rica, daí em direção a Coxim, contornando o extremo norte da Serra de Maracaju e rumando para o sul, até Camapuã.

Continuando sua viagem, procura atingir a região da Vacaria, atual município de Rio Brilhante. Porém, quase em meio caminho, já atravessando a extensa e erma região do Campo Grande, defronta-se com terras de ótima qualidade e campos propícios para a pecuária. Eram, enfim, as sonhadas terras devolutas que José Antônio Pereira estava procurando.

Ao chegar, em 21/06/1872, à confluência de dois córregos, denominados, mais tarde, "Prosa" e "Segredo", resolve ali se estabelecer. Constrói um rancho, cobrindo-o com folhas de buriti. Providencia, também, a formação de pequena roça, amanhando a terra pelo sistema da coivara.

Os meses se passaram. Após a primeira colheita de uma plantação vicejante, naquele mesmo ano de 1872, decide voltar a Minas Gerais para buscar seus familiares.

Em Monte Alegre, reúne-se com a família e pessoas de sua relação, expõe as perspectivas da região com tamanho entusiasmo que sensibiliza e convence a todos para a grande aventura.

Começa então o planejamento e as providências para tal cometimento. Mais de dois anos se passaram para que tudo estivesse organizado. Provisões indispensáveis para a longa viagem, sementes e mudas de árvores frutíferas, um lote de gado de cria, animais de montaria e carros mineiros puxados por juntas de bois. Para casos de doença, até remédios foram providenciados pelo próprio José Antônio Pereira, que tinha conhecimentos de fitoterapia e terapêutica homeopática, exercendo naqueles sertões longínquos o papel de verdadeiro médico, na falta de um facultativo.

À frente de uma numerosa comitiva, José Antônio Pereira escolhe desta vez seguir um caminho mais curto para chegar ao seu destino. De Monte Alegre, dirige-se para o sul, passando pelo povoado de Prata, indo mais além ao encontro de um caminho paralelo à margem direita do Rio Grande, divisa da Província de Minas com a de São Paulo, e que permitia chegar à de Mato Grosso, situada à oeste. Esse trajeto os leva até as margens do Rio Paranaíba e ao patrimônio de Sant'Anna de Paranahyba, atual Paranaíba, no território mato-grossense. Para atravessar aquele rio, já havia, então, uma balsa rudimentar, que possibilitava o transporte de carretas e animais.

Permanece por vários meses naquela localidade, ajudando a debelar um surto de malária. Ali, seus préstimos, como prático da medicina, contribuíram para salvar muitas vidas. Nessa ocasião, fez a promessa de construir, quando chegasse ao seu destino, uma igreja em homenagem a Santo Antônio de Pádua, de sua devoção, caso nenhum dos seus perecesse.

Recebe o convite para estabelecer-se definitivamente no povoado, mas José Antônio Pereira, fiel ao compromisso assumido, e ao ideal que acalentava de chegar às terras do Campo Grande, retoma a marcha rumo à oeste. Atravessa o Rio Sucuriú, o São Domingos, o Verde e a cabeceira do Pardo, passa outra vez por Camapuã, e depois, em direção ao sul, busca o pequeno sítio que formara há quase três anos.

Aos 14/08/1875, chega finalmente ao local de destino. José Antônio Pereira não encontra o zelador que ali deixara, mas sim, a família de Manoel Vieira de Souza (Manoel Olivério), mineiro de Prata, antigo povoado de Nossa Senhora do Monte do Carmo, do Distrito da Farinha Podre, que igualmente fora atraído para estas plagas, pelas notícias da Vacaria, e que estava no local há cerca de dois meses.

É recebido cordialmente, com a intenção manifesta de Manoel Olivério de devolver-lhe a propriedade. José Antônio Pereira, idealista e cordato, propõe-lhe parceria nas atividades a desenvolver. Logo se tornam amigos, e as famílias acabam se unindo três anos depois, 04/03/1878, com os casamentos de Manoel Olivério com Francisca de Jesus, filha de José Antônio, de Antônio Luiz com Anna Luiza e Joaquim Antônio com Maria Helena, filhos de José Antônio e filhas de Manoel Olivério, respectivamente. A pequena igreja, construída por José Antônio Pereira, em cumprimento a sua promessa, é inaugurada com o ato religioso desses enlaces, que é oficiado pelo padre Julião Urchia, vindo de Nioac especialmente para esse fim.

Ainda em 1878, José Antônio Pereira retorna a Monte Alegre, pela derradeira vez, e traz consigo seu genro, já viúvo, Antônio Gonçalves. Em sua volta, reassume o comando do povoado nascente, divide as terras para a propriedade de seus filhos, genros, e também para si. Delimita a área reservada para a sede do patrimônio, denominando-o Arraial de Santo Antônio do Campo Grande. Torna-se o primeiro Subdelegado de Polícia.

Em 28/09/1886, recebe e hospeda, em sua casa, o Bispo de Cuiabá, Dom Carlos Luís d'Amour, que permaneceu no povoado por cinco dias.

A dedicação de José Antônio Pereira aos que adoeciam no emergente Arraial de Santo Antônio do Campo Grande era reconhecida por todos. Não se limitava apenas à preparação e administração de ungüentos, pomadas, xaropes, tinturas, chás e garrafadas, mas também ao cuidado dos que se feriam em acidentes. Aos fraturados, encanava-lhes os membros; aos feridos, pensava-lhes as chagas. Sua fama como parteiro era voz corrente, tendo assistido ao nascimento de seus filhos. Mais tarde passou a contar com a ajuda de uma velha escrava, a quem houvera treinado. Posteriormente, ensinou os ofícios para a própria nora, Maria Helena, esposa de Joaquim Antônio. Secundado por esta, sempre quando chamado, corria a atender às parturientes da Vila. Esse mister deu-lhe, também, a primazia de seccionar o cordão umbilical de muitos de seus netos.

A tradição oral que, através dos familiares, chega aos nossos dias, dá conta da existência das mezinhas de José Antônio, cujos recursos permitiam-lhe exercer sua medicina. A aquisição desse preparo técnico remonta aos tempos de sua vida em São João Del-Rey e Monte Alegre, nas Minas Gerais. Apoiado no seu Chernoviz, praticava a medicina de "folk", disseminada pelos sertões brasileiros; ou seja, a cultura popular do tratamento das doenças. Baseada, como até hoje, na utilização dos recursos químicos das plantas, através de variegadas tisanas, tais como: soluções, macerações, infusões e decocções; e de procedimentos eminentemente físicos, como a manipulação do calor, nos escalda-pés (pedilúvio), e do vácuo, através de ventosas. As aplicações de cataplasmas, emplastros, compressas, adjutórios, banhos-de-assento, colutórios, gargarejos e inalações, incluiam-se, também, nessa prática terapêutica.

A abordagem dos doentes não era realizada com instrumentos da semiologia médica. Os meios diagnósticos eram apenas breve interrogatório e a ectoscopia, corroborados pelo experiente "olho clínico" do velho mineiro, como sói acontecer na prática dessa medicina sertaneja.

Da figura do Fundador nos derradeiros anos de sua vida, com a longa barba branca e os cabelos encanecidos, emergia um ser que mesclava, simultaneamente, austeridade e doçura. À semelhança daqueles que fazem da arte de curar verdadeiro sacerdócio, sua simples presença emanava um magnetismo contagiante. Apenas ao toque de suas mãos, os doentes já começavam ter as sensações de melhora. Na verdade era, também, exímio benzedor. Não poucas vezes as mães levavam seus bebês acometidos de "quebranto" para serem benzidos pelo Velho.

Todos esses fatos, que atestam sua impressionante versatilidade no manejo das coisas da terra e das gentes, acabaram por consagrar José Antônio Pereira, não só como Fundador e Líder, mas sobretudo, como o primeiro cuidador da saúde, do povoado nascente.

Em 11/01/1900, morre José Antônio Pereira, sendo sepultado em cemitério que se localizava no bairro Amambaí, onde atualmente encontram-se construídos o SENAI e a Casa da Indústria. Tempos depois seus ossos foram transferidos para o jazigo da Família, no Cemitério Santo Antônio, onde se acham depositados, com os restos mortais de seus filhos e netos.

José Antônio Pereira foi um homem dedicado à família, um verdadeiro patriarca, prudente, organizado, justo e destemido. Católico fervoroso e piedoso devoto de Santo Antônio de Pádua. Possuidor de um profundo senso humanista, afinado sentimento coletivista, e pelo seu carisma, um líder inconteste. Aquele homem, de tez clara e olhos azuis, esguio e forte, cujas mãos eram calejadas pela labuta rural, e também afeitas ao mister de curar, procurou o Campo Grande, não para construir um imensurável e improdutivo latifúndio, mas, em busca de terras devolutas, suficientes para estabelecer-se com os seus, e com aqueles que se afinavam com seus ideais. Após longas e cansativas viagens, despendendo gigantescos esforços, enfrentando as intempéries e as doenças, desafiando os sertões, palmilhando caminhos ermos e desconhecidos, acabou chegando para ficar em definitivo e multiplicar por aqui suas raízes familiares, fazendo nascer um pequeno povoado, hoje grande metrópole.

Esta é a história de José Antônio Pereira, o intrépido fundador de Campo Grande, Capital do Estado de Mato Grosso do Sul.

Casa da Família José Antonio Pereira - Fundador de Campo Grande
Primeira Viagem

O objetivo de José Antônio Pereira era chegar às terras da região da Vacaria, ao sul da Província de Mato Grosso. Para isso, deveria seguir grande parte do caminho percorrido, em 1865/1866, pela coluna do exército brasileiro que combateu na Guerra do Paraguai, e que, partindo de Campinas, São Paulo, passando por Minas Gerais e Goiás, chegou ao palco de guerra, no território sul-mato-grossense.

Preparativos

A jornada seria longa, sendo assim, José Antônio Pereira preparou uma tropa de cerca de uma dúzia de animais, entre os de montaria e os de carga, com arreamento conveniente para o transporte de alimentos, remédios e sementes. Era imprescindível a presença de um bom guia, conhecedor dos caminhos, que os levasse aos famosos campos da Vacaria. Para tanto, foi contratado o sertanista Luiz Pinto Guimarães, residente em Uberaba e que havia acompanhado a expedição brasileira que participou da campanha da Laguna. Alguns meses se passaram até que tudo estivesse em ordem: planos de viagem, meios de locomoção e subsistência. Recursos financeiros não foram esquecidos, para as eventuais despesas durante o percurso. Até a melhor época para o empreendimento foi pensada, o outono, porque entre os meses de março e junho, as estiagens são mais longas, facilitando a travessia, a vau, dos rios ao longo do trajeto.

A Partida - Monte Alegre de Minas

José Antônio Pereira, juntamente com seu filho Antônio Luiz Pereira, o guia Luiz Pinto e dois escravos, partiu de Monte Alegre de Minas em 04/03/1872, uma segunda-feira.

Vamos nos transportar àquele tempo, com a ajuda do Visconde de Taunay, que relatou detalhadamente a viagem da coluna do exército brasileiro em suas "Cartas da Campanha de Matto Grosso (1865 a 1866)" e em "Marcha das Forças (Expedição de Matto Grosso) 1865-1866". Segundo Epaminondas Alves Pereira, neto de Antônio Luiz, e que, com ele conviveu por cerca de 35 anos, ouvindo-lhe freqüentemente sobre suas viagens, o trajeto seguido por José Antônio Pereira foi muito semelhante ao descrito por Visconde de Taunay, inclusive passando pelos mesmos povoados, para descanso e reabastecimento.

O Arraial de São Francisco das Chagas do Monte Alegre, daquela época, não deveria ser muito diferente do que descreveu Alfredo d'Escragnolle Taunay, quando por ali passou, cerca de sete anos antes, em 14/09/1865:

"A 2 léguas do pouso, atravessa-se o córrego da Matta e, uma légua adiante entra-se, no arraial de Monte Alegre, onde chegamos ás 11 horas. Esta povoação do termo do Prata conta 400 a 500 habitantes e algumas casas commodas, caiadas e cobertas de telhas. A matriz offerece simples apparencia e fecha uma pequena praça rodeada de palhoças. O commercio, quasi nullo, se mantem, embora em muito insignificante escala, pela passagem, hoje rara, de lotes de animaes." [pg. 80].
"Monte Alegre é um lugarzinho simpático de aspecto realmente risonho. Terá seus 400 ou 500 habitantes, algumas casas bastante boas, caiadas e de telhas. A Matriz é sumamente tosca. Diverti-me em lhe tirar uma vista. Muito pobrezinha com as suas torres e sua única porta a que dá acesso uma escadinha. O interior também de pobreza extrema, está bem de acordo com o movimento quase nulo do lugarejo de que é o mais importante edifício e a que animam as poucas tropas de cargueiros que por ali transitam. Acampamos um pouco adiante do arraial num lugar chamado Pimenta." [pg. 96].

Deixando Monte Alegre, a pequena comitiva tomou o rumo noroeste, seguindo uma estrada que ligava Uberaba às terras goianas, através dos cerrados mineiros, e que passava pelo povoado de Santa Rita de Cássia, mais comumente chamado de Santa Rita do Paranaíba, situado à margem direita do Rio Paranaíba, hoje Itumbiara, Goiás. Completavam, desse modo, um percurso de onze léguas, 66 km.

A travessia do Rio Paranaíba, àquela época, era através de uma pequena balsa, formada por duas canoas unidas por tábuas grosseiras, com a capacidade de levar 10 animais em cada viagem, e durava cerca de 40 minutos, de uma margem à outra. Era cobrada uma taxa de 700 réis por pessoa.

Santa Rita do Paranaíba (Itumbiara - Goiás)

Alcançam assim, a primeira etapa do percurso, Santa Rita, em Goiás, onde havia desde 1824, um porto com o mesmo nome, construído pelo português Cunha MattosVisconde de Taunay descreve deste modo, os aspectos do povoado, em setembro de 1865:

"Ergue-se a povoação de Santa Rita de Cassia á margem direita do Rio Paranahyba, estendendo as suas primeiras casas no declive da rampa que leva ao porto, onde aproam as barcas de passagem. A sua fundação é moderna; há vinte e tantos annos ahi se estabeleceram alguns mineiros exploradores, dando princípio a um arraial que foi erecto em freguezia no anno de 1850. O movimento commercial é quasi nullo; apenas alguma passagem e recovas carregadas de sal, com destino a Goyaz, tiram-na momentaneamente da atonia e estagnação que a personificam." [pg. 84-85].

A viagem de José Antônio Pereira prossegue em sentido noroeste, e o próximo obstáculo a ser transposto é o Rio dos Bois, 22 léguas, 132 km, além de Santa Rita do Paranaíba. A sua largura de quase 170 metros, travessia perigosa em razão da correnteza, obriga a passagem através de canoas e os animais, "a vau de orelha".

Vila das Dores do Rio Verde (Rio Verde de Goiás)

Depois de cerca de 41 léguas, 246 km, de jornada em pleno cerrado goiano, desde Santa Rita do Paranaíba, chegam então à Vila das Dores do Rio Verde, também denominada, àquela época, Vila das Abóboras, hoje Rio Verde.

"A estrada percorrida desde Santa Rita do Paranahyba até a villa das Dores não tem traçado regular: picada aberta pela necessidade de communicação recíproca entre os habitantes de algumas fazendas, offerece estado mais ou menos viável pela natureza dos terrenos e pelo transito regular que se tem ido estabelecendo entre aquelles dois pontos." [pg. 108].

A Vila das Dores, é assim descrita por Visconde de Taunay, em 31/10/1865:

"A capella de Nossa Senhora das Dores ergue-se n'um alto que domina o povoado, cuja rua única é formada de palhoças, essas mesmas espaçadas e muitas já em ruínas. Goza, comtudo, dos foros de villa, não correspondentes de certo com o estado que apresenta. A freguezia, porém, é bastante vasta: alguns fazendeiros de recursos habitam em sua área, e o caminho que a atravessa é hoje assaz animado pelo movimento das grandes boiadas que vão ter a Uberaba, dirigindo-se para o Rio de Janeiro." [pg. 109].

Baús (Município de Costa Rica - mato Grosso do Sul)

Agora, a comitiva de José Antônio Pereira toma a direção oeste, procurando chegar à região de Baús, no atual Município de Costa Rica, Mato Grosso do Sul, em pleno território da então Província de Mato Grosso, distante 54 léguas, 324 km. A viagem dá-se ainda nos cerrados de Goiás, com a travessia do Rio Doce através de ponte ali existente. Atinge, depois, os rios Claro, nas imediações da atual cidade de Jataí, e Verde, atravessando-os em trechos cujas vaus permitiam a sua transposição. Chega enfim em Baús, onde havia uma fazenda à margem direita de ribeirão do mesmo nome. Vencido esse longo percurso, com inúmeras interrupções para refazimento e pernoites, teria feito também, a comitiva de José Antônio Pereira, parada de descanso naquela fazenda, como as forças brasileiras que combateram na Guerra do Paraguai?

Voltamos aos escritos de Visconde de Taunay:

"Esta parada foi de obrigatória necessidade: as marchas cansativas e em dias seguidos tinham fatigado em excesso a força e feito perecer grande porção de animaes muares e cavallares. As bestas de transporte necessitavam ser tratadas e pensadas para poderem por mais tempo continuar viagem." [pg. 180].

A Fazenda Camapuã (Camapuã - Mato Grosso do Sul)

A marcha de José Antônio Pereira para oeste continua, em cerrados da Província de Mato Grosso, na direção de Coxim, por caminhos já palmilhados, ora arenosos, ora argilosos, procurando sempre os espigões à montante dos rios. Inicialmente, através de uma ponte, atravessa o Ribeirão Sucuriú, que se transformará, mais ao sul, no Rio Sucuriú ao receber afluentes. Ultrapassa as cabeceiras do Rio Jauru, e, seguindo as imediações da Serra de Santa Marta e da Serra Sellada, atravessa, a vau, os ribeirões afluentes, à direita, do Rio Jauru. José Antônio Pereira, depois de vencer quase 40 léguas, chega ao extremo norte da Serra de Maracaju, e se dirige para o sul, deixando à direita, as margens do Rio Coxim, rumando em busca de Camapuã. Em "Céus e Terras do Brasil"Visconde de Taunay, de retorno à Corte no Rio de Janeiro, descreve sua passagem por Camapuã:

"Ràpidamente transpusemos as três léguas que separam o Sanguessuga das ruínas de Camapuã, e ao meio-dia avistámos os restos, para assim dizer, imponentes daquela importante fazenda, sede outrora de muito movimento, de todo o que se dava por aquêles sertões. Ainda se vêem vestígios de grande casa de sobrado e de uma igreja não pequena; taperas rodeadas de matagais, no meio dos quais surgem laranjeiras e árvores frutíferas, que procuram resistir à invasão do mato e ainda ostentam frutos, como que atraindo o homem, cujo auxílio em vão esperam. Naquelas três léguas aparecem sinais de trabalhos consideráveis: estradas de rodagem atiradas por sobre colinas, caminhos roídos pelas águas, onde transitavam grandes procissões de carros a trabalharem na penosa varação, até o ribeirão Camapuã, dos gêneros e canoas que demandavam o Coxim e Taquari, com destino a Cuiabá. (...) manteve-se mais ou menos florescente até os princípios do século presente, existindo ainda escravatura numerosa às ordens do último administrador, Arruda Botelho, depois de cujo falecimento ficou o lugar abandonado ou tão-sòmente habitado por negros e mulatos livres, ou libertados pelo fato de não aparecerem herdeiros de seus possuidores.
Estes mesmos indolentes habitantes hoje estão quase todos reunidos a uma légua e três quartos de distância, no lugar chamado Corredor (...)" [pg. 88-89].

Em Busca dos Campos da Vacaria

Varando os cerrados do sul da Província de Mato Grosso, José Antônio Pereira, continua sua viagem, procurando chegar aos campos da Vacaria. Chega ao pouso do Jabota, passa através do Brejinho, pelo Córrego Pontinha, Maribondo e Perdizes. Depois de percorrer quase 30 léguas, alcança o Ribeirão das Botas.

Cavalgando ainda na direção sul, poucas léguas mais, em 21/06/1872 chega à confluência de dois córregos, depois denominados: "Prosa" e "Segredo"; em área completamente desabitada da região do então denominado "Campo Grande". Este, estendia-se a partir dos campos da Vacaria, no sentido norte, e a leste das fraldas da serra de Maracaju.

Visconde de Taunay, quando por aqui passou, em sua viagem de retorno a Corte, assim descreve esta região:

"Uma légua mais entramos no Campo Grande. Esta extensa campina constitui vastíssimo chapadão de mais de cinqüenta léguas de extensão, em que raras árvores rompem a monotonia duma planura sem fim (...)" [pg. 85].

Foram 3 meses e meio de viagem, percorrendo aproximadamente 180 léguas, de Monte Alegre de Minas ao Campo Grande.

Museu José Antonio Pereira - Estátua de Anna Luiza e Antônio Luiz Pereira
Segunda Viagem

Em 1875, à frente de uma comitiva de 65 pessoas, incluindo praticamente toda sua família, em doze carros mineiros, animais de montaria e de carga, e um lote de gado de cria, José Antônio Pereira deu início à segunda viagem rumo ao seu destino, a pequena propriedade que deixara no Campo Grande. Desta vez, o destemido sertanista resolveu seguir um caminho diferente, e menos longo, que passava pelo povoado de Sant'Anna do Paranahyba, na Província de Mato Grosso, junto à divisa com a de Minas Gerais.

Vila da Prata (Prata - Minas Gerais)

Deixando Monte Alegre, tomou o rumo sul e, após a ultrapassagem do Rio Tejuco a meio caminho, foi ter à Vila da Prata, hoje Prata, Minas Gerais, a cerca de 9 léguas de distância, no então chamado, Sertão da Farinha Podre. Naquele tempo, era um pouco maior que Monte Alegre, com sua primeira capela construída em 1811, quando tinha o nome de Arraial de Nossa Senhora do Monte do Carmo. A partir de 1848 passou a denominar-se Prata.

Vencida esta primeira etapa da viagem, com parada de descanso, retoma a jornada em sentido sudoeste. Transpõe, poucas léguas após, o Rio da Prata. Procura atingir as proximidades da margem direita do Rio Grande, vadeando continuamente os afluentes à direita do Rio Verde (de Minas), até chegar, quase 20 léguas depois, à freguesia de São Francisco de Sales, junto à divisa da Província de Minas com a de São Paulo.

Freguesia de São Francisco de Sales

Para ilustrar os caminhos percorridos por José Antônio Pereira, em sua segunda viagem, outra vez, iremos nos valer das narrativas do Visconde de Taunay, constante da obra "Céus e Terras do Brasil", na qual relata, detalhadamente, sua viagem de retorno a Corte, desde o porto do Canuto, às margens do Rio Aquidauana, até o Rio de Janeiro, passando pelo Campo Grande, por Camapuã e Sant'Ana do Paranahyba. Ao chegar à freguesia de São Francisco de Sales, atualmente São Francisco de Sales, Minas Gerais, em 12/07/1867, descreve nestes termos, as características do lugar:

"(...) povoação constante dumas quarenta casas, poucas de telhas, muitas em ruínas, fundada em 1837 pouco mais ou menos, e que nenhum progresso tem tido: definha lentamente, balda das esperanças que melhores condições poderiam fazer nascer, entretanto o terreno é fértil, a posição bonita e a índole dos habitantes boa. Na várzea que se percorre antes de subir a suave encosta em que assentam as casas, vimos pela última vez os belíssimos grupos de buritis (...) [pg. 101].

A comitiva de José Antônio Pereira, depois de descansar na freguesia de Francisco de Sales, seguiu caminhos, à oeste, quase em linha reta, não distantes da margem direita do Rio Grande, em terras mineiras, passando nas proximidades de onde se encontram, na atualidade, as cidades de Iturama, Alexandrita e Carneirinho.

Rio Paranaíba

Com aproximadamente 20 léguas de percurso, chega enfim às margens do Rio Paranaíba, na altura do atual Porto Alencastro, divisa da então Província de Mato Grosso com a de Minas Gerais.

"(...) entramos na mata do rio Paranaíba, a qual conserva em seus terrenos enatados, lodacentos, e nos troncos de suas árvores, sinais duma grande cheia, não remota. Desse centro é que se irradiam as febres; a putrefação vegetal, tão fatal aos homens, aí se efetua incessantemente, infeccionando a atmosfera três a quatro léguas ao redor. As margens do Paranaíba são naturalmente barrancosas; as águas claras, têm velocidade considerável, que a constante inclinação e esforço dos sarandis, em alguns pontos mais próximos das ribanceiras, indicam, a largura é de 350 a 400 braças. Para atravessá-las, existe uma barcaça composta de duas estragadas canoas de tamboril mantida pela barreira provincial de Mato Grosso, que daí tira algum rendimento."
[pg. 98].

Vila de Sant'Anna do Paranahyba (Paranaíba - Mato Grosso do Sul)

Percorrendo uma légua e meia desde o Rio Paranaíba, José Antônio Pereira chega à Vila de Sant'Anna do Paranahyba, na Província de Mato Grosso. Pretendendo estacionar ali o tempo suficiente para descanso e reabastecimento, providencia o empréstimo de terreno para a plantação de uma pequena roça. Entretanto, depara-se com um surto local de febre palustre. Obriga-se a permanecer por vários meses, retardando a marcha da viagem. Por seus conhecimentos de fitoterapia, e terapêutica homeopática, é convocado a colaborar no atendimento aos doentes. Na falta de um facultativo, naquela situação emergencial, atuou como verdadeiro médico, tendo ajudado a salvar muitas vidas.

A Vila de Sant'Anna seria muito diferente daquela, sobre a qual nos conta Visconde de Taunay, quando por ali passou, nos idos de 07/071867?

"O aspecto da povoação pareceu-nos sumamente pitoresco, talvez pelo desejo ardente de alcançá-la, como o ponto terminal do sertão de Mato Grosso ou como o último laço que nos prendia àquela província, em que tanto havíamos sofrido, talvez pela estação em que chegávamos; na realidade, metidas de permeio às casas, moitas copadas de laranjeiras, coroadas de milhares de auríferos pomos, ao lado doutras carregadas de cândidas flores, encantavam as vistas e embalsamavam ao longe os ares, trescalando o especial aroma. (...)
Transpondo um còrregozinho e subindo uma ladeira onde há míseras casinholas, chega-se à principal rua da povoação, outrora florescente núcleo de população, hoje dizimada das febres intermitentes, oriundas das enchentes do Paranaíba, ou pelo menos já estigmatizada dêsse mal, o que quer dizer o mesmo, visto como os moradores que de lá fugiram, não voltam mais; 800 habitantes mais ou menos, três ou quatro ruas bem alinhadas, uma matriz em construção, há muitos lustros, o tipo melancólico duma vila em decadência, o silêncio por todos os lados, crianças anêmicas, mulheres descoradas, homens desalentados, eis a vila de Sant'Ana, ponto controverso entre as províncias de Goiás e Mato Grosso (...)" [pg. 97].

Segundo Visconde de Taunay, o único prédio assobradado da vila, onde pernoitou, era a casa do major Martim Francisco de Melo, que o recebeu de modo hospitaleiro.

Rumo a Camapuã (Camapuã - Mato Grosso do Sul)

Debelado o surto de malária, sem que nenhum dos seus houvesse perecido; refeitos do cansaço das jornadas precedentes e reabastecidos com os meios necessários de sobrevivência; José Antônio Pereira, à frente de sua comitiva, enceta viagem por mais 63 léguas, nos sertões da Província de Mato Grosso. A partir daquele ponto, a caravana passou a ter 62 pessoas e onze carros mineiros, uma vez que sua filha Maria Carolina, que tinha o mesmo nome da mãe, e seu genro, Antônio Gonçalves Martins, juntamente com a filha do casal, Maria Joaquina, haviam resolvido regressar a Minas Gerais.

Procurando chegar a Camapuã, toma o rumo noroeste, em direção a Baús. Viaja, portanto, através de um caminho paralelo ao Rio Aporé, parte da chamada "Estrada do Piquiri", que passava na região do atual município de Cassilândia. Em pleno Sertão dos Garcias, vai encontrar fazendas ao longo desta trilha, e certamente transpor os Ribeirões das Pombas e Indaiá, citados por Visconde de Taunay. A meio termo, desvia sua jornada para oeste, observando neste trecho, em sentido contrário, a mesma rota seguida por Visconde de Taunay, de retorno a Corte, em 1867.

Procurando ultrapassar os rios, na medida do possível, contornando suas nascentes através de seus espigões, acaba chegando ao Rio Sucuriú. Às margens deste, haviam moradores muito pobres:

"Algumas choças esburacadas abrigam meia dúzia de habitantes paupérrimos, amarelados das febres intermitentes e de constituição enfezada, os quais vivem à mercê de plantações proporcionais à fôrça de trabalho, representada pela mais completa indolência (...) [pg. 93].

Os integrantes da comitiva são transferidos para a margem oposta do Rio Sucuriú, por meio de canoas. Animais e carros de bois transpõem-no, a vau.

A partir daí, até Camapuã, irão varar os dias sem encontrar uma única alma vivente ao longo daqueles sertões inóspitos. Jornadeiam apenas do raiar ao por do sol, ultrapassando os rios, através de seus leitos. Vencem o São Domingos, depois o Rio Verde (de Mato Grosso do Sul) e finalmente, após passarem pelo Ribeirão Claro, chegam ao Brejão, a pouco menos de 8 léguas da abandonada Fazenda Camapuã. Nas cercanias dessa fazenda, a uma légua e três quartos, irão encontrar o lugar chamado Corredor, "(...) habitado por negros e mulatos livres, ou libertados pelo fato de não aparecerem herdeiros de seus possuidores." [pg. 89].

Em Camapuã, a comitiva de José Antônio Pereira permanece por alguns dias, para reabastecimento e descanso.

Destino Final: O "Campo Grande"

Vinte e duas léguas de viagem os separava da pequena propriedade, deixada em 1872, situada na confluência de dois córregos, em terras do Campo Grande. José Antônio Pereira prossegue para o sul em busca de seu destino. Vadeia as cabeceiras do Rio Pardo na altura do atual Capim Verde, e, trilhando caminhos que passavam por Bandeirante, Bom-Fim e Jaraguari de hoje, atinge o seu destino em 14/08/1875. Encontra no local uma pequena família proveniente do povoado da Prata, próximo de Monte Alegre, e que, procurando os campos da Vacaria, há poucos meses, resolvera por aqui permanecer. Seu patriarca, Manoel Vieira de Souza (Manoel Olivério), recebe-os fidalgamente, propondo a devolução da propriedade, mediante o ressarcimento da importância que havia pago ao zelador do pequeno sítio, que aliás, depois do negócio, havia tomado rumo ignorado.

Associando-se agora com Manoel Olivério, providencia a imediata construção de vários ranchos ao longo da margem direita do córrego, depois denominado "Prosa", na altura da atual Rua 26 de Agosto. Os habitantes somam, então, 72 pessoas. José Antônio Pereira dá-se conta que estava fazendo surgir um novo povoado e logo providencia a determinação de seus limites. Denomina-o Arraial de Santo Antônio do Campo Grande, em homenagem ao Santo de sua devoção, cumprindo promessa que fizera ao passar pela Vila de Sant'Anna do Paranahyba, caso nenhum de sua comitiva perecesse de febre palustre, que acometia a população daquela localidade.

A segunda viagem, de Monte Alegre de Minas ao Campo Grande, embora seguindo um trajeto mais curto, aproximadamente 140 léguas, teve uma duração maior, em virtude do tamanho da comitiva, da lentidão característica dos carros de bois e da permanência prolongada na Vila de Sant'Anna do Paranahyba.

Museu José Antonio Pereira - Estátua de Anna Luiza e Antônio Luiz Pereira
Terceira Viagem

A terceira e última viagem de José Antônio Pereira às Minas Gerais aconteceu em 1878. Voltou a Monte Alegre para buscar seu genro, já viúvo, Antônio Gonçalves Martins; sua neta, Maria Joaquina; o esposo desta, Tomé Martins Cardoso; e a filhinha do casal, Maria Jesuína.

A bem da verdade, alguns fatos motivaram esse derradeiro retorno. Por ocasião da segunda viagem ao Campo Grande, com toda sua família, José Antônio Pereira fazia-se acompanhar, também, de sua filha Maria Carolina. Esta, cujo nome era igual ao de sua progenitora, vinha com seu marido, Antônio Gonçalves Martins, e a filha, Maria Joaquina.

Chegando ao povoado de Sant'Anna do Paranahyba, Antônio Gonçalves, por motivos ignorados, desentendeu-se com o sogro e resolveu regressar a Minas em um dos carros de bois, levando esposa e filha. Como foi anteriormente referido, a comitiva de José Antônio Pereira, quando partiu de Monte Alegre, utilizava-se de doze carros mineiros, chegando ao Campo Grande com apenas onze.

Entre os anos 1875 e 1878, Maria Carolina falece em Monte Alegre. José Antônio Pereira, patriarca de bom coração, naturalmente saudoso de seus familiares que se encontravam naquela cidade do triângulo mineiro, retorna para revê-los. Não mais encontra sua filha, mas sim o genro, agora viúvo e a neta Maria Joaquina, já casada, e com uma filha recém-nascida. Certamente em decorrência da índole daqueles mineiros, a reconciliação foi inevitável.

Assim sendo, no mesmo ano de 1878 José Antônio Pereira acaba persuadindo-os a mudar, definitivamente, para o Arraial de Santo Antônio do Campo Grande, e se juntar aos demais integrantes da enorme família dos Pereiras.

O itinerário dessa viagem, em todos os seus aspectos, isto é, dos trajetos seguidos aos locais de parada para descanso e reabastecimento, semelhou-se ao da segunda viagem.

Leonardo Villas-Bôas

LEONARDO VILLAS-BÔAS
(43 anos)
Humanista e Sertanista

* Botucatu, SP (1918)
+ São Paulo, SP (06/12/1961)

Leonardo Villas-Bôas foi um sertanista brasileiro, o mais jovem dos irmãos Villas-Bôas.

Leonardo Villas-Bôas nasceu em Botucatu SP em 1918. Membro, como os irmãos Orlando Villas-Bôas e Cláudio Villas-Bôas, da expedição Roncador-Xingu, viveu depois, por vários anos, no posto Jacaré, no alto Xingu.

Em 1961 foi encarregado de fundar um posto no alto Kuluene, mas adoeceu e teve de ser retirado do sertão. Pacificou os índios Xikrin, ramo Caiapó, do sudoeste do Pará, e tomou parte na Operação Bananal (1960), organizada no governo de Juscelino Kubitschek. Foi também chefe da base de Xavantina.

Leonardo Villas-Bôas viveu com a índia Pele de Reclusa entre 1947 e 1953. O jovem Villas-Bôas teria mantido uma relação ilícita, pública e de exclusividade com Pele de Reclusa. A índia era parte da tribo de índios Kamayuráuma e esposa do grande xamã e chefe Kutamapù, uma das mulheres do chefe, o que, entre outras coisas, fez com que ela fosse coletivamente estuprada pelos homens da aldeia como forma de punição.

"Arraia de Fogo" de José Mauro de Vasconcelos, narra perfeitamente o trabalho e as dificuldades dos irmãos Villas-Bôas, ao travar contatos com os índios. Trata-se de um romance, que tem como personagem principal, não Cláudio Villas-Bôas ou Orlando Villas-Bôas, poderia tratar-se de Leonardo Villas-Bôas? Tão pouco citado, mas de grande importância, pois trabalhou arduamente com seus imãos Cláudio e Orlando.

Leonardo Villas-Bôas morreu na cidade de São Paulo em 1961 vítima de Miocardia Reumática.

Leonardo, Orlando e Cláudio
Os Irmãos Villas-Bôas

Os irmãos Villas-Bôas - Orlando Villas-Bôas (1914-2002), Cláudio Villas-Bôas (1916-1998) e Leonardo Villas-Bôas (1918-1961), foram importantes sertanistas brasileiros.

Nascidos na cidade de Botucatu, interior de São Paulo, com a morte dos pais, Agnello e Arlinda Villas-Bôas, a cidade de São Paulo já não os prendia. Vieram do interior paulista para a Capital pois o pai, Agnello, advogado, havia sido convidado por um escritório do ramo. Mudaram-se para uma pensão na Rua Bento Freitas, esquina com a Rua Marquês de Itu.

Fundação Brasil Central - Expedição Roncador Xingu

O lançamento do plano de ocupação do território brasileiro a "Marcha Para o Oeste" no ano de 1938 estava em completa sintonia com os mais recentes e graves acontecimentos políticos que haviam abalado o Brasil. No dia 10 de novembro de 1937, o país ouvira, em cadeia de rádio, a decretação do Estado Novo e Getúlio Vargas (1882-1954) permaneceria na presidência da República até 29 de outubro de 1945. Getúlio Vargas passou a governar através de decretos-lei e mobilizou o país em uma campanha de integração nacional: A "Marcha Para o Oeste". Nas palavras de Getúlio Vargas, pronunciadas naquele primeiro de ano:

"A civilização brasileira a mercê dos fatores geográficos, estendeu-se no sentido da longitude, ocupando o vasto litoral, onde se localizaram os centros principais de atividade, riqueza e vida. Mais do que uma simples imagem, é uma realidade urgente e necessária galgar a montanha, transpor os planaltos e expandir-nos no sentido das latitudes. Retomando a trilha dos pioneiros que plantaram no coração do Continente, em vigorosa e épica arrancada, os marcos das fronteiras territoriais, precisamos de novo suprimir obstáculos, encurtar distâncias, abrir caminhos e estender fronteiras econômicas, consolidando, definitivamente, os alicerces da Nação. O verdadeiro sentido de brasilidade é a 'Marcha Para o Oeste'. No século XVIII, de lá jorrou o caudal de ouro que transbordou na Europa e fez da América o Continente das cobiças e tentativas aventurosas. E lá teremos de ir buscar: - dos vales férteis e vastos, o produto das culturas variadas e fartas; das entranhas da terra, o metal, com que forjar os instrumentos da nossa defesa e do nosso progresso industrial."
(Saudação aos Brasileiros, Pronunciado no Palácio Guanabara e Irradiada Para Todo o País, às 00:00 hs de 31 de Dezembro de 1937)

Orlando Villas-BôasCláudio Villas-Bôas e Leonardo Villas-Bôas tomaram parte desde as primeiras atividades da vanguarda da Expedição Roncador-Xingu criada pelo governo federal no início de 1943 com o objetivo de conhecer e desbravar as áreas mostradas em branco nas cartas geográficas brasileiras. O índio apareceria, mais tarde, diante da expedição como um "obstáculo".

Posteriormente foram designados chefes da expedição. Em face disso foram acelerados todos os trabalhos em andamento, possibilitando assim que fosse vencida a grande e difícil etapa Rio das Mortes - Alto Xingu. A segunda etapa, ainda mais longa Xingu - Serra do Cachimbo - Tapajós, deixou no roteiro uma dezena de campos de pouso. Alguns desses campos - Aragarças, Barra do Garças, Xavantina, Xingu, Cachimbo, e Jacareacanga, foram mais tarde transformados em Bases Militares e em importantes pontos de apoio de rotas aéreas nacionais e transcontinentais pelo Ministério da Aeronáutica. Outros campos intermediários como o Kuluene, Xingu, Posto Leonardo Villas-Bôas, Diauarum, Telles Pires e Kren-Akôro, tornaram-se Postos de assistência aos índios.

LeonardoCláudio e Orlando foram os principais idealizadores e participaram do grupo integrado pelo marechal Cândido Mariano da Silva Rondon, Heloísa Alberto Torres, diretora do Museu Nacional, Café Filho, vice-presidente da República, brigadeiro Raimundo Vasconcelos de Aboim, Darcy Ribeiro e José Maria da Gama Malcher, diretor do Serviço de Proteção aos Índios, que, pleiteou ao presidente da República a criação do Parque Nacional do Xingu. A criação desse parque visava a preservar a fauna e a flora ainda intocadas da região, assim como resguardar as culturas indígenas da área. Dessa reunião também participou o médico sanitarista Noel Nutels.

Como decorrência dos esforços envidados pelos irmãos Villas-Bôas e pelo auxílio das personalidades citadas, foi criado, em 1961, o Parque Nacional do Xingu, a mais importante reserva indígena das Américas.

No que tange à fauna e à flora, a reserva procuraria guardar para o Brasil futuro um testemunho do Brasil do Descobrimento, considerando-se a descaracterização violenta pela qual vem passando as nossas reservas naturais. Ali, a reserva mostraria ao Sul os últimos descampados e cerrados do Brasil Central - para através de uma transição busca, mostrar ao Norte, com toda a exuberância, a Hileia Amazônica caracterizada pelas seringueiras, cachoeiras, castanheiras e as gigantescas samaumeiras.

Por fim, cabe registrar que no roteiro da Expedição Roncador-Xingu, órgão da vanguarda da Fundação Brasil Central, em toda a sua extensão entre os Rios Araguaia e Mortes, Mortes e Kuluene (região da Serra do Roncador), Kuluene-Xingu (abrangendo extenso vale), Xingu-Mauritsauá, cobrindo ampla região do Rio Teles Pires ou São Manuel, alcançando, ainda, a encosta e o alto da Serra do Cachimbo, nasceram mais de quarenta municípios e vilas, quatro bases de proteção de voo do Ministério da Aeronáutica, dentre as quais se destaca a Base da Serra do Cachimbo.

A permanência efetiva dos irmãos Villas-Bôas na área do sertão foi de 42 anos.

Carta de próprio punho do Marechal Rondon para os Irmãos Villas-Bôas. O marechal só escrevia de próprio punho para sua filha e para os Villas-Bôas. É importante atentar para o encerramento da carta: "afetuoso abraço do velho, seu admirador Cândido M. S. Rondon"

A Política Indigenista Proposta Pelos Irmãos Villas Bôas

O posicionamento dos irmãos Villas Bôas acerca da política indigenista brasileira, foi tributário das idéias do marechal Rondon. Nesse sentido, mostrou-se pautado por uma intensa preocupação protecionista e preservacionista relativamente aos povos indígenas, procurando, contudo, interferir o mínimo possível na vida e na organização social desses povos. Foi com base nessas premissas que eles conduziram pacificamente o contato com todas as tribos indígenas da região do Xingu e lá implantaram uma reserva, Parque Indígena do Xingu, cuja intenção básica foi proteger e resguardar os povos indígenas xinguanos de contatos indiscriminados com as frentes de penetração de nossa sociedade.

Trata-se de um posicionamento que, em linhas gerais, caminha no sentido da orientação pacifista rondoniana, mas que, entretanto, não se restringe a ela, pois a perspectiva dos Villas-Bôas não visava mais a pacificação dos índios com vistas a transformá-los em trabalhadores rurais. Ao contrário, a partir dos contatos e das relações privilegiadas que tiveram com as populações indígenas do Xingu, os irmãos Villas-Bôas puderam apreender toda a riqueza cultural das mesmas, o que os levou a defender não apenas a sua integridade física, mas também sua integridade cultural.

Conforme enfatiza Darcy Ribeiro:

"Os Villas-Bôas dedicaram todas as suas vidas a conduzir os índios xinguanos do isolamento original em que os encontraram até o choque com as fronteiras da civilização. Aprenderam a respeitá-los e perceberam a necessidade imperiosa de lhes assegurar algum isolamento para que sobrevivessem. Tinham uma consciência aguda de que, se os fazendeiros penetrassem naquele imenso território, isolando os grupos indígenas uns dos outros, acabariam com eles em pouco tempo. Não só matando, mas liquidando as suas condições ecológicas de sobrevivência."
(Darcy Ribeiro - "Confissões" - São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p. 194)

O antropólogo americano Shelton Davis, ao analisar os dois principais modelos de política indigenista que se confrontaram no Brasil durante a segunda metade do século XX, ressalta que:

"Quando a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) foi criada em 1967, dois modelos opostos de uma política indigenista existiam no Brasil. Um desses modelos, que era radicalmente protecionistas na natureza, foi desenvolvido por Orlando, Cláudio e Leonardo Villas-Bôas no Parque Nacional do Xingu. Segundo este modelo, as tribos indígenas devem ser protegidos pelo governo federal a partir de invasões na fronteira fechada parques indígenas e reservas, e estar preparado gradualmente, como independente, grupos étnicos, para se integrarem na sociedade em geral e a economia do Brasil. Em oposição à filosofia dos irmãos Villas-Bôas era um segundo modelo de política indigenista que foi desenvolvido pelo Serviço de Proteção ao índio brasileiro nos últimos anos de sua existência e, posteriormente, assumido pela FUNAI. Este modelo foi desenvolvimentista na natureza e foi baseada na premissa de que os grupos indígenas devem ser rapidamente integrados, como força de trabalho de reserva ou como produtores de bens transacionáveis  nas economias em expansão regional e rural estruturas de classe do Brasil."
(Shelton Davis - "Vítimas do Milagre de Nova York" - Cambridge University Press, 1977)

Os irmãos Villas-Bôas sustentavam uma política indigenista fundada em dois princípios básicos:


  • Os índios só sobrevivem em sua própria cultura;
  • Os processos integrativos ocorridos historicamente no Brasil teriam, via de regra, conduzido à desagregação das comunidades indígenas e não à sua efetiva participação em nossa sociedade.



Os Índios

No aspecto dos índios, os irmãos Villas-Bôas implantaram uma nova política indigenista, que, basicamente, consistia na defesa dos valores culturais dos índios, como único meio de evitar a marginalização e o desaparecimento dos grupos tribais. A partir da máxima segundo a qual "O índio só sobrevive na sua própria cultura", os irmãos Villas-Bôas conseguiram implantar uma nova forma de relacionamento entre nossa sociedade e as comunidades indígenas brasileiras. Essa política vem sendo esposada por etnólogos e entidades científicas não só nacionais, como estrangeiras.

Os irmãos Villas-Bôas mostraram que a antiga visão que a sociedade nacional tinha acerca do índio era absolutamente equivocada. Não se tratava, portanto, de sociedades selvagens, sem regras e sem estrutura social como se narrava na época do Descobrimento do Brasil. A nova imagem do índio, trazida pelos irmãos Villas-Bôas à nossa sociedade, era a de uma sociedade equilibrada, estável, erguida sobre sólidos princípios morais e donos de um comportamento ético que sustentava uma organização tribal harmônica. A esse respeito Cláudio Villas-Bôas teria dito certa feita:

"Se achamos que nosso objetivo aqui, na nossa rápida passagem pela Terra, é acumular riquezas, então não temos nada a aprender com os índios. Mas se acreditamos que o ideal é o equilíbrio do homem dentro de sua família e dentro de sua comunidade, então os índios têm lições extraordinárias para nos dar."
(Cláudio Villas-Bôas)


Parque Indígena do Xingu

A área do Parque Nacional do Xingu, hoje Parque Indígena do Xingu, que conta com mais de 27 mil quilômetros quadrados, está situado ao norte do estado de Mato Grosso, numa zona de transição florística entre o planalto central e a Amazônia. A região, toda ela plana, onde predominam as matas altas entremeadas de cerrados e campos, é cortada pelos formadores do Xingu e pelos seus primeiros afluentes da direita e da esquerda. Os cursos formadores são os Rios Kuluene, Ronuro e Batoví. Os afluentes, os Rios Suiá Miçu, Maritsauá Miçu, Auaiá Miçu, Uaiá Miçu e o Jarina, próximo da cachoeira de Von Martius.

Atualmente, vivem na área do Xingu, aproximadamente 5.500 índios de catorze etnias diferentes pertencentes às quatro grandes famílias linguísticas indígenas do Brasil: Carib, Aruak, Tupi, Jê. Centros de estudo, inclusive a Unesco, consideram essa área como sendo o mais belo mosaico lingüístico puro do país. As tribos que vivem na região são: Kuikuro, Kalapálo, Nafukuá, Matipú, Mehinaku, Awetí, Waurá, Yawalapiti, Kamayurá, Trumái, Suyá (Kisedjê), Juruna (Yudjá), Txikão (Ikpeng), Kayabí, Mebengôkre e Kreen-Akarôre (Panará).

Marco do Centro Geográfico Brasileiro, plantado pelos irmãos Villas-Bôas a pedido do Marechal Rondon
Foi também Orlando Villas-Bôas e seu irmão Cláudio Villas-Bôas quem, por solicitação do marechal Rondon,  plantou o Centro Geográfico Brasil, às margens do rio Xingu, 17.800 metros para o interior.

O estabelecimento de campos de apoio e pontos de segurança de voo  na rota do Brasil central, proporcionou à aeronáutica civil substancial economia em horas de voo, principalmente nos cursos internacionais. E foram esses sem dúvida, os objetivos que levaram à instalação, hoje dos núcleos de proteção de voo de Aragarças, Xavantina, Xingu, Cachimbo (hoje a maior base aérea militar do Brasil) e Jacareacanga. A esses trabalhos estiveram empenhados os irmãos Villas-Bôas que, a partir de Xavantina, foram os responsáveis por toda uma marcha desbravadora, como também, locação dos pontos e dos campos pioneiros. Logicamente, tudo isso foi feito mediante pagamento de pesado tributo, cobrado pelo sertão e suas áreas insalubres. Para testemunhar, duas centenas de malárias que a cada um se registra.

Após encerrarem suas atividades no Parque Indígena do Xingu, os dois irmãos Orlando Villas-Bôas e Cláudio Villas-Bôas, aposentados, continuaram atuando como assessores da presidência da Fundação Nacional do Índio (FUNAI).

Estimativa dos Trabalhos Realizados

  • Expedição Roncador-Xingu - picadas: cerca de 1.500 quilômetros;
  • Rios navegados (explorados): cerca de mil quilômetros;
  • Campos abertos (inclusive aldeias): dezenove;
  • Campos (hoje bases militares para a segurança de vôo): quatro;
  • Rio desconhecidos (levantados e explorados): seis;
  • Marcos de coordenadas: seis;
  • Tribos assistidas (aldeias): dezoito.
  • Esse intenso trabalho exploratório no interior do Brasil permitiu o mapeamento de um território até então desconhecido.



Homenagens

Os irmãos Villas-Bôas receberam diversas homenagens em razão do trabalho desenvolvido, depois do falecimento os irmãos receberam muitas outras láureas, à título póstumo. Destacam-se entre elas:

  • Medalha do Fundador, concedida pela Royal Geographical Society Of London, com a aprovação da Rainha da Inglaterra;
  • As mais altas condecorações brasileiras como o Grau Oficial da Ordem do Rio Branco e Grão Mestre da Ordem Nacional do Mérito, entre outras;
  • Membros do The Explorers Club Of New York";
  • Foi apresentado para o Prêmio Nehhu da Paz bem como para o Prêmio Nobel da Paz com indicações de Julian Huxley e Claude Lévi-Strauss.
  • Receberam, ainda, cinco títulos Doutor Honoris Causa de universidades estaduais e federais brasileiras e algumas dezenas de títulos de cidadãos honorários de todo território brasileiro.